RC - 366 - Sessão: 14/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL - MPE com atuação perante a 143ª Zona Eleitoral – Cachoeirinha ofereceu, em 15.01.2013, denúncia contra ANTÔNIO MARCOS OLIVEIRA DOS SANTOS e ERICH PRADO DE OLIVEIRA, nos seguintes termos (fls. 02-3):

No dia 07 de outubro de 2012, por volta das 15h40min, em frente à Escola Portugal, localizada na Rua Espírito Santo, s/nº, em Cachoeirinha/RS, os denunciados, ANTÔNIO MARCOS OLIVEIRA DOS SANTOS e ERICH PRADO DE OLIVEIRA, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, fizeram propaganda de boca de urna, no dia das eleições, com o fim de obter voto para determinado candidato.

Na ocasião, no dia do pleito municipal, o denunciado ERICH foi flagrado pela guarnição da Brigada Militar distribuindo panfletos em prol do candidato a Vereador Rubens Ohlweiler e do candidato a Prefeito Municipal Vicente Pires, enquanto o acusado ANTÔNIO MARCOS foi flagrado distribuindo panfletos em prol do candidato a Vereador Luis Henrique Tino e do candidato a Prefeito Municipal Vicente Pires.

Os panfletos com a propaganda eleitoral irregular restaram devidamente apreendidos, conforme termo de apreensão incluso.

Assim agindo, os denunciados, ANTÔNIO MARCOS OLIVEIRA DOS SANTOS e ERICH PRADO DE OLIVEIRA, incorreram nas sanções penais do artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei nº 9.504/97. [...]

Anexados documentos integrantes de termo circunstanciado instaurado pela autoridade policial (fls. 05-17).

A denúncia foi recebida em 15.01.2013, oportunidade em que a juíza eleitoral de piso designou audiência para 06.02.2013 e determinou a citação dos réus com base no art. 359 do Código Eleitoral (fl. 23).

Notificados pessoalmente, em 22.01.2013 (fls. 24-25), os réus não apresentaram defesa. Em audiência, ausentes os réus e presente defensor nomeado para o ato, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação, bem como, em ato contínuo, encerrada a instrução criminal e decretada a revelia dos acusados (fls. 35-42v.).

Apresentadas alegações finais pelo MPE e pelo defensor dos réus (fls. 51-53 e 54-56), sobreveio sentença julgando improcedente a denúncia (fls. 59-61v.).

Inconformado, o MPE interpôs recurso, repisando argumentos. Requereu o seu provimento, com a condenação postulada na denúncia (fls. 65-8v.).

Apresentadas contrarrazões (fls. 73-76), nesta instância os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo não provimento do recurso (fls. 81-82).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, sendo tempestivo, pois foi interposto dentro do decêndio legal previsto no art. 362 do Código Eleitoral – CE (fls. 62-65), uma vez que o Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 19.04.2013 (fl. 62) e ajuizou sua irresignação em 25.04.2013 (fl. 65). Por essa razão, dele conheço.

Ausências da defesa escrita e do interrogatório

De ofício, por se tratar de matéria de ordem pública, atrelada ao exame das nulidades processuais, consigno que os réus não apresentaram defesa escrita e tampouco foram interrogados.

Com efeito, após o recebimento da denúncia e a citação pessoal a teor do art. 359 do CE, os réus não apresentaram defesa, ainda que não exista, nos autos, certificação nesse sentido, sobrevindo a audiência previamente aprazada.

A esse ato os réus não compareceram, mas foram representados por defensor nomeado para tanto; procedeu-se, tão só, à oitiva de duas testemunhas da acusação e, de imediato, ao encerramento da instrução e à decretação da revelia dos réus (fls. 35-42v.). Após, advieram as alegações finais das partes e a sentença absolutória ora em exame.

Nesse contexto, seria impositivo o reconhecimento da nulidade absoluta pelas ausências de defesa escrita e do interrogatório dos réus, levando em conta os primados constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Contudo, o sistema de nulidades previsto no Código de Processo Penal, no qual vigora o princípio pas de nullité san grief, dispõe que somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à defesa, devidamente demonstrado, o que não se dá na espécie – considerando que a sentença foi improcedente e que ela será, como se verá, confirmada na apreciação do mérito deste recurso.

