RC - 2939 - Sessão: 25/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra ANTÔNIO LEODOCIR CASTRO, em virtude da prática do seguinte fato delituoso:

No dia 02 de outubro de 2012, por volta das 18h50min, na Rua Luiz Mário Rossetto, no Bairro Alto Paraíso, no Município de Serafina Corrêa/RS, o denunciado ANTÔNIO LEODOCIR CASTRO impediu o exercício de propaganda eleitoral.

Na ocasião, o denunciado abordou NIVALDO TEZZA, candidato a Vereador no pleito municipal de 2012 na cidade de Serafina Corrêa, e, para impedi-lo de fazer propaganda eleitoral no bairro, disse em tom ameaçador que era para o candidato se retirar e não mais vir ao bairro, senão iria pegá-lo (agredi-lo).

A vítima ficou atemorizada e registrou ocorrência policial, restringindo-se de fazer propaganda eleitoral no Bairro Alto Paraíso em virtude do agir do denunciado.

A denúncia foi recebida em 19.06.2013 (fl. 47-47v.).

Na sentença, a Juíza Eleitoral da 22ª Zona de Guaporé condenou o réu como incurso nas sanções do art. 332 do Código Eleitoral (impedir o exercício de propaganda), imputando-lhe a pena privativa de liberdade de 02 (dois) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, e 30 dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade, pelo período de 1 (uma) hora para cada dia de pena em instituição a ser definida pelo juízo da execução (fls. 163-168).

Inconformado com a sentença, o réu interpôs recurso (fl. 174), apresentando as razões posteriormente (fls. 179-182v.). Em preliminar referiu estarem presentes a adequação, a tempestividade, a legitimidade e o interesse recursais, referindo que o magistrado determinou a adoção do rito do Código de Processo Penal para o processamento do feito. No mérito, sustentou, em síntese, que as testemunhas apresentaram versões desencontradas para o fato denunciado, motivo pelo qual não haveria prova suficiente para a sua condenação. Entende ser cabível a expedição de ofício à Delegacia da Polícia Federal para investigar a prática do crime de denunciação caluniosa e/ou falso testemunho.

O recorrente postulou, ainda, o afastamento da multa por litigância de má-fé. Referida multa foi imposta no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser recolhido ao Fundo Partidário, com fundamento no art. 17, inc. IV, do Código de Processo Civil, bem como no art. 436, § 2º, do Código de Processo Penal (aplicado por analogia). A sanção foi aplicada porque o réu frustrou, injustificadamente, a realização de audiência de instrução (fl. 109).

O Ministério Público Eleitoral ofereceu contrarrazões, com preliminar de intempestividade recursal. Requereu a manutenção da multa por litigância de má-fé e, no mérito, defendeu haver prova suficiente da autoria e materialidade delitivas para a condenação do acusado nas sanções do art. 332 do Código Eleitoral (fls. 184-189).

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento parcial do recurso apenas para reduzir a pena privativa de liberdade imposta na sentença (fls. 194-198v.).

É o relatório.

 

 

VOTO

Admissibilidade recursal

A sentença foi publicada no DEJERS em 06.05.2014 (fls. 172-173) e em 08.05.2014 (fl. 174) o réu protocolou a petição de recurso desacompanhada das razões. Posteriormente, a magistrada de primeiro grau deferiu o prazo de 03 (três) dias para a apresentação das razões recursais (fl. 176). O procurador do réu foi intimado do respectivo despacho em 15.05.2014, uma quinta-feira (fl. 177), e apresentou as razões em 19.05.2014, uma segunda-feira (fl. 179).

Embora o art. 362 do Código Eleitoral estabeleça o prazo de 10 (dez) dias para a interposição de recurso contra as decisões finais de condenação e absolvição, foi observado o prazo determinado pelo juízo para a juntada das razões, o qual seguiu o rito do Código de Processo Penal. Desta forma, reconheço ser tempestivo o recurso do réu.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Inicialmente, teço algumas considerações sobre a tipificação do fato feita pelo juízo a quo.

