RC - 6106-18.2010.6.21.0039 - Sessão: 30/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por CATARINA VASCONCELOS SEVERO, JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS SEVERO e ALEX SANDRO GONÇALVES VARGAS contra sentença do Juízo da 39ª Zona Eleitoral – Rosário do Sul, que julgou procedente em parte a ação penal, para condenar os réus nas sanções de corrupção do art. 299 do Código Eleitoral, assim como por transporte de eleitores capitulado no art. 11 da Lei n. 6.091/1974 (fls. 1.229-1.259).

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia em desfavor de Catarina Vasconcelos Severo, José Luiz Vasconcelos, José Augusto dos Santos Severo, Rodrigo Ribeiro Peres, Alex Sandro Gonçalves Vargas, José Adenir Alves Dias nos seguintes termos (fls. 02-06):

1º FATO:

Em data e horário não perfeitamente identificados nos autos do Procedimento Investigatório Criminal em anexo, porém no ano de 2008, período anterior às eleições municipais de 2008, no município de Rosário do Sul, a denunciada representada CATARINA VASCONCELOS SEVERO ofereceu à eleitora DAIANE DE MORAES LAMPERT, vantagem pessoal, consistente em nomeá-la Assessora de Gabinete, com o fim de obter-lhe o voto próprio e de sua família.

Na ocasião, aproveitando-se do fato de que a eleitora supracitada passava por dificuldades financeiras, a denunciada avalizou para esta empréstimo bancário, sob a condição de que trabalhasse captando votos na campanha eleitoral, e, mediante a promessa no sentido de que, se eleita, Daiane ocuparia cargo em comissão junto a Câmara de Vereadores do Município, oferecido pela acusada.

2º FATO:

Em data e horário não perfeitamente identificados nos autos do Procedimento Investigatório Criminal, porém no ano de 2008, período anterior às eleições municipais de 2008, no município de Rosário do Sul, os denunciados CATARINA VASCONCELOS SEVERO e ALEX SANDRO GONÇALVES VARGAS, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, ofereceram, doaram e entregaram aos eleitores SUELEN RODRIGUES DOS SANTOS, DILNEI MENDES RODRIGUES, JOSÉ OLIVEIRA MENDES DA SILVA, LUIZ DOS SANTOS TEIXEIRA, DIRLEI DA SILVA, CRISTIANO ALVES DOS SANTOS e LUCIANO SANTOS BRUM, com o fim de obter-lhes o voto próprio e de sua família, cestas básicas, bolo de aniversário, medicamentos, extintores de incêndio e bolsas de cimento. Na ocasião, os denunciados, com o objetivo de eleger a candidata à Vereadora, a denunciada CATARINA VASCONCELOS SEVERO, ofereceram-lhe e entregaram-lhe os bens descritos acima, em troca de votos.

3º FATO:

Em data e horário não perfeitamente identificados nos autos do Procedimento Investigatório Criminal, porém no ano de 2008, período anterior às eleições municipais de 2008, no município de Rosário do Sul, os denunciados CATARINA VASCONCELOS SEVERO e ALEX SANDRO GONÇALVES VARGAS, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, ofereceram ao eleitor LUIZ JORGE DO PRADO SILVA, com o fim de obter-lhe o voto próprio e de sua família, a construção de calçamento em frente a residência deste e um emprego para seu filho.

Na ocasião, os denunciados deslocaram-se até a residência do eleitor acima identificado, local onde também eram realizados os jantares da campanha eleitoral da candidata Catarina e, ofereceram-lhe, calçamento em a frente da residência de Luiz Jorge e emprego para o filho deste, na Câmara de Vereadores, se a denunciada CATARINA fosse eleita.

4.º FATO:

No dia 5 de outubro de 2008, em horário não especificado, no Município de Rosário do Sul, RS, JOSÉ AUGUS'T'O DOS SANTOS SEVERO, JOSÉ LUIZ VASCONCELOS, RODRIGO RIBEIRO PERES e JOSÉ ADENIR ALVES DIAS, os representados, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, transportaram eleitores, com o fim de obter-lhes o voto próprio e de sua família.

Na ocasião, os denunciados JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS SEVERO, JOSÉ LUIZ VASCONCELOS e RODRIGO RIBEIRO PERES e JOSÉ ADENIR ALVES DIAS, com a prévia ciência e concordância da candidata, recolheram eleitores da Vila Camelo, Vila Capela, Vila Centenário e do Assentamento Paraíso, neste Município, que ainda não haviam votado e cujos locais de votação eram na zona urbana de Rosário do Sul, conduzindo-os às seções eleitorais para votar na denunciada CATARINA VASCONCELOS SEVERO.