Nesse sentido, o STF já assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, "a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que […] o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas". (HC 121953, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 01.07.2014, HC 85155, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJE de 15.04.2005.).

Logo, não obstante a falha ocorrida na primeira instância, deixo de declarar a nulidade do procedimento subjacente diante da ausência de prejuízo aos réus, e passo a analisar a questão de fundo, prestigiando, outrossim, a celeridade e a efetividade próprias desta Especializada.

Destaco.

Mérito

Inicialmente, à luz do art. 109 do Código Penal, não há ocorrência de prescrição do fato com a capitulação delitiva descrita na inicial.

Na questão de fundo, os réus Antônio Marcos Oliveira dos Santos e Erich Prado de Oliveira foram denunciados por propaganda de boca de urna no dia do pleito de 2012 em Cachoeirinha, mediante distribuição de panfletos em frente a local de votação situado em escola municipal, em favor de candidatos à eleição proporcional e à majoritária - a teor da norma de regência:

Código Eleitoral:

Art. 39 A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[…]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[…]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; (Grifei.)

Joel J. Cândido preceitua que visa a lei a proteger o livre exercício do voto, vedando práticas que podem cercear a livre manifestação de vontade do eleitor, no exercício do poder de sufrágio (Direito Eleitoral Brasileiro. 12 ed. Bauru: Edipro, 2006, p. 493). E a jurisprudência desta Casa, que o acervo probatório deve ser suficiente para formação de um juízo seguro sobre a materialidade e a autoria delitivas, por meio de prova sólida (RC 357684, Rel. Des. Gaspar Marques Baptista, DEJERS de 31.05.2012.).

Tenho que há indícios contundentes acerca da materialidade do crime, considerando o termo de apreensão de 32 (trinta e dois) panfletos em poder dos réus, à fl. 12, anexados à fl. 31.

Todavia, inexiste prova da autoria, na acepção jurídica própria da boca de urna, não tendo o recorrente se desincumbindo do ônus de demonstrar a configuração delitiva descrita na denúncia.

Nesse sentido, a sentença bem expôs a fragilidade do acervo probatório (fls. 59-61v.):

Destaca-se que a simples apreensão dos papéis, sem outros elementos de convicção, não é capaz de demonstrar a autoria e a tipicidade do delito imputado. Inexiste prova de que os acusados estivessem, efetivamente, praticando ‘boca de urna’, ou seja, de que estivessem entregando os santinhos e pedindo votos ao candidato mencionado na denúncia.

Embora a quantidade de papéis apreendidos não seja pequena, entendo indemonstrada, pela acusação, a efetiva prática de "boca-de-urna”, com a entrega de ‘santinhos’ a eleitores, propaganda tida como abusiva e criminosa.

Ainda que o crime de “boca de urna” seja de mera conduta, prescindindo do resultado naturalístico, o delito do art. 39, § 5º, II, da Lei das Eleições exige a demonstração, com suficiente grau de certeza, da consumação da distribuição da propaganda. Mas isso as testemunhas ouvidas em juízo não afirmaram. E ninguém que tivesse sido abordado pelos réus, com o intuito de distribuir propaganda eleitoral, chegou a ser arrolado como testemunha. (Grifei.)

De fato, as provas se limitaram ao referido termo de apreensão e aos depoimentos dos dois policiais militares que atuaram na ocasião, os quais, para além de discrepantes, não trouxeram a certeza inequívoca de que os réus cometeram o crime, como bem frisou o Procurador Regional Eleitoral em seu parecer (fls. 81-82v.):

No caso em tela, colheu-se ao longo da instrução processual unicamente as declarações de dois dos policiais militares que participaram da ocorrência, quedando-se revéis ambos os recorridos.

Veja-se o que declinou Everton Avancine em sede judicial:

“J: O senhor conhece o Antônio Marcos Oliveira dos Santos ou Erick Prado de Oliveira?

T: Não, não pelo nome não recordo.

J: É que no dia das eleições eles foram pegos fazendo propaganda de boca de urna e a princípio o senhor atuou na prisão deles.

T: Onde é que foi o local, horário ?

J: Foi por volta das 3 horas da tarde em frente a Escola Portugal, na rua Espírito Santo em Cachoeirinha.

T: Não me recordo no momento, Doutora.

