RC - 189 - Sessão: 13/08/2014 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL - MPE com atuação perante a 50ª Zona Eleitoral – São Jerônimo ofereceu, em 29.03.2011, denúncia contra ANTÔNIO RONI DE CALDAS DO AMARAL e ROSIMAR DA SILVA COUTINHO, nos seguintes termos (fl. 02v.):

1. No dia 31 de outubro de 2010, por volta das 15h, na Rua Canoas, nº 03, na Escola Cruz de Malta, na seção eleitoral do denunciado Antônio, os acusados, em conjunção de esforços e comunhão de vontades, tentaram violar o sigilo do voto, mediante exigir que a filha do casal permanecesse junto a urna eleitoral para acompanhar e auxiliar o voto do genitor – o sr. Antônio Roni de Caldas do Amaral.

Para tanto, o denunciado Antônio, na sua seção de votação, exigiu que iria votar no segundo turno das eleições com sua filha, pois sua esposa, Rosimar, tinha votado com a mesma em outra escola Pio XII.

Na ocasião, em razão da negativa do Presidente de Mesa e dos demais servidores da seção eleitoral, passou o acusado a perturbar o serviço eleitoral, juntamente com a denunciada, que ao ser mostrado a esta o cartaz de orientação de que o voto era sigiloso e não se permitia o voto em conjunto com crianças, rasgou o cartaz do serviço eleitoral.

Ato contínuo, foi preciso a seção eleitoral acionar a Brigada Militar para conter a conduta dos denunciados e proceder a lavratura do termo circunstanciado.

2. Nas mesmas circunstâncias de tempo, hora e local descritas acima, os denunciados, em conjunção de esforços e comunhão de vontades, promoveram desordens que prejudicaram os trabalhos eleitorais.

Para tanto, o denunciado Antônio, na sua seção de votação, exigiu votar no segundo turno das eleições acompanhado da filha, alegando que sua esposa, Rosimar, havia feito o mesmo em outra escola Pio XII.

Na ocasião, em razão da negativa do Presidente de Mesa e dos demais servidores da seção eleitoral, passou o acusado a perturbar os trabalhos, juntamente com a denunciada e, ao ser mostrado o cartaz de orientação sobre o sigilo do voto e a proibição de votar acompanhado por crianças, Rosimar rasgou o cartaz do serviço eleitoral.

Ato contínuo, foi preciso que a seção eleitoral acionasse a Brigada Militar para conter a conduta dos denunciados e proceder à lavratura do termo circunstanciado.

Assim agindo, os denunciados incorreram nas sanções dos artigos 296 e 312 da Lei n. 4.737/65, c/c art. 29, caput, e na forma do art. 70, caput, ambos do CP .

Recebida a denúncia em 20.12.2010 (fl. 04), os réus apresentaram alegações escritas (fl. 23v.).

Em audiência, os réus e o defensor nomeado para o ato aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo (fl. 34v.), a qual, em virtude de descumprimento, foi revogada (fls. 41 e 46).

Em nova audiência, foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 54-56), sem que fosse determinado o interrogatório dos réus.

Apresentadas alegações finais pelo MPE e pelos réus (fls. 58-59 e 64-65).

Sobreveio sentença de procedência, condenando os réus como incursos nos arts. 296 e 312 do Código Eleitoral – CE, c/c art. 29, caput, na forma do art. 70, caput, do Código Penal. Em relação ao crime do art. 296, fixada pena-base de um mês de detenção e, quanto ao previsto no art. 312, fixada em nove meses de detenção. Para ambas, operada a substituição das penas privativas de liberdade por uma de multa, consistente na doação de um salário mínimo (para cada réu), por meio de depósito em conta vinculada ao foro local (fls. 67-68).

Inconformados, os condenados interpuseram recurso, por intermédio de defensor dativo. Aduziram a total insuficiência probatória. Requereram o provimento, com a sua absolvição, ou, alternativamente, em razão da sua precária condição financeira, a redução do valor imposto a título pecuniário para meio salário mínimo nacional (fls. 73-76).

