RE - 11453 - Sessão: 01/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL contra decisão do Juízo da 121ª Zona Eleitoral, a qual julgou procedente ação anulatória de débito fiscal ajuizada por SAULO DE ASSIS STEFANELLO, declarando nula a execução fiscal n. 1000001-53.2010.6.21.0121.

Na fundamentação da sentença (fls. 250-257), o juízo de primeiro grau registrou que a multa eleitoral possui natureza não tributária, afastando do caso a incidência das regras do CTN. Consignou que o crédito é constituído trinta dias após o trânsito em julgado da sentença, não havendo que se falar em lançamento tributário pela inscrição em dívida ativa do débito. Fundamentou ser de 10 anos o prazo prescricional para a execução de multas eleitorais, contados dos trinta dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Julgou procedente o pedido formulado, para declarar a nulidade do débito exigido, pois atingido pela prescrição, e da ação de execução n. 1000001-53.2010.6.21.0121.

Em suas razões recursais (fls. 260-265), a PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL sustenta que anterior execução fiscal fora extinta por ilegitimidade passiva, o que representa vício formal da CDA. Argumenta ter incidência o disposto no artigo 173, II, do CTN, segundo o qual a Fazenda tem cinco anos para constituir o crédito tributário, contados da data do trânsito em julgado da decisão que anular o lançamento por vício formal. Aduz não ter havido a decadência da ação, pois o mencionado artigo estabelece um prazo autônomo para a constituição do crédito tributário quando o lançamento anterior for anulado. Argumenta que não houve prescrição, mesmo se seguido o entendimento da sentença, pois o prazo prescricional de dez anos somente se iniciaria, no caso, a contar da vigência do novo Código Civil, de acordo com o estabelecido pela regra de transição do art. 2028. Requer a declaração de legalidade da execução fiscal.

Com as contrarrazões (fls. 292-298), os autos foram encaminhados em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 273-277 e 203).

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A jurisprudência firmou-se no sentido de que a execução fiscal processada perante a Justiça Eleitoral, por não ser um feito de natureza eleitoral, segue os ditames da Lei n. 6.830/80, inclusive no tocante à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, conforme determina o art. 1º da mencionada lei. Nessa linha de raciocínio, os tribunais entendem que o prazo recursal nas execuções fiscais é o previsto no Código de Processo Civil, como se extrai das seguintes ementas:

Recurso. Sentença que julgou procedente embargos de terceiro. Pedido de reforma do decisum para alienação do bem objeto de penhora com reserva de meação ao cônjuge embargante.

Tempestividade recursal. Posicionamento consolidado neste Regional prescrevendo a adoção, na espécie, do prazo da Lei Processual Civil de quinze dias para apelação.

Afastada preliminar de nulidade. Distinção entre atos de citação e de intimação. Regramento específico. Plenamente atingida a finalidade do ato citatório.

Ausência de prova acerca da aquisição do bem com recursos exclusivos da embargante. Ônus processual que lhe incumbia (artigo 333, I, CPC). Casamento anterior à aquisição do automóvel. Comunicabilidade patrimonial decorrente do regime de bens empregado no casamento. Preservação, contudo, à luz do disposto no artigo 655-B do Código de Processo Civil, da meação do cônjuge, garantida no resultado da alienação do bem.

Provimento.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral nº 100000121, Acórdão de 14.01.2011, Relator(a) DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 006, Data 17.01.2011.) (Grifei.)

A presente ação anulatória de débito fiscal cuida de matéria própria da execução fiscal, pois pretende o reconhecimento da prescrição da execução n. 1000001-53. Assim, por uma questão de tratamento igualitário dos procedimentos, também na presente ação anulatória deve ser aplicado o prazo de 15 dias para interposição da apelação previsto no artigo 508 do Código de Processo Civil.

No caso, tratando-se de recurso interposto pela Fazenda Nacional, conta-se em dobro o seu prazo, conforme estabelece o artigo 188 do CPC e, como a sentença foi publicada no dia 07 de março de 2013 (fl. 259) e o recurso foi interposto no dia 08 do mês de abril (fl. 260v.), no primeiro dia útil após o término do aludido prazo, é tempestiva a irresignação.

