RC - 4445 - Sessão: 27/01/2015 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso (fls. 601-613) contra a sentença do Juízo da 85ª Zona Eleitoral – Torres – que julgou improcedente a ação penal oposta contra JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO, CARLOS ALBERTO DA ROSA e JOSÉ LOPES DA SILVA. A decisão monocrática entendeu não estar comprovada a prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 CE) a estes imputada (fls. 593-598).

O agente ministerial ofereceu denúncia com base em seis fatos, consistentes em oferta e respectivo aceite de vantagens em troca de votos. Entre os meses de julho e outubro de 2008, os réus teriam cedido material de construção, areia, aterro e cestas básicas a eleitores em troca de votos.

Conforme se extrai da peça ministerial (fls. 02-13), os fatos, em síntese, são os seguintes:

a) Fato 1 - Oferta e respectivo aceite de dois metros cúbicos de areia em troca de voto (fls. 04-05):

Entre os meses de julho e outubro de 2008, no município de Torres/RS, os denunciados JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO, disputando a reeleição ao cargo de prefeito nas eleições municipais de Torres/RS, auxiliado pelo denunciado VILMAR SANTOS DA SILVA, vulgo “MARRECO”, seu cabo eleitoral, ofereceu e deu ao codenunciado ELISEU BOFF SELAU material de construção, dois metros cúbicos de areia, em troca do voto deste eleitor.

[…]

ELISEU aceitou a proposta e efetivamente recebeu para si, em troca de seu voto, a carga de areia que lhe foi ofertada, utilizando o material “para sentar tijolos de uma peça de sua casa que inda estava precisando ser finalizada”.

b) Fato 2 - Oferta e respectivo aceite de carga de aterro e mais R$ 50,00 (cinquenta reais) em troca de voto (fls. 05-06):

Entre os meses de julho e outubro de 2008, no município de Torres/RS, os denunciados JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO e VALMIR DAITX ALEXANDRE, vulgo “PARDAL”, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito nas eleições municipais, o primeiro disputando a reeleição, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, ofereceram e deram à codenunciada ANA FEIJÓ DE CANDIO, uma carga de aterro em troca do voto dessa eleitora e “de todos da casa” em que esta reside, bem como em troca de que ela autorizasse a colocação de uma placa com propaganda eleitoral em seu terreno. Os denunciados JOÃO ALBERTO e VALMIR DAITX também ofereceram R$ 50,00 (cinquenta reais) em troca dos votos.

A codenunciada aceitou e efetivamente recebeu a referida carga de aterro em troca de seu voto e os de seus familiares, bem como em troca da colocação, em seu terreno, da placa contendo propaganda eleitoral dos aludidos candidatos.

c) Fato 3 - Oferta e respectivo aceite de carga de aterro em troca de voto (fls. 06-07):

Entre os meses de julho e outubro de 2008, no município de Torres/RS, os denunciados JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO e ALAOR DA COSTA, vulgo “LOIA”, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vereador nas eleições municipais de Torres/RS, o primeiro disputando a reeleição, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, ofereceram e deram ao codenunciado FRANCISCO ANACLETO MACIEL uma carga de aterro em troca do voto desse eleitor.

[…]

O codenunciado aceitou e efetivamente recebeu a referida carga de aterro em troca de seu voto nos denunciados JOÃO ALBERTO e ALAOR.

d) Fato 4 - Oferta e respectivo aceite de cesta básica em troca de voto (fls. 08-09):

Entre os meses de agosto e outubro de 2008, no município de Torres/RS, o denunciado CARLOS ALBERTO DA ROSA, vulgo “BETÃO DA CAL”, candidato ao cargo de vereador nas eleições municipais de Torres/RS, ofereceu e deu à codenunciada ELI DE SOUZA uma cesta básica, sob a condição de que esta eleitora votasse no denunciado CARLOS ALBERTO, para veredor, e em JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO para prefeito.

[…]

ELI DE SOUZA aceitou a vantagem acima descrita em troca de seu voto nos candidatos ora denunciados CARLOS ALBERTO DA ROSA e JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO.

e) Fato 5 - Oferta e respectivo aceite de carga de aterro em troca de voto (fls. 09-10):

Entre os meses de julho e outubro de 2008, no município de Torres/RS, o denunciado CARLOS ALBERTO DA ROSA, vulgo “BETÃO DA CAL”, candidato ao cargo de vereador nas eleições municipais de Torres/RS, ofereceu e deu ao codenunciado JOSÉ LOPES DA SILVA uma carga de aterro em troca do voto desse eleitor e de seus familiares.