A denúncia foi recebida em 31 de agosto de 2010 (fl. 10).

Citados, apresentaram defesa (fls. 30-32, 35-37, 39-50 e 69).

Os réus foram interrogados (fls. 76-134 e 150-161), oportunidade em que o procurador de Catarina Severo e outros requereu fossem ouvidos ao final, o que foi indeferido (fls. 71-72).

Encerrada a instrução (fl. 811), as partes apresentaram alegações finais (fls. 819-848, 852-873 e 875-876).

Na sentença, o juízo eleitoral entendeu que a materialidade e a autoria restaram comprovadas, vindo a condenar os réus Catarina Vasconcelos Severo, José Augusto dos Santos Severo e Alex Sandro Gonçalves Vargas (fls. 978-998v.).

Nos recursos interpostos (fls. 1.019-1.045 e 1.047-1.050), os demandados alegaram, dentre outros vícios contidos na sentença, que o interrogatório dos réus verificou-se em momento anterior à oitiva das testemunhas, devendo aquela ser anulada.

Este Tribunal, em sessão do dia 20 de agosto de 2013, por maioria, acolheu a prefacial de nulidade da sentença e determinou novo interrogatório de todos os réus, mantendo-se preservados os demais atos da instrução processual (fls. 1.119-1.123).

Foi procedido novo interrogatório dos recorrentes (fls. 1.144-1.145), dispensando-se dos demais réus (fl. 1.155 e 1.155v.).

Foram apresentadas alegações finais (fls. 1.178-1.199, 1.207-1.209 e 1.224-1.226).

Sobreveio nova sentença, mantendo a condenação dos réus, ora recorrentes, nos seguintes termos (fls. 1.129-1.259):

a) CONDENAR CATARINA VASCONCELOS SEVERO às sanções do art. 299 da Lei n2 4.737/65 (duas vezes — primeiro e segundo fato descritos na denúncia), na forma do art. 71, caput, do Código Penal, com pena definitiva de dois anos e quinze dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, e multa correspondente a 08 dias-multa, no valor de 1/30 do maior salário mínimo vigente à data do fato. A ré foi ABSOLVIDA em relação (1.) à imputação do art. 299 da Lei rt2 4.737/65 (terceiro fato descrito na denúncia), forte no art. 386, li, do Código de Processo Penal, e (ii.) à imputação do art. 11, III, c/c art. 52 da Lei n2 6.091/74, na forma do art. 29, caput, do Código Penal, (quarto fato descrito na denúncia), forte no art. 386, IN, do Código de Processo Penal;

b) CONDENAR ALEX SANDRO GONÇALVES VARGAS às sanções do art. 299 da Lei n2 4.737/65 (uma vez — segundo fato descrito na denúncia) e do art. 11, III, c/c art. 52 da Lei n2 6.091/74 (quarto fato descrito na denúncia), na forma do art. 69 do Código Penal, com pena definitiva de três anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e multa correspondente a 207 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do maior salário mínimo vigente na data do fato. O réu foi ABSOLVIDO em relação à imputação do art. 299 da Lei n2 4.737/65 (terceiro fato descrito na denúncia), forte no art. 386, II, do Código de Processo Penal.

c) CONDENAR JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS SEVERO às sanções do art. 11, III, c/c art. 52 da Lei n2 6.091/74 (quarto fato descrito na denúncia), com pena definitiva de quatro anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, e multa correspondente a 200 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do maior salário mínimo vigente na data do fato.

d) As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas penas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade na razão de uma hora por dia de condenação, e também uma prestação pecuniária, consistente no pagamento de dez salários mínimos à entidade pública ou privada com destinação social.

Em suas razões recursais, Catarina Vasconcelos Severo e José Augusto dos Santos Severo suscitam, em preliminar: a) inépcia da denúncia; b) nulidade processual em razão da falta de oportunidade de os réus se manifestarem sobre DVDs juntados pela acusação; e c) sentença contaminada por prova nula, visto que o juízo de origem utilizou, para seu convencimento, o primeiro interrogatório dos corréus. No mérito, sustentam que as acusações são resultado de um ato de vingança armado pelo co-réu Alex Sandro Gonçalves Vargas e por Daiane de Moraes Lampert, visando prejudicar a primeira recorrente […]. Aduzem que a prova é fraquíssima para embasar um decreto condenatório, não podendo subsidiar a fundamentação os interrogatórios primeiro produzidos. Por fim, postulam pela absolvição e, caso mantida a condenação, requerem a reforma na dosimetria da pena (fls. 1.273-1.297).