No mérito, não há controvérsia quanto aos fatos que fundamentam a ação anulatória.

Saulo de Assis Stefanello foi condenado ao pagamento de multa no valor de 20 mil UFIRs, por ser responsável pela Rádio Ibirubá, a qual deu tratamento privilegiado a um candidato no pleito de 1996. A decisão condenatória transitou em julgado na data de 1º de julho de 1998 (fls. 53-56 e 133).

A referida multa foi inscrita em dívida ativa, constando como sua responsável a empresa Emissoras Pioneiras da União LTDA. Em outubro de 2001, a Fazenda Nacional ajuizou execução fiscal direcionada às Emissoras Pioneiras, sendo extinta esta execução em razão da ilegitimidade passiva da empresa, pois a multa executada fora aplicada não à pessoa jurídica, mas ao seu responsável (fls. 144-145).

Em outubro de 2009 foi cancelada a certidão de dívida ativa emitida contra a empresa e feita nova inscrição do mesmo débito, desta vez contra Saulo de Assis Stefanello (fls. 155-156), ajuizando-se a pertinente ação de execução no dia 04 de fevereiro de 2010 (apenso, fl. 02).

A presente ação anulatória pretende o cancelamento da última CDA emitida contra Saulo Stefanello, com fundamento na decadência, pois o crédito foi inscrito em dívida ativa 11 anos e 3 meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

A Fazenda Nacional, por sua vez, sustenta ter havido a anulação, por vício formal, do lançamento contra a empresa Emissoras Pioneiras, e que teria 5 anos após a extinção da execução fiscal para inscrever a mesma dívida contra Saulo Stefanello, de acordo com o disposto no artigo 173, II, do Código Tributário Nacional, a seguir transcrito:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Vê-se, pois, que é necessário definir se as disposições do Código Tributário Nacional incidem na espécie.

As multas eleitorais possuem natureza de crédito não tributário, como se pode extrair do artigo 39, § 2º, da Lei n. 4.320/64:

Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.

§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza,proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.

Esta natureza não tributária é pacificamente reconhecida na jurisprudência:

Pedido de parcelamento. Condenação de recolhimento de recursos irregulares ao Fundo Partidário. Contas anuais do partido julgadas desaprovadas. Exercício 2005.

A sanção de devolução ao erário de recurso de origem não identificada e de fonte vedada possui a mesma natureza jurídica da multa eleitoral. A dívida do partido constitui título executivo. O valor transferido para a União é crédito não tributário da Fazenda Pública, cuja cobrança judicial seguirá as disposições da Lei de Execuções Fiscais, tal como ocorre com a execução das multas eleitorais, a teor do art. 367 do Código Eleitoral. Adoção dos procedimentos afetos à multa eleitoral (Res. TSE n. 21.975/04 e Portaria 288/2005 do Tribunal Superior Eleitoral).

Competência da Procuradoria da Fazenda Nacional para cobrança do valor devido e análise do pleito de concessão do parcelamento.

Indeferimento do pedido.

(TRE/RS, PET 280-60, Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, julg. em 24.9.2013.) (Grifei.)

 

Execução fiscal. Redirecionamento contra presidente de partido. Multa eleitoral. Natureza não tributária.

1. Conforme a jurisprudência do TSE, a multa eleitoral constitui dívida ativa de natureza não tributária. Precedentes: AgR-REspe nº 203-47, rel. Min. Dias Toffoli, PSESS em 23.10.2012; AgR-REspe nº 183-54, de minha relatoria, DJE de 17.4.2013.

2. O art. 135, III, do Código Tributário Nacional é inaplicável às execuções de dividas decorrentes de multa que não possua natureza tributária, o que obsta a inclusão do dirigente na condição de responsável no polo passivo da demanda executiva. Precedentes do STJ: AgRg no Ag nº 1.208.897, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 22.2.2011; REsp nº 1.038.922, relª. Minª. Eliana Calmon, DJE de 4.11.2008.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 26242, Acórdão de 12.11.2013, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 23, Data 03.02.2014, Página 296.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO. LIMITE LEGAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 81 DA LEI Nº 9.504/97. LICITUDE DA PROVA. DECADÊNCIA NÃO RECONHECIDA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MULTA ELEITORAL. FIXAÇÃO ABAIXO DO LIMITE LEGAL. INVIABILIDADE. OFENSA AO ART. 150, IV, DA CF. EFEITO CONFISCATÓRIO NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. DESPROVIMENTO.