Apresentadas contrarrazões (fls. 81-82), nesta instância os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso, no sentido de ser afastada apenas a condenação pelo art. 312 do CE, com a consequente adequação do quantum arbitrado (fls. 86-88v.).

Por fim, acompanham os autos desta ação Termo Circunstanciado de Ocorrência relativo aos fatos sub judice (“Apenso – NC n. 7261-23”).

É o relatório.

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Admissibilidade

Os recorrentes foram intimados pessoalmente da sentença em 06.08.2013 (Antônio) e em 21.08.2013 (Rosimar), e o seu defensor em 08.08.2013, sendo o recurso tempestivo porque interposto em 13.08.2013, dentro do decêndio legal previsto no art. 362 do Código Eleitoral – CE (fls. 69v., 72-73 e 77-78).

Assim, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Ausência do interrogatório

De ofício, por se tratar de matéria de ordem pública, atrelada ao exame das nulidades processuais, consigno que os réus não foram interrogados.

Com efeito, após o recebimento da denúncia e a apresentação de defesa escrita foi realizada audiência, na qual os réus aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo, a qual, em virtude de descumprimento, foi revogada.

Em nova audiência, foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela acusação e, ato contínuo, encerrada a instrução (fls. 04-56). Após, advieram as alegações finais das partes e a sentença condenatória ora em exame.

Nesse contexto, seria impositivo o reconhecimento de nulidade absoluta pela não realização do interrogatório dos réus, levando em conta os primados constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Contudo, o sistema de nulidades previsto no Código de Processo Penal, no qual vigora o princípio pas de nullité san grief, dispõe que somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à defesa, devidamente demonstrado, o que não se dá na espécie - considerando que a sentença será, como se verá, totalmente reformada na apreciação do mérito deste recurso.

Nesse sentido, o STF já assentou:

O entendimento de que a demonstração de prejuízo, "a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que […] o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas".

(HC 121953 - Segunda Turma - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - DJE de 01.07.2014 / HC 85155 - Segunda Turma - Rel. Min. Ellen Gracie - DJE de 15.04.2005.) (Grifei.)

Logo, não obstante o equívoco da juíza eleitoral de primeira instância, deixo de declarar a nulidade do procedimento subjacente, diante da ausência de prejuízo aos réus, e passo a analisar a questão de fundo, prestigiando, outrossim, a celeridade e a efetividade próprias desta especializada.

Destaco.

Mérito

Inicialmente, à luz do art. 109 do Código Penal não há ocorrência de prescrição dos fatos com as capitulações delitivas contidas na inicial.

Na questão de fundo, os réus Antônio Roni de Caldas do Amaral e Rosimar da Silva Coutinho foram denunciados por prejuízo aos trabalhos eleitorais mediante promoção de desordem, bem como por tentativa de violação do sigilo do voto relativamente ao dia do 2º turno do pleito de 2010 em Charqueadas, consoante a descrição fática da denúncia acima reproduzida – a teor da legislação aplicável:

Código Eleitoral:

Art. 296 Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais.

Pena - Detenção até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

[...]

Art. 312 Violar ou tentar violar o sigilo do voto.

Pena - detenção até dois anos. (Grifei.)

A juíza sentenciante enquadrou os réus em ambos os dispositivos, ancorando-se nos depoimentos das duas testemunhas de acusação ouvidas em juízo.

Quanto à imputação do art. 312 do CE, não há suporte probatório mínimo para o acolhimento da pretensão deduzida, a justificar a absolvição, na linha do parecer do Procurador Regional Eleitoral, que esgotou a análise da questão (fls. 86-88v.):

[…] impõe-se o provimento parcial do recurso no que respeita à imputação relativa ao art. 312, que diz respeito à violação ou tentativa de violação do sigilo do voto. É que não se faz presente, no caso concreto, o dolo exigido na espécie, uma vez que não se há de reconhecer houvesse sequer a possibilidade de sua configuração, sendo que a pessoa da qual se faria acompanhar o acusado no ato do voto era sua filha, uma criança de oito ou nove anos de idade, conforme depoimento de testemunha de fl. 56.

