RC - 371 - Sessão: 15/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 303-306) interposto por MUHAMAD MAHMOUD DEEB OMAR contra sentença (fls. 295-298) proferida pelo Juízo da 164ª Zona Eleitoral – sediada em Pelotas, que julgou procedente a ação penal, considerando-o como incurso nas sanções dos arts. 289 e 353 do Código Eleitoral e condenando-o à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão (substituída por prestação de serviços à comunidade) e de prestação pecuniária, no valor de 8 (oito) dias-multa.

A denúncia foi recebida em 09.03.2011, fl. 126. O réu foi citado por hora certa, fl. 138, e determinada a nomeação de defensor dativo, fl. 144, o qual apresentou defesa prévia escrita, fl. 158.

Durante a instrução foram expedidas cartas precatórias para a oitiva de 2 (duas) testemunhas da acusação, cujos termos de audiência constam nas fls. 192 e 201-203.

Após diligências solicitadas à Polícia Federal, fl. 215, respondidas conforme consta nas fls. 226-240, ocorreu o interrogatório do acusado, fls. 266-267.

As partes apresentaram alegações finais (fls. 269-270 e 272-274).

Sobreveio a sentença condenatória, da qual a defesa foi intimada em 25 de novembro de 2013, conforme fl. 302.

Recorre o condenado, requerendo sua absolvição com base no princípio da consunção e, caso condenado, seja considerada a atenuante da confissão (fls. 303-306).

Houve contrarrazões (fls. 412-414) e, nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso, fls. 318-320.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, interposto no prazo de 10 dias da intimação, conforme o art. 362 do Código Eleitoral. A defesa foi intimada em 25 de novembro de 2013, e a irresignação apresentada em 26 de novembro de 2013.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, o recurso é de ser conhecido.

Os fatos objeto da denúncia são os seguintes:

1° Fato:

No ano de 2002, em data anterior a outubro, em dia e hora incertos, perante um dos cartórios eleitorais, nesta cidade, o denunciado inscreveu-se fraudulentamente eleitor.

Na ocasião, valendo-se de uma certidão de nascimento falsificada (não apreendida) em nome de Walter Saleh Alud, obtida com Muhammad Mahmud Schehaded Abu Zahra, já falecido (conforme informação das fls. 74-75 do IP), o denunciado requereu a expedição do Título Eleitoral n. 070320590442, dentre outros documentos.

2° Fato:

Entre os anos de 2002 e 2008, o denunciado fez uso do Título Eleitoral falsificado, exercendo o direito de voto, como se fosse Walter Sales Alus (conforme folhas de votação das fls. 37-45 do IP).

Após ter sido preso em fragrante em 14 de junho de 2010, na cidade de Rio Grande/RS (autos em apenso), o denunciado, logo que foi posto em liberdade, queimou os documentos que possuía, onde constava o nome de Walter.

A condenação está calcada nos arts. 289 e 353 do CE, abaixo transcritos:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

[...]

Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 348 a 352;

Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

À análise dos autos.

Da decretação de extinção da punibilidade relativamente ao delito de inscrição fraudulenta, art. 289 do Código Eleitoral.

Ressalto, desde já, a decisão do juízo de origem, fl. 310, nos seguintes termos:

Verifico que o crime de inscrição fraudulenta ocorreu em 2002, e a denúncia foi recebida em 2011 (fl.126).
Decorreram, portanto, mais de 04 anos, entre tais lapsos temporais, sendo que a prescrição (art. 110 c/c 109, V, do CP) corre quanto a este delito, observado o disposto no Art. 119 do CP, em 04 anos.
Porquanto, quanto ao primeiro crime descrito na denúncia decreto a extinção da punibilidade, conforme art. 107, IV, do CP.
Intime-se.

Muito embora possa se questionar a ocorrência da prescrição decretada, pois fundamentada no inciso V do art. 109, destinada aos delitos cuja pena máxima, em abstrato, é dois anos; quando o art. 289 do Código Eleitoral prevê pena hipotética de até cinco anos de reclusão, o que determina prazo prescricional de doze anos, a teor do inciso III do art. 109 do Código Penal, indico que a decisão transcrita transitou em julgado.

Daí que, em que pese a prescrição se trate de matéria de ordem pública, verificável de ofício pelo julgador, tenho que tais características não possuem força para retirar o manto da coisa julgada, mormente se a estabilidade do decidido veio a beneficiar o réu.

