RE - 17950 - Sessão: 07/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO UNIDOS POR VOCÊ (PDT – PSDB – PTB – PMDB) propôs, perante o Juízo da 12ª Zona Eleitoral – Camaquã, ação de investigação judicial eleitoral contra a COLIGAÇÃO DOM FELICIANO PARA TODOS (PSB – PP – PT), DALVI SOARES DE FREITAS e ZENO RUTIKOSKI, eleitos prefeito e vice daquele município, na eleição suplementar ocorrida em novembro de 2013, sob alegado abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação, consubstanciados, em suma, nas seguintes práticas (fls. 02-13):

1) notícia divulgada, no jornal O Sudeste, de circulação regional, veiculada em 25.09.2013, que supostamente atacaria a administração municipal anterior, adversária política dos investigados;

2) reprodução da referida matéria no jornal Gazeta Regional, do município de Camaquã, de circulação regional;

3) divulgação da mesma matéria na rede social Facebook, através do usuário Rádio Camaquense; e

4) entrevista concedida pelo candidato Dalvi Soares de Freitas, valendo-se de seu cargo de prefeito, às emissoras de rádio da região, na qual se pronunciou confirmando o divulgado contra a administração anterior.

Notificados, os representados apresentaram defesa conjunta, alegando, em suma, que não eram candidatos quando da divulgação das notícias, as quais foram veiculadas gratuitamente (fls. 47-68).

Juntadas as alegações finais (fls. 73-77 e 78-83), foi ouvido o Ministério Público, o qual opinou pela improcedência da demanda (fls. 84-85).

Sobreveio sentença pela improcedência da ação. Entendeu o magistrado de piso não restar configurada a ocorrência de propaganda institucional ou eleitoral, tratando-se de matérias jornalísticas de interesse público e gratuitas, ou seja, não pagas como peças publicitárias. No que diz com a veiculação efetuada na rede social Facebook, julgou ser caso de postagem que, de mesma sorte, não configura propaganda e não está sob a ingerência dos representados, porque feita sem a intervenção destes (fls. 87-89).

Irresignados, os representantes apresentaram recurso, alegando a incontrovérsia dos fatos narrados na inicial, bem como a suficiência das provas do cometimento de abuso de poder político e dos meios de comunicação (fls. 90-101).

Com contrarrazões (fls. 102-108), vieram os autos a este TRE e foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual exarou parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 115-117v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O procurador da recorrente foi intimado da sentença no dia 26.11.2013, terça-feira (fl. 89v.), e o recurso aportou em cartório na data de 27.11.2013, quarta-feira (fl. 90). Dessa forma, a interposição da peça obedeceu o prazo legal de três dias previsto no artigo 73, § 13, da Lei n. 9.504/1997, sendo, portanto, tempestiva. Além disso, o recurso preenche os demais pressupostos de admissibilidade, de forma que dele conheço.

Mérito

Para apuração do ato abusivo, faz-se necessário restar demonstrado, modo inequívoco, a violação do bem jurídico protegido, qual seja, a normalidade e legitimidade do pleito.

Acerca do alcance do termo abuso, colho da doutrina de Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 5ª Edição. Belo Horizonte:  Del Rey, 2010, p. 167):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

Ademais, é de ser referido que, nos termos da nova redação do art. 22, XVI, da Lei Complementar 64/1990, para a configuração abuso, deve ser considerada a gravidade das circunstâncias em que envolto o ato, não se perquirindo a sua potencialidade para afetar o pleito.

Cumpre destacar que o ônus probatório quanto à ilicitude da conduta incumbe à parte autora.

No caso sob análise, o cerne da contenda recursal reside na suficiência da prova para a configuração do uso indevido dos meios de comunicação social e abuso de poder político, por meio de divulgação de matéria na imprensa, e sua reprodução no Facebook, desfavorável à administração municipal anterior, adversária política dos investigados.