Ao julgar o feito, a juíza eleitoral, em preliminar, destacou que a denúncia não trouxe a capitulação legal da conduta. No entanto, considerando a descrição fática contida na peça acusatória, consignou, com o objetivo de evitar nulidade processual, a desnecessidade de emenda à inicial e capitulou o fato imputado ao réu como o previsto no art. 332 do Código Eleitoral.

A decisão, nesse aspecto, amolda-se à orientação consolidada na doutrina e jurisprudência de que, no processo penal, o réu se defende dos fatos articulados na denúncia, e não da classificação jurídica atribuída pelo órgão acusador. O juiz pode considerar, na tipificação do delito, dispositivos penais diversos dos enunciados, mesmo que tenha que aplicar pena mais grave (art. 383, caput, do Código de Processo Penal), sem que haja prejuízo à defesa que, a seu turno, pode sustentar o correto enquadramento normativo dos fatos.

Reporto-me, por oportuno, ao julgado do Tribunal Superior Eleitoral, colacionado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer à fl. 196:

Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Falsidade documental. 1. Não se concede habeas corpus quando a denúncia descreve indícios suficientes de autoria e materialidade e expõe claramente fato - falsidade documental - que, ao menos em tese, configura crime eleitoral. 2. Segundo a teoria da substanciação, o réu se defende dos fatos narrados na denúncia, motivo pelo qual o julgador não está vinculado à qualificação jurídica nela feita. 3. Não se conhece do habeas corpus no tocante ao não cabimento de proposta de suspensão condicional do processo, tendo em vista ter sido impetrado contra ato de membro de Tribunal Regional Eleitoral, evitando-se, assim, indevida supressão de instância. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada.

(TSE, Relator: Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Data de Julgamento: 15.02.2011.)  (Grifei.)

Assim, registro que não se verifica a nulidade processual por causa da falta de tipificação dos fatos na denúncia, uma vez que a juíza sentenciante procedeu à correta delimitação objetiva da demanda e não houve prejuízo ao pleno exercício de defesa e ao contraditório pelo réu durante o desenvolvimento do processo.

Na sentença, o recorrente foi condenado como incurso nas sanções do art. 332 do Código Eleitoral:

Art. 332 - Impedir o exercício de propaganda.

Pena - detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Nas razões de reforma, Antônio Leodocir Castro sustentou que as testemunhas da acusação ouvidas em juízo prestaram declarações divergentes entre si e diferentes daquelas prestadas pela vítima do fato, em especial no que diz respeito ao modo como o réu chegou ao local (de carro ou a pé). Por essa razão, defende que a prova colhida durante a instrução é insuficiente para o decreto condenatório, devendo prevalecer o princípio in dubio pro reo, reconhecendo-se a sua inocência.

Todavia, a tese defensiva não encontra respaldo nos autos.

De acordo com o Boletim de Atendimento de fl. 147, Nivaldo Tezza, que concorreu ao cargo de vereador nas Eleições Municipais de 2012 pela Coligação Mais Serafina para Todos (PT/PMDB), no dia 02.10, às 22h, compareceu ao Posto da Brigada Militar em Serafina Corrêa relatando que havia sido ameaçado pelo réu (identificado, na ocasião, como Círio Castro).

A mesma comunicação foi feita à Polícia Civil do município em 09.11.2012 (fl. 10), oportunidade em que Nivaldo Tezza afirmou que foi abordado pelo réu, que lhe disse para se retirar e não mais retornar ao Bairro Alto Paraíso, senão “iria lhe pegar”. A vítima, sentindo-se intimidada e com medo, retirou-se do local. Ao prestar declarações à Polícia Federal, Nivaldo Tezza confirmou o teor da ocorrência policial, declarando que o réu tinha a clara intenção de impedir a sua campanha eleitoral junto aos eleitores do Bairro Alto Paraíso (fl. 39).

Ao depor em juízo, Nilvado Tezza manteve a mesma versão dos fatos. Afirmou que ao sair da casa de Gilbrair Alves foi abordado e ameaçado pelo acusado, que lhe disse que deveria se retirar do bairro em um minuto e não mais voltar. O réu lhe disse que era cabo eleitoral da candidata Nega Castro e, por esse motivo, não ia deixar adversários entrarem no bairro. Sentindo-se coagido, Nilvado Tezza não voltou ao local durante todo o período de campanha (fls. 137-143).

