AP - 3748 - Sessão: 25/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu denúncia (fls. 02-71) contra PAULO ROBERTO SCHWERZ, JUCEMAR TUBIANA e SANDRO RIBEIRO pela suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 299 do Código Eleitoral (Paulo e Jucemar) e 316 do Código Penal (Paulo e Sandro).

A ação foi proposta neste Tribunal em razão da prerrogativa de foro de Paulo Roberto Schwerz, atual Prefeito de Tucunduva pelo PMDB.

O inquérito policial que dá lastro à denúncia foi instaurado em virtude de comunicação de Jucemar Tubiana, o qual restou igualmente denunciado (fl. 11).

Narra a denúncia que o acusado Paulo Roberto Schwerz, então candidato a prefeito de Tucunduva pela Coligação PMDB-PSDB, teria oferecido cargo na prefeitura a Jucemar Tubiana em troca de seu voto e dos demais que conseguisse angariar, caso fosse eleito (Fato 1), e que este teria aceitado a oferta (Fato 2). Descreve a inicial, ainda, que Paulo Schwerz e Sandro Ribeiro teriam exigido para si, diretamente, vantagem indevida, de modo que a nomeação de Jucemar Tubiana para cargo em comissão vinculado à Prefeitura de Tucunduva (Diretor de Indústria da CODEVASA) ficasse condicionada ao repasse de parte de seus vencimentos àqueles (Fato 3).

Notificados, ofereceram defesa nos termos que seguem.

JUCEMAR TUBIANA alega que não vendeu seu voto em troca de cargo. Informa que é filiado ao PSDB e trabalhou como cabo eleitoral da coligação PMDB-PSDB na eleição suplementar de Tucunduva, ocorrida em 2013. Assevera que, na condição de cabo eleitoral, buscava angariar grande número de votos, pois caso seu candidato fosse eleito, faria parte da equipe de trabalho e ocuparia cargo na prefeitura. Narra que, para sua surpresa, após seu ingresso no cargo de Diretor de Indústria da CODEVASA, ficou obrigado a repassar R$ 400,00 (quatrocentos reais) ao servidor Sandro Ribeiro, pertencente àquela entidade, pois este também havia trabalhado para o então candidato Paulo Schwerz. Informa que, apesar de não concordar, sujeitou-se à situação por dois meses, vindo a exonerar-se em 12.09.2013. Alega falta de justa causa para a ação por inexigibilidade de conduta diversa, visto que estava desempregado à época e encontrou na proposta uma oportunidade de trabalho. Por fim, requer que não seja recebida a denúncia em relação a ele e, caso recebida, postula sua absolvição (fls. 87-106).

SANDRO RIBEIRO, servidor público da Prefeitura de Tucunduva, cedido à CODEVASA, aduz que jamais exigiu de Jucemar o repasse de seus vencimentos. Alega que, aceitando proposta de Jucemar, pois este não tinha experiência sobre o funcionamento da CODEVASA, comprometeu-se a auxiliá-lo em suas funções naquele órgão, recebendo, em contrapartida, R$ 400,00 (quatrocentos reais), mensalmente. No entanto, Jucemar teria cumprido o acordo por apenas dois meses, exonerando-se logo após. Destaca que o prefeito não tinha conhecimento do acordo. Requer o não recebimento da denúncia com sua consequente absolvição (fls. 108-111).

PAULO ROBERTO SCHWERZ, Prefeito de Tucunduva – PMDB, por sua vez, alega que os fatos narrados na denúncia são completamente inverídicos e que foram criados pelo denunciado Jucemar Tubiana para tentar acobertar uma série de irregularidades que teria praticado quando do exercício do cargo de Diretor de Indústria da CODEVASA, as quais encontram-se narradas na defesa. Quanto ao Fato 1, assevera que não prometeu cargo a Jucemar em troca de voto. Informa que Jucemar foi nomeado para o referido cargo em virtude de indicação de seu nome pela direção do PSDB. Quanto ao Fato 3, afirma que jamais teve conhecimento e sequer participou de qualquer acordo entre Jucemar e Sandro. Ressalta não existirem provas no processo de que tenha condicionado a nomeação de Jucemar ao repasse de parte de seus vencimentos a Sandro. Adverte que os depoimentos das testemunhas Julio Cesar Angelin (cunhado de Jucemar), Nerci Olivio Tubiana (tio de Jucemar) e Antonio Rizzi Tubiana (pai de Jucemar) devem ser analisados com ressalvas, pois apenas reiteram a versão dos fatos apresentada por Jucemar, a pedido deste. Por fim, requer o não recebimento da denúncia, com sua consequente absolvição, ou, caso recebida, postula a produção de todas as provas em direito admitidas (fls. 113-152).

É o relatório.