J: Bom, mas o que o senhor falar, o senhor presta compromisso de dizer a verdade, está bem ?

T: Sim.

J: Pelo Ministério Público.

MP: O senhor atuou no policiamento no dia das eleições passadas, 7 de outubro de 2012?

T: Sim.

MP: O senhor lembra de ter feito a prisão de dois dos indivíduos no caso seriam o Antônio Marcos e o Erick, que estariam fazendo boca de urna ali na frente ?

T: Eu preciso a confirmação se por um acaso foi na rua ou avenida Espírito Santo.

MP: Exatamente.

T: Sim.

MP: O que os senhores verificaram na ocasião ?

T: Que eles estavam com vários panfletos né, induzindo as pessoas né a votarem em determinado candidato.

MP: O senhor lembra quais eram os candidatos ?

T: Não, não lembro.

MP: Foram apreendidos os panfletos ?

T: sim, a princípio sim.

MP: Com os dois ?

T: Com os dois e apresentados na DP”. (fls. 41-41v) (Grifos do original.)

Como se observa da leitura do trecho acima, embora a apreensão dos santinhos em mãos dos recorridos seja fato incontroverso nos autos, o depoimento de Everton Avancine, além de se mostrar eivado de incertezas, não logrou trazer nenhuma informação relevante acerca do ocorrido.

Isso porque, apesar da afirmação do depoente de que os recorridos teriam “induzido pessoas a votarem em determinado candidato” (fl. 41v), tal versão acabou contraditada pelo seu colega de farda, Ernani Carreta Nunes, como se constata a seguir: (Grifei.)

“[…]

MP: O senhor lembra de ter feito a prisão desses dois rapazes lá?

T: Sim, nós fomos chamados que havia boca de urna próximo a Escola Portugal.

MP: E quando os senhores chegaram lá o que os senhores visualizaram ?

T: Foi abordado ali os rapazes, né estavam com as propagandas eleitorais ali nos bolsos né, até eles não tinham votado ainda também.

MP: E eles estavam entregando esses panfletos para as pessoas ?

T: É que a gente foi chamado, até foi o Capitão Rossato que nos chamou né.

MP: O senhor não lembra de ter visto eles entregando ?

T: Não, eu vendo eles entregando assim eu não me lembro.

MP: Esses panfletos estavam com quem ?

T: Tavam nos bolsos deles ali.

MP: Os senhores viram eles conversando com outros eleitores ali na oportunidade ?

T: Não porque já tavam, digamos assim, abordados já né”. (fls. 42-42v)

Assim, em vista das divergências que permeiam os apontamentos dos policiais militares, bem como da inexistência nos autos de quaisquer outros elementos de prova, é de ser negado provimento ao recurso ministerial, mantendo-se inalterada a sentença combatida. (Grifos do original.)

Resta que a mera apreensão dos panfletos em poder dos recorridos, no dia das eleições, não é capaz de configurar, por si só, o ilícito em evidência:

Recurso Criminal. Eleições 2010. Sentença que julgou procedente denúncia pela prática do crime de boca de urna, previsto no artigo 39, parágrafo 5º, inciso II, da Lei Eleitoral.

Assente na jurisprudência que a mera detenção de panfletos, no dia do pleito, não configura o ilícito penal.

A fragilidade do conjunto probatório gera incerteza quanto à efetiva distribuição do material pelo recorrente, assim como se este agia de modo a arregimentar votos.

Afastada a condenação penal por atipicidade da conduta imputada.

Provimento.

(TRE/RS, RC 851788, Rel. Dr. Artur dos Santos e Almeida, DEJERS  de 08.06.2012.) (Grifei.)

Portanto, uma vez que os elementos dos autos confortam apenas indícios, impõe-se a manutenção da decisão combatida, com o não provimento do recurso.

E por fim, acerca do pedido relativo à fixação de honorários advocatícios aduzido em contrarrazões, não merece conhecimento, porquanto evidentemente inadequado o instrumento processual eleito para sua formulação.

Diante do exposto, VOTO pelo não provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, para manter a sentença que absolveu ANTÔNIO MARCOS OLIVEIRA DOS SANTOS e ERICH PRADO DE OLIVEIRA da imputação delitiva objeto da denúncia, fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.