Na delegacia da Polícia Federal, a testemunha Gilbrair Alves confirmou a mesma versão dos fatos que fora dada pela vítima Nilvado Tezza. Disse que se encontrava no interior da sua propriedade no Bairro Alto Paraíso, quando o réu se postou na frente do portão e proferiu ameaças, dizendo que o mesmo tinha dois minutos para se retirar da sua residência e não voltar mais ao bairro. Do contrário, iria “pegá-lo”, isto é, agredi-lo (fl. 41). Em juízo, Gilbrair Alves reconheceu o réu e corroborou as declarações que havia prestado da fase policial (fls. 116-121).

Teresa Rodrigues, companheira de Gilbrair Alves, também reconheceu o réu e prestou informações coesas tanto na fase policial quanto na fase judicial (fls. 42 e 122-127). Narrou que presenciou o acusado ameaçar Nivaldo Tezza na frente do portão da sua casa, dizendo que o mesmo não deveria mais entrar no bairro. A testemunha também mencionou que o réu costumava fazer rondas de carro para impedir que pessoas entrassem no bairro para fazer campanha eleitoral que não fosse para a candidata Nega Castro, a qual ele apoiava.

Ressalto que as divergências apontadas pela defesa nos depoimentos das testemunhas, no tocante ao modo como o réu chegou ao local (de carro ou a pé) e ao lugar de onde veio em direção à casa de Gilbrair Alves, em nada comprometem a consistência dos depoimentos quanto à efetiva ocorrência da ameaça feita pelo réu a Nivaldo Tezza.

Destaco que, à época dos fatos, Gilbrair Alves e Teresa Rodrigues não tinham vinculação direta com os partidos políticos que integravam a Coligação mais Serafina para Todos, seja o PMDB, partido pelo qual Nivaldo Tezza concorria ao cargo de vereador no Município de Serafina Corrêa (fl. 53), seja o PT. Gilbrair Alves era filiado ao PSB (fl. 55), e Teresa Rodrigues não possuía filiação partidária (fl. 56), circunstância que confere imparcialidade aos seus depoimentos.

A única testemunha da defesa, José Parnoff (fls. 128-132), limitou-se a dizer que estava nas proximidades da casa de Gilbrair Alves e Teresa Rodrigues e que não viu o réu no local. Curiosamente, indicou que o fato ocorreu por volta das 15h (fl. 132), o que confrontou a descrição da denúncia, na qual consta 18h50min (fl. 02v.), assim como o depoimento de Gilbrair Alves, segundo o qual o fato aconteceu no final da tarde, quando já estava escurecendo (fl. 119).

O réu Antônio Leodocir Castro, por sua vez, negou o cometimento do crime nos depoimentos que prestou perante a Polícia Federal e em juízo (fls. 14 e 133-136).

Contudo, a justificativa apresentada para o seu envolvimento no crime foi bastante vaga e pouco convincente.

Limitou-se a comentar a antipatia que as testemunhas Gilbrair Alves e Teresa Rodrigues teriam quanto à sua pessoa. Tal fato decorreria de sua participação na campanha da candidata Nega Castro e também por ambos terem sido testemunhas de sua ex-esposa em anterior processo de separação.

Ao contrário do que sustenta a defesa, os depoimentos da vítima Nivaldo Tezza e das testemunhas presenciais do delito, Gilbrair Alves e Teresa Rodrigues, foram bastante consistentes, tanto na fase inquisitorial quanto na judicial, permitindo a conclusão firme e segura de que o réu efetivamente impediu o exercício de propaganda pelo referido candidato durante o período de campanha nas Eleições de 2012, incorrendo, consequentemente, no delito do art. 332 do Código Eleitoral.

Da multa por litigância de má-fé

O recorrente busca o afastamento da multa por litigância de má-fé à qual foi condenado por ter oposto resistência injustificada ao andamento do processo, com base no art. 17, inc. IV, do Código de Processo Civil (fl. 109).

O recurso não merece provimento quanto a esse ponto.