Alex Sandro Gonçalves Vargas, por sua vez, pleiteia sua absolvição pela prática de transporte de eleitores, visto que a corré Catarina, que teria maior participação no crime, não foi condenada pelo mesmo delito, e postula pela diminuição máxima de 2/3 da pena em relação ao primeiro fato, pois o reconhecimento da delação premiada restou fixada no mínimo legal, ou seja, 1/3 (fls. 1.304-1.307).

O Ministério Público Eleitoral ofereceu contrarrazões (fls. 1.314-1.336).

Foi determinada a regularização da representação do réu ALEX (fl. 1.339), devidamente atendida (fl. 1.342).

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento dos recursos (fls. 1.344-1.356v.).

É o relatório.

 

VOTO

1. Tempestividade

Os recursos são tempestivos.

2. Preliminares

Os réus Catarina Vasconcelos Severo e José Augusto dos Santos Severo suscitam preliminares, dentre as quais destaco a assertiva de a sentença vir calcada no primeiro interrogatório constante nos autos, produzido em momento anterior à oitiva das testemunhas, o que levou este Tribunal a declarar nula aquela primeira decisão prolatada pelo juízo monocrático, determinado fosse o ato procedido novamente, mantendo-se preservados os demais atos da instrução processual, de acordo com o acórdão das fls. 1.119-1.123, não podendo, portanto, fundamentar a condenação decretada.

Não obstante o respeitável entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, registro que merece acolhida a alegação dos recorrentes.

Note-se que a decisão deste Tribunal consignou mostrar-se viável e compatível a conciliação do rito processual previsto no Código Eleitoral com a disposição do art. 400 do Código de Processo Penal, que estabelece a realização do interrogatório ao final do procedimento, como instrumento hábil a garantir ao acusado o exercício da ampla defesa e do contraditório da melhor forma possível. Trata-se de harmonizar a norma especial com a norma geral, com o fito de maior concretização dos direitos fundamentais dos acusados.

Assim, e com base em decisões deste Regional e do Supremo Tribunal Federal, foi anulada a sentença proferida e determinado novo interrogatório, preservando-se os demais atos da instrução, ou seja, por exemplo, a coleta dos testemunhos, mas jamais o próprio ato condutor da nulidade declarada.

Desse modo, consistindo a nulidade da sentença justamente a produção do interrogatório dos réus em momento inoportuno, não se mostra compatível com o acórdão exarado o aproveitamento justamente do ato que maculou a decisão monocrática, como se verifica na sentença agora pronunciada.

Observa-se naquela sentença, contante nas fls. 1.229-1.259, no item 1.5 (fl. 1.234v.), o entendimento do magistrado no sentido de que a preservação dos demais atos da instrução incluiria o primeiro interrogatório, podendo ser valorado como elemento de prova no exame dos fatos, mormente diante do silêncio do corréu Alex na segunda vez que seria ouvido em juízo.

Consta-se que o equivocado entendimento perpassa ao longo da sentença, evidenciando-se em diversas passagens com referência ao primeiro interrogatório de Catarina Vasconcelos Severo (fls. 1.236, 1.241 e 1.245v.), de Alex Sandro Gonçalves Vargas (fl. 1.238, 1.240v., 1.245v. e 1.249) e de José Augusto dos Santos Severo (fl. 1.249v.), não obstante outros elementos de prova tenham sido analisados. No entanto, não se pode desconhecer que aquele primeiro interrogatório, motivador da declaração de nulidade da sentença, alicerça fortemente toda a decisão agora atacada, não se prestando para referendar o juízo condenatório proferido.

À vista desses argumentos, forçoso reconhecer que a sentença vem maculada do vício apontado, impondo-se seja declarada sua nulidade, de modo que os autos retornem ao juízo de origem para que se profira nova decisão, desconsiderando-se aquele primeiro interrogatório, o qual deve ser desentranhado do processo. A par disso, não deve o magistrado utilizar-se das referências àquele interrogatório constantes na sentença agora anulada, preservando-se a decisão deste Tribunal no sentido de que o ato procedido ao final da instrução garante com maior eficácia a defesa do acusado, salvaguarda dos direitos do réu.

Diante do exposto, VOTO pela nulidade da sentença, retornando os autos à origem para que seja proferida nova decisão, desconsiderando-se aquele primeiro interrogatório, o qual deve ser desentranhado do processo, ao par de o magistrado não poder se utilizar das referências àquele ato constantes na sentença agora anulada.