O acervo probatório é composto por edições dos periódicos O Jornal de Dom Feliciano (fls. 14-23) e Gazeta Regional (fls. 24-35), assim como por impressões da página do usuário Rádio Camaquense no Facebook (fls. 36-40) e CD com a entrevista concedida à Rádio Camaquense (fl. 42).

Inicio a análise pela publicação efetuada nos jornais e sua configuração como abusiva.

Notícias veiculadas em jornais

O Jornal de Dom Feliciano, na matéria de capa do dia 25.09.2013, noticiou, sob o título “Sindicância aponta irregularidades no governo de Claudio Lesnik (PSDB)”, que o prefeito interino Dalvi Soares de Freitas havia anunciado a instalação de sindicância para apurar possíveis irregularidades ocorridas na administração anterior. Já o tabloide Gazeta Regional, na página 11 da edição de 19.09.2013, sob o título “Polêmica em Dom Feliciano”, divulgou que o prefeito em exercício, em entrevista ao programa “Ligação Direta”, teria denunciado irregularidades na área financeira da gestão do prefeito cassado Cláudio Lesnik.

Destaco que da mera existência de matéria que divulgue a sindicância sofrida pela administração anterior do município, contrariamente aos interesses da recorrente e, por conseguinte, de modo favorável aos seus opositores - os ora recorridos - não se pode inferir que tenha havido o alegado abuso.

Necessário, para tanto, um liame entre a notícia veiculada e a conduta ilícita, liame esse que venha suportado por provas. Todavia, de todo o contido nos autos, nada se extrai que possa comprovar a utilização de bens públicos visando a obtenção de benefício eleitoral, conforme narrado na inicial. De mesma sorte, nada há que possa lastrear a hipótese de utilização indevida dos meios de comunicação.

O que exsurge, em verdade, é que nenhuma das veiculações foi paga, quer pelos recorridos, quer por pessoa estranha aos autos e muito menos pelo erário. Trata-se de matérias jornalísticas a respeito de fatos que a imprensa, ao ter conhecimento, divulgou autonomamente, como é de seu direito. Portanto, não consubstanciam qualquer sorte de divulgação publicitária comercializada e não se coadunam com as ilicitudes alegadas.

Nesse sentido, transcrevo o parecer do Ministério Público (fl. 85):

[...] Dessa forma, não se pode falar em abuso de poder político ou econômico, mesmo porque as matérias jornalísticas não eram vinculadas a qualquer partido ou coligação, mas retratavam fatos que devem ser submetidos ao conhecimento e julgamento dos cidadãos, mesmo quanto a sua veracidade ou não.

Pretender afastar do debate e do conhecimento da população o que é fato da administração, no caso a sindicância noticiada, soa como tentativa de censura prévia.

No que tange a alguma conduta vedada, inobstante a inicial cite os incisos I a II do art. 73, da Lei n. 9.504/97, não há o mínimo fundamento fático da pretensão lançada na inicial.

Também assim, trecho da sentença (fl. 88):

[...] Antecipo que a presente demanda está fadada ao insucesso.
Em primeiro lugar, porque não há qualquer indicativo, ao contrário do que sustenta a representante, de que os representados tenham usado em benefício próprio, na condição de agentes públicos, bens pertencentes ou serviços prestados pela Administração Pública direta ou indireta municipal (e muito menos da União, dos Estados ou Distrito Federal) e tampouco recursos públicos.

O que se poderia cogitar, em tese, seria o abuso nos meios de comunicação, por parte dos representados.

A simples análise dos periódicos que veicularam as publicações inquinadas de ilegítimas pela autora – O Jornal de Dom Feliciano e Gazeta Regional (encartados aos autos às fls. 14/23 e 24/35, respectivamente) - dá conta de que se tratam de notícias publicadas, não restando evidenciada a utilização desses meios para fins de propaganda eleitoral.

Diga-se: cuidam-se de reportagens de cunho informativo, com o apontamento de situações específicas (tal como empenhos pagos sem a liquidação e/ou comprovante de entrega da mercadoria; empenhos com falta de nota fiscal; ausência de lançamento de receitas e despesas do Município desde 10 de agosto de 2013) e a notícia da instauração de sindicância para apuração das irregularidades.