Analisando os autos, verifico que foi designada audiência de instrução processual para o dia 12.02.2014, às 14h25min (fl. 70), do que o réu e seu procurador foram intimados em 03.02.2014 (fl. 71v.) e 29.01.2014 (fl. 72), respectivamente.

Iniciada a audiência, às 15h30min daquele dia (fl. 80), o procurador apresentou atestado médico emitido em favor do réu para justificar a sua ausência (fl. 81), diante do qual a juíza eleitoral adiou o ato, por entender que a presença do acusado em audiência constitui direito que decorre do exercício da ampla defesa.

Em 25.02.2014, o Ministério Público Eleitoral protocolou pedido de reconhecimento de litigância de má-fé. Aduziu que a Brigada Militar, em diligência junto à casa do recorrente, por volta das 17h do dia da audiência (12.02.2014), obteve a informação de sua companheira de que ele estava trabalhando no carregamento de frangos no Município de Nova Araçá e só retornaria a Serafina Corrêa na madrugada do dia seguinte (fls. 93-94).

Portanto, as circunstâncias revelam que o réu opôs resistência ilegítima ao regular andamento do processo, agindo em desconformidade com o seu dever jurídico de lealdade e boa-fé processuais. E isso porque é pouco verossímil que, às 15h30min, horário em que a audiência foi iniciada, não estivesse em condições físicas de se fazer presente em juízo, e 1h30min depois, ou seja, às 17h, quando feita a diligência pela Brigada Militar em sua casa, já pudesse trabalhar no carregamento de frangos no Município de Araçá, que dista cerca de 41km do Município de Serafina Corrêa e exige um tempo de deslocamento de cerca de 30min (informação disponível em: http://br.distanciacidades.com/distancia-de-serafina-correa-a-nova-araca, capturada em 07.07.2014).

A conduta do réu retardou o andamento do processo, provocando a transferência da audiência de instrução para 14.03.2014 (fl. 109), cerca de um mês depois da data marcada inicialmente, situação que configura a hipótese descrita no art. 17, inc. IV, do Código de Processo Civil. O valor da multa aplicada também merece ser mantido, porquanto 1 (um) salário mínimo é montante proporcional à gravidade da conduta e suficiente à sua prevenção e sancionamento.

Conclusão

O tipo penal do art. 332 do Código Eleitoral exige, para a sua configuração, o dolo genérico, consubstanciado na vontade livre e consciente de inviabilizar ou obstaculizar a propaganda por parte de candidato, partido ou coligação. No presente caso, a vontade de impedir o exercício da propaganda foi concretizada por meio da ameaça dirigida por Antônio Leodocir Castro ao candidato Nivaldo Tezza, o qual, sentindo-se amedrontado, se retirou e não mais retornou ao local para fazer campanha, em evidente prejuízo ao princípio da igualdade entre os candidatos durante o período eleitoral.

Por outro lado, como asseverado pela Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 198-198v.), o recurso merece prosperar quanto ao pedido de diminuição da pena privativa de liberdade, arbitrada em 2 (dois) meses de detenção. Como na fase de fixação da pena-base (art. 59 do Código Penal) não foram identificadas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, não existem fundamentos para arbitrar a pena em patamar superior ao mínimo legal, o qual, na hipótese, é de 15 dias de detenção, em conformidade com o art. 284 do Código Eleitoral, tendo em vista que o art. 332 do mesmo código não comina o grau mínimo da sanção.

Mantenho, entretanto, os critérios de substituição da pena privativa de liberdade, os quais, por óbvio, devem observar o novo patamar da pena privativa de liberdade, isto é, 15 dias de detenção.

Da mesma forma, mantenho a sentença no que pertine à pena de multa, na medida em que adequadamente fixada no mínimo legal de 30 dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato. O montante deverá ser monetariamente corrigido, nos moldes do art. 49, § 2º, do Código Penal e revertido em favor do Tesouro Nacional, em conformidade com o art. 50 do Código Penal c/c o art. 286, caput, do Código Eleitoral.

Ante o exposto, mantenho a pena por litigância de má-fé imposta ao réu no valor de 1 (um) salário mínimo e VOTO pelo provimento parcial do recurso apenas para reduzir a pena privativa de liberdade para 15 (quinze) dias de detenção.