 

VOTO

A presente denúncia narra a ocorrência de três fatos criminosos, a saber:

Fato 1: Paulo Roberto Schwerz, então candidato a prefeito de Tucunduva pela coligação PMDB-PSDB, teria oferecido um cargo em órgão da prefeitura a Jucemar Tubiana em troca de seu voto e dos demais que conseguisse angariar, caso fosse eleito;

Fato 2: Jucemar Tubiana teria aceitado a oferta de cargo oferecida por Paulo Schwerz em troca de seu voto;

Fato 3: Paulo Schwerz e Sandro Ribeiro teriam exigido para si, diretamente, vantagem indevida ao condicionarem a nomeação de Jucemar Tubiana para cargo em comissão vinculado à Prefeitura de Tucunduva (Diretor de Indústria da CODEVASA), desde que este aceitasse repassar parte de seus vencimentos àqueles.

Os dois primeiros, a bem dizer, constituem fato único, consistente na suposta oferta e respectivo aceite de vantagem em troca de voto, enquadrando-se, em tese, na modalidade delituosa de corrupção eleitoral, tipificada no art. 299 do CE, que prevê condutas ativas e passivas em seu núcleo do tipo. Vejamos:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Tal preceito normativo tutela o livre exercício do sufrágio, tendo como objetivo reprimir o comércio de votos, a troca de favores entre candidatos e eleitores.

Trata-se de crime formal, pois sua consumação independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente.

Outrossim, incorre na conduta delitiva tanto o agente que oferece a vantagem com o objetivo de obter voto como aquele que a aceita.

Quanto ao terceiro fato, nos termos da narrativa da Procuradoria Regional Eleitoral, trata-se, em tese, do crime de concussão, previsto no art. 316 do Código Penal:

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

No entender do agente ministerial, os denunciados Paulo Roberto Schwerz e Sandro Ribeiro teriam incorrido no crime do art. 316 do CP, pois, aproveitando-se de suas condições de prefeito e funcionário público municipal, teriam exigido vantagem indevida de Jucemar Tubiana, consistente no repasse de parte dos vencimentos recebidos como ocupante de cargo em comissão vinculado à Prefeitura de Tucunduva.

Pois bem. Em relação aos Fatos 1 e 2, tenho que a denúncia deva ser rejeitada por ausência de justa causa a lastrear o desencadeamento do processo criminal.

Explico.

Para a configuração do delito de corrupção eleitoral, o TSE tem entendido que, além de ser necessária a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, é necessário que a conduta seja direcionada a eleitores identificados ou identificáveis.

No caso sob exame, o eleitor restou devidamente identificado como Jucemar Tubiana, indivíduo que, em suas declarações no procedimento policial investigativo (fls. 14-16), informou fazer parte da Coligação Tucunduva para Todos (PMDB-PSDB), sendo o responsável pela distribuição e colocação de faixas e cartazes dos candidatos, não recebendo valores para isso. Alegou que desempenhava essas atribuições a fim de receber um cargo na prefeitura em caso de vitória da referida coligação.

Em sua defesa preliminar (fls. 87-106), informou ser filiado ao PSDB e ratificou o declarado em fase policial, confirmando ter atuado como cabo eleitoral da referida coligação:

O acusado é filiado ao partido PSDB (declaração anexa), que fez coligação nas últimas eleições com o PMDB, partido do então candidato e atual Prefeito Municipal.

Nessa condição, o acusado trabalhou na equipe de campanha, como cabo eleitoral da coligação PMDB/PSDB, nas eleições suplementares que ocorreram no município de Tucunduva, no ano de 2013.

Como cabo eleitoral da coligação PMDB/PSDB, o denunciado buscava angariar o maior número de votos possíveis para a coligação, uma vez que se eleito seu candidato, faria parte da equipe de trabalho e ocuparia um cargo na Prefeitura Municipal de Tucunduva/RS, o que de fato aconteceu, vindo a ocupar o cargo em comissão de Diretor de Indústria da CODEVASA.

As declarações do denunciado foram confirmadas por Paulo Roberto Schwerz que, na fase investigatória, afirmou que Jucemar, então filiado ao PSDB, participou ativamente de sua campanha, tendo papel decisivo nas articulações políticas referentes à coligação PMDB-PSDB (fl. 43).

Tais declarações foram ratificadas por Paulo em sua defesa preliminar (fls. 113-152):

Desde já, cumpre esclarecer que o representado Jucemar foi nomeado, pelo Prefeito Paulo Roberto Schwerz, em 03 de Junho de 2013, mas isso não decorreu de uma promessa de Paulo durante a campanha eleitoral, como faz crer o representante.

O representante Paulo foi eleito pela coligação PMDB/PSDB.

Passada a eleição, e tendo em vista a coligação firmada, a administração seria compartilhada entre ambos os partidos, dessa forma coube ao PSDB indicar alguns nomes para compor os cargos de confiança do município, sendo que, um dos nomes indicados pela direção do PSDB foi o do co-representado Jucemar.