[...]

4. Os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade não autorizam o Poder Judiciário a aplicar multa abaixo do mínimo legal, como também não se pode considerá-la confiscatória, inclusive por não ter natureza tributária.

5. "Consoante o entendimento desta Corte, o art. 23, § 7º, da Lei 9.504/97 não é aplicável às pessoas jurídicas, cujas doações estão limitadas ao montante de 2% do faturamento bruto anual (art. 81, § 1º, da Lei 9.504/97)" (AgR-REspe nº 62-10/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJE de 5.8.2013).

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 6822, Acórdão de 27.03.2014, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 73, Data 22.04.2014, Página 40-41.) (Grifei.)

Não possuindo natureza tributária, é impossível a aplicação dos institutos previstos no Código Tributário Nacional às multas eleitorais, pois se destinam a regulamentar matéria distinta. Este é o entendimento igualmente pacífico dos tribunais:

MULTAS ELEITORAIS. COBRANÇA DECORRENTE DE AUSÊNCIA A ELEIÇÕES POSTERIORES AO CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO ELEITORAL. CABIMENTO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.

O cancelamento de inscrição por ausência a três eleições consecutivas decorre de comando legal (arts. 7°, § 3°, e 71, V, Código Eleitoral) e constitui medida de depuração do cadastro eleitoral. Não se confunde com a imposição de penalidade de natureza pecuniária pelo não-comparecimento às eleições (art. 7°, caput, da mesma lei) a que, por essa razão, estará sujeito o infrator.

A multa eleitoral constitui dívida ativa não tributária, para efeito de cobrança judicial, nos termos do que dispõe a legislação específica, incidente em matéria eleitoral, por força do disposto no art. 367, III e IV, do Código Eleitoral.

À dívida ativa não tributária não se aplicam as regras atinentes à cobrança dos créditos fiscais, previstas no Código Tributário Nacional, ficando, portanto, sujeita à prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da legislação civil, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

O termo inicial do prazo prescricional, observado o disposto no § 3° do art. 2° da Lei n° 6.830/80, será o primeiro dia seguinte aos 30 (trinta) dias posteriores à realização da eleição a que tiver deixado de comparecer e de justificar a ausência.

(TSE, PROCESSO ADMINISTRATIVO n. 18882, Resolução n. 21197 de 03.09.2002, Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 04.10.2002, Página 233 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 13, Tomo 4, Página 427.) (Grifei.)

 

MULTAS ELEITORAIS. NAO SE COLOCAM SOB A DISCIPLINA DO ART. 173, ITEM I, DO CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL, NEM DO ARTIGO 2, DO DECRETO-LEI N. 1.645/78.

(TSE, CONSULTA n. 6300, Resolução n. 11381 de 17.08.1982, Relator Min. PEDRO AUGUSTO DE FREITAS GORDILHO, Publicação: BEL - Boletim Eleitoral, Volume 375, Tomo 1, Página 608 DJ - Diário de Justiça, Data 23.09.1982, Página 1.) (Grifei.)

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. ARTIGO 185-A DO CTN. INAPLICABILIDADE.

1. Em se tratando de execução fiscal para a cobrança de dívida fiscal de natureza não tributária, não se aplica o art. 185-A do CTN. Precedentes: REsp 1.055.259/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 26.3.2009 e AgRg no AgRg no REsp 981.480/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13.3.2009.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no AREsp 466.751/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08.05.2014, DJe 19.05.2014.) (Grifei.)

 

ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA AMBIENTAL. ART. 174/CTN.

INAPLICABILIDADE. CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DA LEF. INSCRIÇÃO DA DÍVIDA. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. 180 DIAS.

OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ.

