RE - 118 - Sessão: 08/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT de Viamão, PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB de Viamão, ROBINSON DUARTE DE SOUZA e ANDRÉ FRANCISCO DE SOUZA GUTTIERRES interpuseram recurso contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo proposta contra Valdir Bonatto e André Pacheco, eleitos, respectivamente, prefeito e vice no pleito de 2012, sob o fundamento de não haver prova robusta do alegado abuso de poder econômico e/ou uso indevido dos meios de comunicação social.

Em suas razões recursais, alegam que a sentença prolatada está divorciada da realidade, restando evidenciada a ocorrência de showmício em favor dos representados, evento anunciado em larga escala pelo jornal local, cujo objetivo foi o de conquistar a “ala jovem da cidade”, com repercussão na internet. Asseveram que a pesquisa eleitoral divulgada no panfleto, a qual beneficia os representados, foi reproduzida do jornal Correio Rural, edição de 03.10.2012, tendo circulado pela cidade em menos de 1 (uma) hora da publicação do aludido jornal, o que vem sinalizar o prévio conhecimento do resultado pelos demandados (fls. 247-252).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 263-266), foram os autos encaminhados ao Procurador Regional Eleitoral, que opina pelo desprovimento do recurso (fls. 269-279).

É o sucinto relatório.

 

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Os recorrentes foram intimados da sentença em 27.02.2014, uma quinta-feira; e o recurso, interposto em 05.03.2014, quarta-feira, ou seja, dentro do tríduo legal, já que não houve expediente nos dias 03 e 04.03.2014, segunda e terça-feira, em virtude do feriado de carnaval.

A inicial está lastreada nos seguintes fatos:

1. Realização de showmício - art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97

Os demandados, na data do dia 17 de agosto de 2012, realizaram um showmício no Clube Cantegril, em Viamão/RS, conforme demonstrativo fotográfico do evento em anexo.

Na referida data e antes dela ainda, houve a venda de ingressos para o show, que contou com a presença de vários artistas, que inclusive estampavam o convite do evento. Os ingressos do showmício foram vendidos ao preço de R$ 15,00 (quinze reais) antecipados e R$ 20,00 (vinte reais) reais na hora do evento para homens, e isenção para mulheres até às 0h30min, e R$ 10,00 reais após este horário.

[...]

..., importa consignar, que a denominação do showmício “Balada da Mudança”, está intimamente ligada ao “slogan” da campanha do demandado, cujo nome é Mudança de Verdade”.

A organização do showmício, conforme amplamente divulgado na mídia impressa do Município de Viamão, foi da juventude da Coligação Mudança de Verdade, cujo representante no evento, foi o Sr. Francinei Marcos Bonatto, que é parente do demandado, trabalha nos negócios particulares do demandado, e é filiado ao PSDB, partido do demandado...”

Lei n. 9.504/97

Art. 39 [...]

§ 7º. É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral

 

2. Captação ilícita de recursos para a campanha: arrecadação de fundos para a campanha com os ingressos cobrados no showmício – art. 23, §§ 2º e 4º, da Lei n. 9.504/97.

Os artistas Jonathan Pacheco, da dupla “Jonatham e Matheus”, e o grupo Dibrincadeira, animara o Showmício dos demandados, que conforme já referido, teve a cobrança de ingresso, com valores diferenciados para os ingressos comprados antecipadamente e os adquiridos na hora do showmício.

[…]

Com a realização do showmício, os demandados arrecadaram fundos para as campanhas, cuja única denominação a ser dada é doação, porém, a forma como estes recursos foram obtidos vai de encontro com o estabelecido na Lei n. 9.504/97, e constitui captação ilícita de recursos para a campanha.

Lei n. 9.504/97

Art. 23 [...]

§ 2º As doações estimáveis em dinheiro a candidato específico, comitê ou partido deverão ser feitas mediante recibo, assinado pelo doador, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 28.

§ 4o As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de:

I - cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos;

II - depósitos em espécie devidamente identificados até o limite fixado no inciso I do § 1o deste artigo.

II - mecanismo disponível em sítio do candidato, partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de cartão de crédito, e que deverá atender aos seguintes requisitos:

a) identificação do doador; 

b) emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada.

 

3. Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico – art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 237 do Código Eleitoral.

Em 03 de outubro de 2012, os demandados realizaram a publicação de 50.000 cópias de capa de um jornal local, que publicou uma pesquisa de intenção de voto.

[…]

O abuso de poder econômico na conduta dos demandados teve início com o acesso prévio do resultado da pesquisa feita pelo Jornal Correio Rural e Instituto Methodus, já que por volta das 11 horas da manhã do dia 03 de outubro, já estavam circulando 50.000 cópias da capa do Jornal Correio rural, que costumeiramente tem edição semanal, de tiragem não superior a 3.000 unidades, e começou a circular pela cidade por volta das 7h da manhã do dia 03 de outubro.

[…]

O jornal que serviu de parâmetro para os demandados, não se sabe porque razão e porque meios, lançou uma edição extra, com tiragem quase 100% maior que sua publicação costumeira, feita de forma semanal...