Embora a fonte apontada seja a Prefeitura Municipal de Dom Feliciano (sic) e, ainda, que o propagador tenho sido o representado Dalvi, então Prefeito Municipal em exercício, não se pode extrair conteúdo de propaganda institucional ou eleitoral.

O que houve, isto sim, foi a divulgação de diversas irregularidades encontradas logo após a assunção do cargo, provavelmente no intuito de ressalvar responsabilidades, o que, de resto, foi ventilado na peça de defesa. [...]

E assim é que nas notícias não ficou evidenciado, sob qualquer ângulo, abuso ou manipulação, pois, a despeito do provável efeito político, não foram manejadas com eminente intuito eleitoral.

Entrevista à estação de rádio

Sobre a entrevista concedida à Rádio Camaquense, melhor sorte não assiste à recorrente.

O que se percebe da mídia acostada é a simples divulgação da situação que Dalvi Soares de Freitas afirmou encontrar ao assumir a administração municipal após a cassação de Cláudio Lesnik, a qual, por sua vez, originou a eleição suplementar de 2013. Em um cenário político assim conturbado, é normal querer afastar qualquer possibilidade de ligação entre os atos da atual administração e os da anterior, apurando e atribuindo ao antigo detentor do cargo o que lhe competir.

Ademais, trazer à baila fatos políticos ocorridos na administração dos adversários faz parte da disputa. Do mesmo modo, a tentativa de diminuição dos votos do oponente está naturalmente inserida no jogo eleitoral. A única restrição para tanto consiste em agir com observância aos ditames da lei, o que, entendo, deu-se no caso presente.

Dessa forma, não vejo como se possa ligar as asseveradas ilicitudes a tal entrevista, razão pela qual entendo que, também aqui, não prospera a pretensão da recorrente.

Divulgação no Facebook

Por fim, resta a análise da veiculação efetuada na rede social Facebook.

As cópias impressas da página em foco demonstram postagem efetuada pelo usuário Rádio Camaquense contendo síntese do divulgado na imprensa local, com comentários realizados por membros da rede social.

Ocorre que, pese embora o conteúdo desagradar a recorrente, não se pode olvidar que ele foi tanto redigido quanto publicado por pessoas alheias aos recorridos. De fato, não há qualquer prova da ligação destes com a postagem da notícia e dos comentários. Tampouco há evidência de que eles tenham cometido utilização abusiva ou com finalidade eleitoreira, conforme pretendido pela autora da demanda.

Nesse sentido, veja-se excerto da sentença (fl. 88v.):

[…] Por fim, no que diz respeito ao Facebook (única rede social nominada na inicial), é possível aferir que se trata de uma postagem feita pelo usuário Rádio Camaquense (fl. 36), à qual foram adicionados vários comentários, por outros usuários da rede social.

Com relação a isso, duas considerações: a uma, o conteúdo da postagem é semelhante àquele veiculado nos periódicos (não caracterizador de propaganda, portanto); a duas, os comentários à postagem são feitos por outros usuários, o que denota, com muito maior razão, a ausência de ingerência, ao menos em princípio, dos representados.

Destarte, a improcedência é medida que se impõe.

Assim, não vejo como as alegações que se atrelam à rede social Facebook possam configurar as imputações de abuso de poder político ou econômico, nem de uso indevido dos meios de comunicação social.

Ante todo o demonstrado, na mesma senda adotada pelo magistrado de origem, pelo promotor eleitoral e pelo procurador regional eleitoral, entendo que as peças acostadas aos autos estão destituídas do relevo probatório a que se propõem, não restando evidenciadas as práticas ilícitas imputadas aos recorridos. Como o ônus probatório está ao encargo da representante, ora recorrente, tenho que o juízo de improcedência do recurso é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pelo não provimento do recurso interposto pela Coligação Unidos Por Você (PDT – PSDB – PTB – PMDB), mantendo a sentença em todos os seus termos.