Nesta linha, resta prejudicada a análise do recurso, no referente ao art. 289, pois extinta a punibilidade.

Da condenação havida pela prática do art. 353 do Código Eleitoral.

Passo a analisar o apelo quanto ao pedido de absolvição do réu nas sanções do art. 353 do Código Eleitoral, e tenho que merece provimento.

Isto porque não restou provada a existência do elemento subjetivo do tipo, ou seja, o dolo específico de utilização do documento com finalidade eleitoral. Ao contrário, é razoável concluir que o objetivo do réu, ao obter os documentos falsificados, era unicamente a feitura de passaporte.

Daí que, para a configuração do delito em tela, seria indispensável que restasse provado que o acusado utilizou-se de documentos falsos com a específica finalidade eleitoral.

E essa prova não foi produzida. Aliás, em seu interrogatório, o réu diz que o objetivo era a obtenção de passaporte: [...] que pediu a expedição de um título para a Justiça Eleitoral para poder ter o seu passaporte no Brasil [...] (fl. 71), e[...] então eu falei pra eles: o meu objetivo é o passaporte, um documento para andar [...] (fl. 265, mídia de áudio).

Tais afirmações não foram desmentidas pela prova trazida aos autos. Não há indício de que o réu tenha se filiado a algum partido político ou participado de campanha eleitoral em favor de qualquer candidato, por exemplo.

Vale dizer, portanto, que inexistem elementos a comprovar a finalidade eleitoral no procedimento do réu. Por conseguinte, ausente o elemento subjetivo, não há que se falar na conduta delituosa prevista no art. 353 do Código Eleitoral.

O entendimento exarado na sentença encontra-se em harmonia com a doutrina trazida por Joel José Cândido (Direito Penal Eleitoral e Processo Penal Eleitoral. Edipro, 2006, p. 428-429.):

Como este crime remete aos documentos falsificados ou alterados a que se referem os arts. 348 a 352 do Código Eleitoral, deve o intérprete ter presente que o uso de documento falso, pelo agente, também tem que ser para fins eleitorais. Não havendo finalidade eleitoral no uso feito pelo agente, o crime poderá ser outro, mas não este do art. 353.

E, nessa mesma linha, a jurisprudência:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. ART. 353 C.C. ART. 348 DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA, COM FUNDAMENTO NO ART. 386, III e VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. AFASTADA. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. NECESSIDADE DA PRESENÇA DO DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. NÃO CONFIGURADO O CRIME EM COMENTO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR APENAS UM FUNDAMENTO (ART. 386, VII, do CPP ). RECURSO DESPROVIDO. COM DETERMINAÇÃO. 1- Recurso Criminal. Ação Penal. Conduta descrita na denúncia: os denunciados fizeram uso de documento público falso, qual seja, recibos eleitorais atestando a existência de doação eleitoral que jamais se concretizou. Falsidade das assinaturas comprovada por meio de perícia. Ação Penal julgada improcedente. Não comprovação de que o recorrido tenha produzido as assinaturas.

2- Preliminar em contrarrazões de prescrição. Não ocorrência. Afastada.

3- Crime de uso de documento falso - art. 353, do Código Eleitoral. Não comprovação da ciência dos agentes acerca da falsidade das assinaturas nos documentos contestados. Indícios de que a doação se realizou. Necessidade da presença do dolo específico para a caracterização do crime. Ausência. Não configurado o crime em comento.

4- Aplicação do art. 249, § 2º, do Código de Processo Civil ao processo penal, por analogia, para estender os efeitos da sentença a quo a réu que, embora denunciado, deixou de constar no corpo do r. decisum, evidenciando mero erro material.

5- Absolvição mantida, apenas pelo fundamento de ausência de provas (art. 386, inciso VII, do CPP). Recurso desprovido.

(Processo: RECC 639 SP, Relatora: Clarissa Campos Bernardo, Julgamento: 22.05.2014, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 29.05.2014.)

Ante o exposto, VOTO para considerar transitada em julgado a questão da extinção da punibilidade relativamente ao delito previsto no art. 289 do CE e, quanto ao delito previsto no art. 353 do CE, prover o recurso e absolver MUHAMAD MAHMOUD DEEB OMAR, por ausência de prova quanto ao dolo específico.