Lei. 9.504/97

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no ar. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990

Código Eleitoral

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

Transcritos os fatos narrados na inicial e os dispositivos apontados como violados pelos recorridos.

Cabe referir que foi apensado a estes autos, por determinação judicial, o RE n. 27-89. Isso porque um dos fatos geradores da presente AIME - suposta realização de showmício - também foi objeto de apreciação naquela representação eleitoral, tendo a juíza eleitoral indeferido a petição inicial e declarado extinto o feito.

E, nos presentes autos, os depoimentos colhidos na audiência de instrução (CD juntado à fl. 160) não autorizam, igualmente, juízo condenatório. Senão, vejamos.

André Francisco de Souza Gutierres, então candidato a vice-prefeito e ora recorrente, relatou que a pesquisa divulgada no jornal os colocou em terceiro lugar, embora esse resultado não espelhasse a verdade, e que a divulgação teria influenciado o resultados das urnas. Causou-lhe estranheza a divulgação da pesquisa previamente à tiragem do jornal, cuja publicação foi aumentada de 3.000 exemplares para 50.000. Indagado, não soube informar se a pesquisa fora registrada. Concernente ao showmício, disse que não estava presente nesse evento, mas ouviu falar que havia banda e que a festa foi organizada pela ala jovem do PSDB e, nessa ocasião, os demandados teriam se manifestado politicamente.

Robinson Duarte de Souza, candidato a prefeito, ora recorrente, informou que soube da festa pela internet, chamando-lhe atenção o nome que constava no convite – “Balada da Mudança”. Disse que na festa havia uma banda e os candidatos demandados fizeram uso da palavra. Declarou que não havia faixa de propaganda no evento, entretanto um dos candidatos portava adesivo no peito. Não sabe informar quem contratou a banda, mas teria visto em vídeo que o sobrinho do candidato Bonatto, presidente da ala jovem do PSDB, estava no palco. Afirma que a festa foi divulgada em toda a comunidade. Quanto à pesquisa, relata que sua divulgação deu-se antes da tiragem do jornal e que o panfleto distribuído foi feito do mesmo material do jornal.

André Nunes Pacheco, atual vice-prefeito de Viamão, disse que participou da festa no Cantegril Clube, oportunidade em que fez uma saudação às pessoas presentes, e que havia outros políticos também. Nessa ocasião, não teria havido pedido de votos, e a festa foi aberta ao público. Lembra de ter pago o ingresso. Indagado acerca da pesquisa, disse ter lido pelo jornal Correio Rural, em edição especial, e que somente após a publicação do jornal é que sua equipe de campanha aproveitou para a divulgação da pesquisa, via panfletos.

Valdir Bonatto, atual prefeito de Viamão, afirma que não fez showmício e que participou de festa realizada por uma juventude que não fazia parte da campanha política do partido. Comenta que havia candidatos de outros partidos, foi lhe dada a palavra mas não pediu voto aos presentes, e que tampouco havia propaganda eleitoral no evento. Desconhece se outros políticos falaram, pois não ficou até o final. Indagado, respondeu que comprou seu convite para a festa e que não sabia quem contratou a banda. Assevera que o fato de a juventude do PSDB ter organizado a festa não influencia em sua campanha, a qual tem suas próprias responsabilidades. Quanto à pesquisa, alega ter sido ela copiada do jornal e replicada pela equipe de campanha. Ressalta que a publicação se deu primeiro no site do jornal, na noite anterior, antes do periódico sair às ruas, o que veio acontecer de manhã cedo. Os panfletos, segundo declarou, ficaram prontos às 12 horas. Não soube identificar o site do jornal no qual divulgada a pesquisa, pois foi a equipe de campanha que acessou.

Júlio César Francisco da Silva, testemunha compromissada, declarou que não estava presente no evento. Acerca da pesquisa eleitoral, disse que foi distribuída no início de outubro, que recebera o panfleto junto com o jornal do dia, às 7 horas e 30 minutos. Lembrou que foram divulgadas outras pesquisas, inclusive no Jornal Rural. Chamou sua atenção que nessa pesquisa o candidato Bonatto estava em primeiro lugar, pois já vira pesquisa com o candidato Geraldinho em primeiro lugar e, em outra pesquisa, o candidato Robinson liderava, mas isso cerca de dois meses atrás.

André Luiz de Fraga, motorista de ônibus, declarou nada saber da festa no Cantegril. Em relação à pesquisa, disse que iniciava o serviço na empresa de ônibus cedo, às 5 horas da manhã, e que ao chegar ao trabalho estavam entregando a pesquisa aos passageiros, tendo recebido o panfleto juntamente com o jornal Correio Rural no dia 03.10.2012. Mencionou que participou da campanha do candidato a vereador Dilamar Jesus da Silva, do PSB, nas eleições passadas, e fora ele quem lhe pedira para servir de testemunha.

Referido partido teve, como candidato a prefeito, Antônio Geraldo, concorrente dos ora demandados.

Do exposto, nota-se que a realização de showmício não restou comprovada nos autos.