Evidente que não havia, na espécie, a intenção de violar o sigilo do voto, mas a mera vontade do pai, contrária à orientação recebida pelos servidores da Justiça Eleitoral, de fazer-se acompanhar da menina na cabine da urna eletrônica, seja por simples capricho ou por que motivo fosse, mas não pela intenção de violar o sigilo do próprio voto, até porque a pessoa que dessa forma obteria conhecimento do voto tratava-se de menor absolutamente incapaz, que provavelmente nem mesmo teria inteira compreensão do conteúdo do ato. (Grifei.)

Quanto à imputação do art. 296 do CE, Marcos Ramayana leciona que a conduta ativa atinge os regulares serviços eleitorais. Trata-se de delito que afeta a higidez e a segurança das relações entre partidos, coligações, candidatos, membros do Ministério Público, eleitores e a Justiça Eleitoral, e que a desordem deve prejudicar os trabalhos realizados na fase do alistamento, votação, apuração ou diplomação dos eleitos, inclusive nas etapas da propaganda política partidária ou eleitoral, registro de candidatos, prestação de contas, direito de resposta e pesquisas eleitorais (em Direito Eleitoral. 10 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, pp. 694-695).

Na mesma linha, Suzana de Camargo Gomes (em Crimes Eleitorais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 307-308):

A promoção da desordem deve atingir alguma das fases do processo eleitoral, ou seja, o alistamento, o registro dos candidatos, a propaganda eleitoral, a votação, a apuração ou a diplomação dos eleitos. […]

A desordem deve ser de tal natureza que prejudique os trabalhos, que cause transtornos ao seu regular desenvolvimento, dado que assim estabelece o tipo penal. Portanto, um ato, que não chegue a alterar a normalidade dos trabalhos eleitorais, não configura a conduta ilícita aqui tratada.

[…] Entretanto, o dano, proveniente da conduta, não precisa ser daqueles que retunde na completa inviabilização dos trabalhos eleitorais, mas deve ter o condão de atrapalhar, de retardar, de conturbar o seu desenvolvimento.

O dolo exigido para a configuração do tipo é o específico, dado que deve o agente estar imbuído da vontade deliberada de causar desordem em prejuízo dos trabalhos eleitorais.

A consumação ocorre no momento em que o agente promove a desordem, alcançando o resultado consistente no prejuízo aos trabalhos. Trata-se, portanto, de crime material, que para a sua caracterização exige a presença de algum dano aos trabalhos eleitorais. (Grifei.)

Já Fávila Ribeiro (em Direito Eleitoral. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 651), em discordância parcial, afirma:

O art. 296 versa sobre o ocasionamento de desordem que prejudique a execução dos trabalhos eleitorais. É o resultado material derivado da desordem que vai refletir danosamente para o andamento do serviço eleitoral.

Não há necessidade de que a desordem tenha sido produzida com a deliberada intenção de ocasionar prejuízo aos trabalhos eleitorais. É suficiente haja relação de causa e efeito entre a desordem e o dano efetivo, afetando a realização de atos eleitorais, no alistamento, na votação e na apuração. (Grifei.)

Infere-se que, entre referidos doutrinadores, há unanimidade quanto à imprescindibilidade da existência de dano aos serviços eleitorais, de prejuízo que atinja ao menos uma das fases do processo eleitoral.

A sua lição permite concluir que, para a existência do crime, é necessária prova de prejuízo aos trabalhos eleitorais e que, no caso, sejam considerados os trabalhos eleitorais em sentido estrito.

Conforme a linha adotada, de forma mais ou menos ampla, são trabalhos eleitorais para fins do delito: o alistamento, a votação, a apuração (RIBEIRO), como também o registro dos candidatos, a propaganda eleitoral, a diplomação dos eleitos (GOMES), além da prestação de contas, do direito de resposta e das pesquisas eleitorais (RAMAYANA).

Isso porque o delito deve, de alguma forma, perturbar a eleição. A simples perturbação das atividades burocráticas do cartório eleitoral, no que se assemelham a qualquer outra repartição pública, não estaria incriminada.

