RC - 7006 - Sessão: 01/10/2014 às 17:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra ANTÔNIO LEODOCIR CASTRO, em virtude da prática do seguinte fato delituoso:

No dia 03 de outubro de 2012, por volta das 21h30min, na Rua João Cervieri, proximidades do n. 2650 (Bar do Bianco), no Município de Serafina Corrêa/RS, o denunciado ANTÔNIO LEODOCIR CASTRO, em comunhão de esforços e vontades com outros três indivíduos não identificados, impediu o exercício de propaganda eleitoral.

Na ocasião, o denunciado, na condução de um VW/Santana placas LYG 9300, interpôs seu veículo na frente do Nissan Frontier conduzido por HERCULANO DAL MAGRO e MARCIANO DE MARCO, fechando-lhes a frente. Ato contínuo, o denunciado e seus comparsas, para impedir o exercício da propaganda eleitoral por HERCULANO e MARCIANO, desceram do veículo, gritando e dizendo para HERCULANO e MARCIANO saírem daquele local, senão iriam "quebrá-los" (agredi-los).

Na ocasião, HERCULANO DAL MAGRO e MARCIANO DE MARCO faziam campanha para a "Coligação Mais Serafina para Todos" (PMDB-PT), o que desagradou o denunciado, que fazia campanha para o PP de Serafina Corrêa.

A denúncia foi recebida em 14.11.2013 (fls. 48-49).

Após a instrução processual, sobreveio decisão absolutória (fls. 154-158).

Na sentença, o Juiz Eleitoral da 22ª Zona de Guaporé absolveu o réu das acusações de que teria infringido o art. 332 do Código Eleitoral (impedir o exercício de propaganda), ao entendimento de que não houve delito eleitoral, fulcro no art. 386, inc. I, do Código de Processo Penal.

Não obstante a sentença tenha sido absolutória em relação ao crime eleitoral, ANTÔNIO LEODOCIR CASTRO foi condenado à multa por litigância de má-fé (fl. 98). Nesse sentido, restou decidido em audiência:

Por fim, passo a analisar o pedido de fl. 80-81 de condenação do réu nas penas de litigância de má-fé, por ter frustrado a realização de audiência em data anterior, com a juntada de atestado médico, tendo sido constatado que na mesma data saiu para trabalhar normalmente. Acolho o pedido do Ministério Público Eleitoral, considerando que a conduta do réu não se revestiu de boa-fé e lealmente processual, princípios norteadores de todo e qualquer processo. Apresentou atestado médico dando conta que não poderia comparecer à audiência, mas sentiu-se bem o suficiente para comparecer ao trabalho. Assim, entendo que a conduta do réu amolda-se ao disposto no art. 17, inc. IV, do CPC (fl. 98).

Inconformado, ANTÔNIO LEODOCIR CASTRO apresentou recurso. Postulou o afastamento da multa por litigância de má-fé. Referida multa foi imposta no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser recolhido ao Fundo Partidário, com fundamento no art. 17, inc. IV, do Código de Processo Civil, bem como no art. 436, § 2º, do Código de Processo Penal (aplicado por analogia). A sanção foi aplicada porque o réu frustrou, injustificadamente, a realização de audiência de instrução (fl. 109).

O Ministério Público Eleitoral ofereceu contrarrazões, com duas preliminares: a) pela ocorrência da preclusão consumativa, diante do fato de as razões terem sido propostas em momento posterior ao recurso; b) pelo não conhecimento do pedido de afastamento da litigância de má-fé, pois entende que a matéria não é passível de apelação. No mérito, defende a manutenção da multa por litigância de má-fé (fls. 173-176).

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela superação das preliminares e pela manutenção da condenação por litigância de má-fé (fls. 179-182).

É o relatório.

 

 

VOTOS

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

1. Admissibilidade recursal

A sentença foi publicada no DEJERS em 06.05.2014 (fls.172-173) e em 08.05.2014 (fl. 174) o réu protocolou a petição de recurso desacompanhada das razões. Posteriormente, a magistrada de primeiro grau deferiu o prazo de 03 (três) dias para a apresentação das razões recursais (fl. 176). O procurador do réu foi intimado do respectivo despacho em 15.05.2014, uma quinta-feira (fl. 177), e apresentou as razões em 19.05.2014, uma segunda-feira (fl. 179).

Embora o art. 362 do Código Eleitoral estabeleça o prazo de 10 (dez) dias para a interposição de recurso contra as decisões finais de condenação e absolvição, foi observado o prazo determinado pelo Juízo para a juntada das razões, o qual seguiu o rito do Código de Processo Penal. Dessa forma, reconheço ser tempestivo o recurso do réu.

Quanto à alegação do Ministério Público de que não deve ser conhecido o recurso da parte no que diz respeito ao pedido de revisão da multa por litigância de má-fé, também entendo que não procede. Entende o Ministério Público que aquela manifestação jamais poderia ser considerada uma decisão final de condenação ou de absolvição. De fato, não é.