Dessa forma, quem indicou Jucemar Tubiana foi o partido PSDB, partido no qual o co-representado Jucemar possui filiação partidária, conforme declaração em anexo do presidente do partido, Sr. Alcides João Bavaresco.

[…]

Dessa forma, vale esclarecer que Jucemar Tubiana foi sim nomeado para o cargo de Diretor de Indústria da CODEVASA, mas não é virtude de uma oferta/promessa durante a campanha. Isso decorreu da indicação do partido do qual fazia parte na época (PSDB), sendo que tal indicação foi acolhida pelo Prefeito eleito Paulo Roberto Schwerz.

Assim, do exame do conjunto probatório, conclui-se que Jucemar trabalhava na campanha de Paulo, e que ambos partilhavam de um mesmo projeto político, qual seja, alcançar o Poder Executivo Municipal de Tucunduva.

Nota-se, portanto, a existência de um elo entre os denunciados Jucemar e Paulo. Ambos tinham um objetivo em comum, ostentando o primeiro a função de cabo eleitoral da coligação majoritária encabeçada pelo segundo.

Desse modo, resta evidente a conclusão de que Jucemar era correligionário do grupo político formado pelas agremiações PMDB e PSDB, mostrando-se tal condição incompatível com a de agente ou vítima do crime de corrupção eleitoral (art. 299 CE), visto ser incontestável o seu interesse na vitória do candidato ao governo do qual faria parte. Em outras palavras, tenho que não se pode falar em compra de voto daquele que já é correligionário do candidato denunciado. Pelos mesmos argumentos, não se pode entender que o correligionário que aceite promessa de cargo em futuro governo do qual seu partido faça parte esteja, com isso, vendendo seu voto.

Cumpre gizar que essa tem sido a posição do Tribunal Superior Eleitoral que, ao julgar o Habeas Corpus n. 812-19/RJ, por unanimidade ordenou o trancamento de ação penal sob o argumento de que os correligionários e aqueles que prestaram serviços para a campanha não podem ser considerados eleitores corrompidos. Cito a ementa do referido julgado:

HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. CANCELAMENTO. MULTAS DE TRÂNSITO. INDIVIDUALIZAÇÃO DO ELEITOR. NECESSIDADE. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.
1. Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, além de ser necessária a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, é necessário que a conduta seja direcionada a eleitores identificados ou identificáveis, e que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar. Precedentes.
2. Na espécie, a denúncia aponta, de forma genérica, como beneficiárias, pessoas ligadas politicamente ao paciente, então prefeito municipal, ao indicar que "[...] dentre os beneficiários constam vereadores, parentes, candidatos a cargos eletivos e outros eleitores com alguma ligação com a coligação do então prefeito no pleito eleitoral de 2008, conforme fls. 188/196" (fl. 23).
3. Não há falar em corrupção eleitoral mediante dádiva em troca do voto de pessoas que, diante do que se percebe na descrição da denúncia, já seriam correligionárias do denunciado, o que afasta a justa causa para a ação penal.
4. Ordem concedida para trancar a ação penal.
(TSE - HC: 81219 RJ,  Relator: Min. José Antônio Dias Toffoli, Data de Julgamento: 14.02.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 054, Data 20.03.2013, Página 30.)

Logo, é de se reconhecer a atipicidade das condutas praticadas por Paulo e Jucemar no que diz respeito ao suposto crime de corrupção eleitoral, consubstanciado nos Fatos 1 e 2 da inicial, motivo pelo qual, por se tratar de fato atípico, deve a denúncia ser rejeitada, nesta parte, por falta de justa causa, nos termos do art. 395, inciso III, do CPP.

Em relação ao terceiro fato descrito na denúncia, diante da presença de indícios da suposta prática do crime de concussão, tipificado no art. 316 do CP, impõe-se o declínio da competência ao Tribunal de Justiça do Estado, responsável para processar e julgar Paulo Roberto Schwerz nos crimes de jurisdição comum, visto que é o atual Prefeito de Tucunduva e, portanto, detentor de prerrogativa de foro.

Diante do exposto, VOTO no sentido de:

Rejeitar a denúncia oferecida em desfavor de PAULO ROBERTO SCHWERZ e JUCEMAR TUBIANA quanto ao crime de corrupção eleitoral, art. 299 do Código Eleitoral, por falta de justa causa, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, e art. 358, I, do Código Eleitoral;

Declinar da competência ao Tribunal de Justiça do Estado em relação aos indícios do cometimento do crime de concussão, art. 316 do Código Penal, por parte de PAULO ROBERTO SCHWERZ, Prefeito de Tucunduva, e SANDRO RIBEIRO, remetendo-se os autos àquela Corte, de modo que o órgão ministerial lá oficiante adote as providências que entender cabíveis.