Nesse sentido, é da jurisprudência desta Corte:

Recurso criminal. Desordem eleitoral e desacato (arts. 296 do Código Eleitoral e 331 do Código Penal). Impasse em decorrência do depósito de propaganda, objeto de busca e apreensão, nas dependências de cartório eleitoral.

Preliminar de prescrição em razão do excesso de prazo para oferecimento da denúncia afastada. Mera irregularidade. Possibilidade de promoção da peça acusatória enquanto não ocorrer causa extintiva da punibilidade.

A conduta que não causa prejuízo ao serviço eleitoral não configura o delito de desordem tipificado no artigo 296 do Código Eleitoral. Ônus da acusação.

A configuração do crime de desacato requer dolo específico, vontade e consciência de desprestigiar ou menosprezar servidor, não bastando que sejam proferidas palavras de inconformidade.

Provimento.

(TRE/RS, RC 1000021-20, Rel. Dr. Ícaro Carvalho de Bem Osório,  J. Sessão de 08.09.2010.) (Grifei.)

 

Recurso. Crime eleitoral. Artigo 296 do Código Eleitoral. Eleições 2010.

Improcedência da denúncia no juízo de origem.

Não obstante a desordem ocorrida na seção eleitoral, a prova oral coligida, não permite concluir que a conduta praticada pelo acusado tenha efetivamente prejudicado os serviços eleitorais.

Confirmação da sentença prolatada.

Provimento negado.

(TRE/RS, RC 56-90, Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, J. Sessão de 23.07.2013.) (Grifei.)

Na espécie, a mera ocorrência de discussões e a danificação de cartaz da Justiça Eleitoral afixado em seção eleitoral de Charqueadas no dia do pleito de 2010, atribuídas aos réus, não têm o condão de fazer incidir a norma de regência.

Com efeito, o caderno probatório consiste nas declarações dos envolvidos perante a autoridade policial, na súmula da ata dos trabalhos eleitorais (incidente em apenso) e nos depoimentos, colhidos em juízo, do presidente e da primeira mesária da seção eleitoral correspondente (fls. 55-56).

Restou incontroverso o tumulto protagonizado pelos réus, em especial por parte de Rosimar, ao momento do exercício do voto por Antônio, tudo porque fora proibido de se fazer acompanhar, até a cabine de votação, da sua filha de 9 (nove) anos.

Mas a prova é confusa quanto ao ato de rasgamento do cartaz com os dizeres proibido votar acompanhado, inclusive crianças – art. 312 do Código Eleitoral, art. 51, § § 1º, 2º e 3º da Resolução TSE n. 23.218/2010. Na fase policial, o presidente da seção Alisson o atribuiu a Antônio, mas em juízo disse que não sabia quem teria provocado o dano; ao passo que a primeira mesária Juliana confirmou a sua versão anterior de que a responsável pela avaria fora Rosimar, a qual teria, no entanto, amassado e jogado no chão a referida folha. Os réus, a seu turno, sempre negaram as imputações que lhes foram feitas.

Mesmo que admitida a completa configuração narrada pelo Parquet, não logrou êxito em provar o prejuízo aos serviços eleitorais, considerando a concepção acima colacionada; mais especificamente, não há notícia de que a votação como um todo tenha sido prejudicada ou de que tenha havido dano à urna eletrônica utilizada, ou mesmo que os trabalhos tenham sido efetivamente suspensos ou, se o foram, por quanto tempo e com qual consequência.

Vale dizer que as provas trazidas não confortam um juízo de certeza, não se revestindo de força suficientemente capaz de conduzir a um juízo de condenação.

Portanto, dentro desse contexto, a reforma da decisão combatida, com o provimento do recurso e a consequente absolvição dos réus, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para, reformando integralmente a sentença, absolver ANTÔNIO RONI DE CALDAS DO AMARAL e ROSIMAR DA SILVA COUTINHO das imputações delitivas objeto da denúncia, fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho o relator.

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Acolho a preliminar de nulidade do feito trazida de ofício.

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Voto pela nulidade do feito, acolhendo a preliminar.

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Com o eminente relator.

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Com o relator.