1. Na execução fiscal decorrente de crédito não tributário, incide as disposições da LEF atinentes à suspensão e à interrupção da prescrição. REsp 981480/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12.8.2009, DJe 21.8.2009.

2. Com efeito, legítima a suspensão do prazo prescricional por 180 dias em decorrência da inscrição do débito em dívida ativa, conforme delineado no art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.630/80. Súmula 83/STJ.

3. No caso dos autos, é incontroverso que se trata de multa administrativa decorrente de infração à legislação ambiental, cujo o termo final seria 21.12.2009. Efetivada a inscrição do débito em dívida ativa antes do referido prazo, em 16.12.2009, o termo final passou a ser 21.6.2010. Proposta a execução fiscal - não tributário, repisa-se - em 26.1.2010, não há prescrição a ser declarada.

Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no AREsp 497.580/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27.05.2014, DJe 02.06.2014.) (Grifei.)

Dessa forma, não há que se falar em aplicação dos dispositivos do Código Tributário Nacional à cobrança das dívidas de natureza não tributária, de modo que não tem incidência sobre o caso a regra do artigo 173, II, do CTN.

Não obstante, entende o douto Procurador Regional Eleitoral que a ação foi proposta dentro do prazo, entendendo que a execução ajuizada contra a pessoa jurídica interrompe o prazo de prescrição em relação aos seus sócios, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

Os julgados citados, entretanto, não guardam relação com o presente caso. A interrupção da prescrição em relação aos dirigentes ocorre quando estes são solidariamente responsáveis com a pessoa jurídica pela dívida executada, nas hipóteses previstas no Código Tributário Nacional. Esse pressuposto é esclarecido na seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ART. 544 DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ART. 174 DO CTN. MATÉRIA DECIDIDA PELA 1ª SEÇÃO, NO RESP 1.101.708/SP, DJ 23//03/2009. JULGADO SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC.

1. O redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Precedentes da Corte: ERESP 174.532/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 20.08.2001; REsp 513.555/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06.10.2003; AgRg no Ag 613.619/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 20.06.2005; REsp 228.030/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.06.2005.

[…]

(STJ, AgRg no Ag 1.157.069/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.2.2010, DJe 5.3.2010.)

Vê-se, pois, que a hipótese de interrupção pretendida tem aplicação para as cobranças de dívidas tributárias, natureza distinta do crédito discutido na presente ação, e quando houver solidariedade entre o sócio-gerente e a pessoa jurídica, diferente do caso dos autos, em que a empresa foi indevidamente executada, pois a responsabilidade é exclusivamente do seu representante.

Resta analisar o prazo prescricional incidente no caso e a sua forma de contagem.

Embora o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entenda que o prazo para cobrança de multas eleitorais é de 10 anos, por força do artigo 205 do Código Civil (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 12840, Data 06/09/2013), orientação já seguida por esta Corte (EF 21-03, rel. Desembargador Marco Aurélio Heinz, julg. em 04.12.2013), realmente entendo que andou mal aquela Corte e, como não identifiquei uma jurisprudência consolidada, penso que ainda há tempo de debater o tema, no intuito de construir uma orientação jurisprudencial adequada.

Não se tem dúvida de que os créditos decorrentes de multas eleitorais não possuem natureza tributária, como ficou demonstrado acima. A questão é: sendo inaplicáveis as disposições do CTN e não havendo norma específica regulamentando a matéria, qual regra deve ser aplicada ao caso para preencher o vazio legislativo, a regra geral do artigo 205 do Código Civil (10 anos) ou o artigo 1º do Decreto 20.910/32 (5 anos).