Porém, ao contrário dos processos criminais que seguem o rito do Código de Processo Penal, nos processos eleitorais as decisões interlocutórias podem ser renovadas quando da interposição do recurso para o Tribunal Regional. Isso porque aqui não há o recurso em sentido estrito, tampouco existe a figura do agravo, seja o retido, seja o de instrumento. Não fosse assim, ficariam as partes sem um instrumento que pudesse socorrê-las em caso de inconformidades em face de decisões judiciais.

Com esse entendimento, supero também essa preliminar.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Restringe-se o mérito da causa à análise da manutenção, ou não, da sanção de litigância de má-fé ao réu, uma vez que não houve recurso do Ministério Público em relação a sentença absolutória.

Da multa por litigância de má-fé

O recorrente busca o afastamento da multa por litigância de má-fé, à qual foi condenado por ter oposto resistência injustificada ao andamento do processo, com base no art. 17, inc. IV, do Código de Processo Civil (fl. 98).

O recurso não merece provimento.

Analisando os autos, verifico que foi designada audiência de instrução processual para o dia 12.02.2014, às 15h30min (fl. 57), do que o réu e seu procurador foram intimados em 03.02.2014 (fl. 59v.) e 29.01.2014 (fl. 60), respectivamente.

Iniciada a audiência, às 15h30min daquele dia (fl. 67), o procurador apresentou atestado médico emitido em favor do réu para justificar a sua ausência (fl. 68), diante do qual o juiz eleitoral adiou o ato, por entender que a presença do acusado em audiência constitui direito que decorre do exercício da ampla defesa.

Em 25.02.2014, o Ministério Público Eleitoral protocolou pedido de reconhecimento de litigância de má-fé. Aduziu que a Brigada Militar, por volta das 17h do dia da audiência (12.02.2014), em diligência junto à casa do recorrente (12.02.2014), obteve a informação de que ele estava trabalhando no carregamento de frangos no Município de Nova Araçá e só retornaria a Serafina Corrêa na madrugada do dia seguinte. Conforme a Brigada Militar, a informação foi dada por sua esposa (fls. 80-81).

Portanto, as circunstâncias revelam que o réu opôs resistência ilegítima ao regular andamento do processo, agindo em desconformidade com o dever jurídico de lealdade e boa-fé processuais. E isso porque é pouco verossímil que, às 15h30min, horário em que a audiência foi iniciada, não estivesse em condições físicas de se fazer presente em Juízo, e uma hora e meia depois, ou seja, às 17h, quando feita a diligência pela Brigada Militar em sua casa, já pudesse trabalhar no carregamento de frangos no Município de Araçá, que dista cerca de 41km do Município de Serafina Corrêa e exige um tempo de deslocamento de cerca de 30min (informação disponível em: http://br.distanciacidades.com/distancia-de-serafina-correa-a-nova-araca, capturada em 07.07.2014).

A conduta do réu retardou o andamento do processo, provocando a transferência da audiência de instrução para 12.03.2014 (fl. 77), cerca de um mês depois da data marcada inicialmente, situação que configura a hipótese descrita no art. 17, inc. IV, do Código de Processo Civil. O valor da multa aplicada também merece ser mantido, porquanto 1 (um) salário mínimo é montante proporcional à gravidade da conduta e suficiente à sua prevenção e sancionamento.

Não desconheço que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, em sua maioria, não admite a condenação por litigância de ma-fé no processo penal. No entanto, destaco que em diversos precedentes por mim analisados a justificativa para essa não aceitação está relacionada com a garantia constitucional da ampla defesa do réu. Também existem julgados que afastaram a sanção que havia sido aplicada ao procurador da parte. E esse entendimento, que vigora nos Tribunais Superiores, pode ser sintetizado nos seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. MULTA DO ART. 538, § 1º, CPC. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. SANÇÃO PELA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS PROTELATÓRIOS. INAPLICABILIDADE EM MATÉRIA PENAL. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO NÃO SUSCITADA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.

1. A aplicação da multa processual prevista no art. 538, § 1º, do Código de Processo Civil como pressuposto de admissibilidade recursal, em matéria penal, configura cerceamento ao direito de defesa, em evidente prejuízo que deve ser coartado pela via heroica à vista do patente constrangimento ilegal.

2. Este Superior Tribunal de Justiça tem afirmado o incabimento de multa como sanção processual à litigância de má-fé decorrente da oposição de embargos de declaração protelatórios na esfera penal à falta de previsão legal específica, não tendo aplicação subsidiária a norma processual civil em face da garantia constitucional da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes.

3. A omissão ou a negativa de prestação jurisprudencial se configuram apenas quando o Tribunal deixa de se manifestar sobre questão efetivamente suscitada e que seria indubitavelmente necessária ao deslinde do litígio.

4. Habeas corpus concedido de ofício para afastar a exigibilidade de recolhimento da multa como pressuposto de admissibilidade recursal. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para excluir a multa aplicada.