Com efeito, tratou-se de festa organizada pela ala jovem da Coligação Mudança de Verdade, aberta ao público e amplamente divulgada, ocasião em que os demandados puderam fazer uso da palavra para saudar os presentes, sem contudo fazer menção às eleições - e tampouco pedido de voto. A oportunidade de se manifestar foi dada a todos. Não havia propaganda eleitoral no evento e os ingressos eram pagos.

Ressalto que a liberação da entrada de mulheres a partir de determinada hora não caracteriza vantagem de natureza eleitoreira, tratando-se de procedimento comum para atrair público. De notar, ainda, que as testemunhas ouvidas sequer estavam presentes na festa, tendo elas tomado conhecimento por meio de terceiros ou pelo site de vídeos YouTube.

Trago à colação jurisprudência do TSE, relativa ao Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 2355, da relatoria do Min. Felix Fisher, sessão de 04.02.2010, tendo a seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.

1. Apesar de incontroverso o fato de que foram realizados eventos com atrações artísticas, inclusive no período vedado a que alude o art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/97, a prova dos autos não revela, com clareza, que a razão que motivou tal atuação foi a captação ilícita de sufrágio. Afinal, foram franqueadas ao público em geral, independentemente de qualquer condição eventualmente imposta.

2. Para a configuração da captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência do e. TSE tem exigido prova do mínimo liame entre a benesse, o candidato e o eleitor (RCED nº 665, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 1.4.2009), situação que não ocorre no caso sub examine.

3. A realização de showmício, examinada sob o enfoque do abuso de poder econômico, deve demonstrar relação de potencialidade para macular o resultado do pleito segundo influência de elementos de natureza econômica.[...]

5. Agravo regimental não provido.

Ademais, a alegada captação ilícita de recursos, por meio de cobrança de ingressos, é questão que foge da órbita de exame da AIME; todavia, apenas a título de esclarecimento, e considerando que tal apontamento já foi levantado no RE 27-89, cuja inicial foi indeferida, saliento que Francinei Bonatto foi quem locou o espaço destinado à festa, bem como contratou o serviço artístico (fls. 28-32v.).

Ainda, a finalidade eleitoreira em prol dos demandados não restou evidenciada no evento, tampouco foi demonstrado que os recursos auferidos com a venda dos convites tenham ingressado na conta de campanha dos demandados. Inexiste qualquer comprovação nesse sentido.

Nesse cenário, o entendimento da Corte Superior, acerca do tema em comento:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. ARRECADAÇÃO E GASTO ILÍCITO DE CAMPANHA. FONTE VEDADA.

1. Nos termos do art. 24, VI, da Lei 9.504/97, os partidos políticos e candidatos não podem receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro proveniente de entidade de classe ou sindical.

2. Na espécie, o Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários e Anexos de São José do Rio Preto/SP patrocinou evento - reinauguração da sede campestre com distribuição gratuita de bebidas, comidas, sorteio de brindes e shows artísticos - cuja finalidade foi desvirtuada para promover a imagem do candidato recorrido, configurando arrecadação e gasto ilícito de campanha, haja vista que proveniente de fonte vedada, a teor dos arts. 24, VI, e 30-A da Lei 9.504/97.

3. A finalidade eleitoral do evento infere-se pelo convite assinado exclusivamente pelo candidato recorrido e pela colocação de placa de propaganda eleitoral no local da festa. Além disso, o candidato compareceu ao evento de helicóptero, chamando a atenção de todos os presentes.[...]

(Ac. de 3.5.2012 no RO nº 1874028, rel. Min. Nancy Andrighi.)

Quanto à pesquisa eleitoral, vale ressaltar que foi ela devidamente registrada no Tribunal Superior Eleitoral, conforme se afere do documento de fl. 163, não se tratando, portanto, de propaganda irregular.

Valdir Bonatto afirmou ter obtido o resultado da pesquisa no site do jornal, na noite anterior à distribuição, inexistindo qualquer prova nos autos que revelasse que tal acesso fora restrita aos demandados. Em outras palavras, cabia aos representantes buscar esclarecimento junto à direção do jornal acerca da lisura da divulgação da pesquisa pela internet. Ademais, não afronta a legislação eleitoral a circulação, por meio de panfletos, de pesquisa devidamente registrada.

Lembro que, para configurar abuso de poder econômico, mister reconhecer a gravidade da conduta perpetrada, como sinaliza o art. 22, XVI, da LC 64/90, in verbis:

Art. 22.[...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

O alcance da expressão “gravidade das circunstâncias” deve ser estabelecido a partir do bem jurídico tutelado pela norma. O abuso de poder econômico busca coibir atos e comportamentos tendentes a desvirtuar a normalidade do pleito; logo, as circunstâncias estarão revestidas de gravidade quando tiverem dimensão suficiente para afetar o equilíbrio legalmente admitido entre os candidatos, o que não vislumbrado no caso em tela.

Rodrigo López Zilio, ao discorrer acerca do tema, leciona:

Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlvida Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições”.... Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmética (abuso vs. resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir a normalidade do pleito.

(Direito Eleitoral, 3ª edição, 2012, p. 481)

Ante o exposto, e na esteira do parecer ministerial, VOTO pelo desprovimento do recurso.