Entendo que a omissão deva ser suprida mediante a disposição do artigo 1º do Decreto 20.910/32:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Inicialmente, buscando-se a integração do sistema no aludido dispositivo soluciona-se uma matéria de ordem pública com uma norma de natureza pública. A doutrina nos ensina que modernamente se abandonou a ilusão de um Código Civil apto a solucionar todos os problemas jurídicos, afastando-o do centro do sistema jurídico, para reconhecer o convívio de microssistemas, cujas normas podem solucionar situações equivalentes, sem a necessidade de se buscar respostas em dispositivos estranhos à natureza do caso. Cite-se a lição de Gustavo Tepedino a respeito desse fenômeno:

Esse longo percurso histórico, cujo itinerário não se poderia aqui palmilhar, caracteriza o que se convencionou chamar de processos de descodificação do direito civil, com o deslocamento do centro de gravidade do direito privado, do Código Civil, antes um corpo legislativo monolítico, por isso mesmo chamado de monossistema, para uma realidade fragmentada pela pluralidade de estatutos autônomos. Em relação a estes o Código Civil perdeu qualquer capacidade de influência normativa, configurando-se um polissistema, caracterizado por um conjunto crescente de leis como centros de gravidade autônomos e chamados, por conhecida corrente doutrinária, de microssistemas. (O Código Civil, os chamados microssistemas e Constituição: premissas para uma reforma legislativa, in Problemas de Direito Civil, Renovar, 2001, pg. 01.)

Assim, tratando-se de um crédito da Fazenda Nacional, a omissão deve ser suprida por normas que seguem o mesmo regime jurídico público, e não por regras editadas para disciplinar relações privadas, submetidas a outros princípios e a uma dinâmica social distinta.

Ademais, a incidência do prazo de 10 anos criaria uma situação de desigualdade inadmissível. Enquanto é dado aos cidadãos o prazo de 05 anos para cobrarem os créditos que possuem contra o ente público, este teria o dobro do prazo para executar seus devedores. Essa distinção não encontra justificativa, devendo ser evitada pelos tribunais.

O mesmo entendimento foi exposto pelo Ministro Marco Aurélio ao proferir voto divergente no RESPE 128-40:

...surge incongruente assentar que o cidadão, quanto a crédito existente, considerada a Fazenda Pública, tem cinco anos para acioná-la, enquanto, presente relação jurídica também de direito público, aquela conta com o prazo do Código Civil, de dez anos. Há de se observar o próprio sistema, pouco importando tratar-se ou não de dívida ativa não tributária. Seria discrepante do grande todo revelado no caso que, relativamente à dívida ativa, o Estado gênero ficasse sujeito ao prazo prescricional de cinco anos e, quanto a algo decorrente de sanção, tivesse o lapso temporal dilatado, alusivo aos comuns - pessoas jurídicas ou naturais -, de dez anos, regendo-se a matéria não pelo direito público, mas pelo direito civil.

A prescrição objetivando a cobrança de multa, decorrente de sanção pelo não comparecimento do cidadão às urnas, é regida pelo direito público, ocorrendo em cinco anos - Decreto n° 20.910/1932, observado analogicamente -, e não em dez anos, prazo do Código Civil, como previsto no tocante a débitos envolvendo particulares.

Dessa forma, na ausência de norma específica regulamentando o prazo para cobrança das multas eleitorais, a lacuna deve ser suprida dentro de um mesmo sistema de direito público, evitando-se, com isso, tratamento desigual a situações substancialmente semelhantes. Por conta dessas considerações, entendo que incide no caso o prazo de 5 anos previsto no artigo 1º do Decreto n. 20.910/32.

Nesse mesmo sentido já decidiu a primeira sessão do egrégio Superior Tribunal de Justiça, em regime de repercussão geral:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. NATUREZA ADMINISTRATIVA. PRAZO PRESCRICIONAL.

INCIDÊNCIA DO DECRETO N. 20.910/1932.

1. A Primeira Seção desta Corte, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, decidiu que é de cinco anos o prazo para ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito, nos termos do artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932. (v.g.: REsp 1.105.442/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 22.02.2011).

2. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no AREsp 436.546/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25.02.2014, DJe 10.03.2014.)

Como destacou o douto magistrado de primeiro grau, “o crédito público foi, vale repetir, constituído após 30 dias do trânsito em julgado da sentença judicial, prolatada na reclamação eleitoral, ou seja, em 31 de julho de 1998” (fl. 253v.). Passados mais de 5 anos dessa data, impõe-se o reconhecimento da prescrição, motivo pelo qual deve ser mantida a sentença.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.