(TSE. Recurso Especial Eleitoral n. 1.306.006 -MT, Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE de 09.06.2014.)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. PECULATO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.

1. Denúncia que indica o cometimento de peculato apropriação e peculato desvio, afastando-se o cometimento do peculato apropriação pela não indicação na peça oferecida pelo MPF do dolo específico.

2. Comete o crime de peculato, na modalidade desvio (art. 312, caput, segunda parte do Código Penal), em continuidade delitiva (art. 71 Código Penal) o servidor público que se utiliza ilegalmente de passagens e diárias pagas pelos cofres públicos.

3. Inexiste crime de responsabilidade se o acusado não mais exerce o cargo no qual cometeu o ilícito indicado, mesmo que permaneça no exercício de outra função pública (art. 42 Lei 1.079/50).

4. Comete o crime de ordenação de despesa não autorizada (art. 359-D do Código Penal), o funcionário público que gera despesas e ordena pagamentos sem a devida e prévia autorização legal.

5. A multa por litigância de má-fé, prevista no art. 16 do Código de Processo Civil, não se aplica ao processo penal para não inibir a atuação do defensor (ressalva do ponto de vista da relatora).

6. Denúncia recebida em parte.

(STJ. AÇÃO PENAL N. 477 - PB, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 04.03.2009.)

Ressalto que a hipótese dos autos é de todo diversa. No caso presente, o não comparecimento do réu à audiência foi justificado com a apresentação de um atestado médico, o que gerou o adiamento do ato pelo magistrado. No entanto, em diligência efetuada a pedido do Ministério Público, verificou-se que o réu não estava doente, pois trabalhou naquele dia. Aqui, os motivos para a aplicação da multa por litigância de má-fé são diversos daqueles que ensejaram sua não aceitação no TSE e no STJ.

Trago, ainda, jurisprudência das Turmas Recursais Criminais/RS, as quais têm aceitado a aplicação da multa por litigância de má-fé no processo penal, com fulcro no art. 3º do Código de Processo Penal, o qual permite a aplicação analógica do Código de Processo Civil para suprir lacunas:

REITERAÇÃO DA REITERAÇÃO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL. INEXISTÊNCIA DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 83, DA LEI Nº 9.099/95. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

Ausente qualquer omissão no acórdão que julgou improcedente a ação de revisão criminal assim como ausente qualquer omissão no acórdão que julgou os Embargos de Declaração, denotando-se atuar a parte embargante, mais uma vez, com evidente litigância de má-fé, procedendo de modo temerário no processo, fatos caracterizadores da litigância de má-fé. A reiteração da reiteração de recurso com mesmo objeto, repisando o que já foi decidido, caracteriza a litigância de má-fé. Interpretação analógica conforme artigo 3º do Código de Processo Penal. NÃO CONHECERAM DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS E APLICARAM A PENA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

(Embargos de Declaração Nº 71001700855, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relatora: Angela Maria Silveira, Julgado em 07.07.2008.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO. ARTIGO 42, INCISO III DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41. A reiteração de recurso com mesmo objeto, repisando o que já foi decidido, querendo postergar o feito para obter alteração de decisão, a qual foi contrária aos seus interesses, caracteriza a litigância de má-fé. Interpretação analógica conforme artigo 3º do Código de Processo Penal. APLICARAM A PENA DE LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ E NÃO CONHECERAM DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS.

(Embargos de Declaração Nº 71001363241, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 13.08.2007.)

Por fim, trago jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE RAZÕES DE APELAÇÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. LITISPENDÊNCIA. DESBLOQUEIO DA MESMA CONTA POSTULADA EM DUAS AÇÕES. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 17, INCISO V. MULTA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 18. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 3º. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. A não apresentação de contra-razões não gera nulidade, considerando que a apelação devolve ao tribunal o conhecimento de toda a matéria tratada. Precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça e do col. Supremo Tribunal Federal. 2. In casu, por meio do documento de fl. 296, ficou demonstrado nos autos que a empresa-apelante já requereu o desbloqueio das contas em questão em incidente de coisa apreendida em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas, restando configurada a litispendência, nos termos previstos nos § 1º ("Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada") e § 2º ("Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.") do art. 301 do Código de Processo Civil, que se aplica ao Processo Penal, por força do art. 3ª do CPP. 3. A litigância de má-fé fica caracterizada quando a parte autora ajuíza ação com pedido idêntico buscando o mesmo efeito jurídico já buscado em outra ação anteriormente ajuizada, devendo, portanto, ser-lhe imposta a pena consistente no pagamento de multa, com fundamento no art. 18 do Código de Processo Civil. Precedentes da Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal. 4. Apelação improvida.

(TRF-1 - ACR: 5636 AM 2007.32.00.005636-8, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES, Data de Julgamento: 16.06.2008, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 10.07.2008 e-DJF1 p.178.)

Por todo o exposto, mantenho a pena por litigância de má-fé imposta ao réu, nos exatos termos em que proferida pelo juízo monocrático.