[…]

O codenunciado JOSÉ LOPES aceitou e recebeu a vantagem acima descrita em troca de seu voto e de seus familiares em CARLOS ALBERTO.

f) Fato 6 - Oferta e respectivo aceite de carga de aterro em troca de voto (fls. 10-11):

Entre os meses de julho e outubro do ano de 2008, no município de Torres/RS, o denunciado DEOMAR DOS SANTOS GOULART, vulgo “DÊ GOULART”, candidato ao cargo de vice-prefeito nas eleições municipais de Torres/RS, ofereceu e deu ao codenunciado JOSÉ LOPES DA SILVA uma carga de aterro em troca do voto desse eleitor em sua candidatura e na de RUBENS VALÉRIO DE ROSA, candidato a prefeito.

[…]

O codenunciado JOSÉ LOPES aceitou e recebeu a vantagem acima descrita em troca de seu voto no denunciado DEOMAR DOS SANTOS e no candidato a prefeito RUBENS VALÉRIO DE ROSE.

De acordo com a Ministério Público, as condutas restaram assim capituladas em relação aos respectivos agentes:

JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO: art. 299 do Código Eleitoral, na forma do art. 71 do Código Penal (Fatos 1, 2 e 3);

VALMIR DAITX ALEXANDRE: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 2);

VILMAR SANTOS DA SILVA: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 1);

ALAOR DA COSTA: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 3);

CARLOS ALBERTO DA ROSA: art. 299 do Código Eleitoral, na forma do art. 71 do Código Penal (Fatos 4 e 5);

DEOMAR DOS SANTOS GOULART: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 6);

ELISEU BOFF SELAU: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 1);

ANA FEIJÓ CANDIO: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 2);

FRANCISCO ANACLETO MACIEL: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 3);

ELI DE SOUZA: art. 299 do Código Eleitoral (Fato 4);

JOSÉ LOPES DA SILVA: art. 299 do Código Eleitoral, na forma do art. 71 do Código Penal (Fatos 5 e 6).

A denúncia foi recebida em 07.2.2012 (fls. 381-384).

Foi concedida suspensão condicional do processo aos réus ALAOR DA COSTA, ANA FEIJO DE CANDIO, DEOMAR DOS SANTOS GOULART, ELI DE SOUZA, ELISEU BOFF SELAU, FRANCISCO ANACLETO MACIEL, VALMIR DAITX ALEXANDRE e VILMAR SANTOS DA SILVA, operando-se a cisão do feito em relação a estes (fls. 422 e 526 verso).

Assim, mantiveram-se na presente ação penal os réus ora recorridos JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO, CARLOS ALBERTO DA ROSA e JOSÉ LOPES DA SILVA.

Após a regular instrução processual, sobreveio decisão absolutória, fulcro no art. 386, inc. VII, do CPP, com base na inexistência de prova para a condenação (fls. 593-598).

Em suas razões de recurso, o Ministério Público Eleitoral alega haver provas de autoria e materialidade das condutas delituosas imputadas nos fatos 1, 2, 3, 4 e 5 da denúncia, não recorrendo quanto ao 6º fato (fl. 109).

Por sua vez, em contrarrazões, os demandados postulam o desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença absolutória (fls. 627-634, 637-642 e 643-645).

JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO alega que não possui qualquer ligação com os fatos expostos na denúncia, constando apenas como suposto beneficiário, pois à época dos fatos era prefeito e candidato à reeleição. Sustenta haver paradoxos na peça, até mesmo porque arrola como denunciados candidatos antagônicos na disputa. Descaracteriza a visita que tenha realizado a eleitores como criminosa no contexto dos fatos discutidos. Nega peremptoriamente qualquer tipo de conhecimento ou anuência com as práticas delituosas. Requer o desprovimento do recurso (fls. 627-634).

CARLOS ALBERTO DA ROSA sustenta não ter fornecido cesta básica ou aterro a quem quer que seja. Em relação ao Fato 4, assevera que Eli de Souza (que segundo a denúncia teria recebido a cesta básica do recorrido) fez campanha para os candidatos Rubens de Rose e seu vice Dê Goulart, os quais eram adversários políticos do denunciado, e que inclusive mantinha placas de propaganda política dos mesmos em frente a sua residência. Quanto ao Fato 5, afirma que JOSÉ LOPES DA SILVA (que teria recebido uma carga de aterro do denunciado) igualmente realizou campanha para os referidos candidatos da oposição, sendo que, em momento algum, forneceu a ele a carga de aterro, apenas o visitou, tal como teria feito com Eli de Souza. Em face disso, requer a manutenção da sentença absolutória (fls. 637-642).

JOSÉ LOPES DA SILVA afirma que não recebeu qualquer vantagem dos candidatos em troca de seu voto e que conhecia CARLOS ALBERTO DA ROSA em virtude de já ter trabalhado para ele, motivo pelo qual dele recebeu alguns cascalhos e aterro em momento anterior ao período eleitoral. Assegura, todavia, que em momento algum declarou seu voto a favor deste ou de outros candidatos. Informa, ainda, que Deomar Goulart (opositor de Carlos na eleição) também já teria lhe fornecido aterro em data pretérita às eleições. Por fim, requer seja negado provimento ao apelo ministerial (fls. 643-645).

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento parcial do recurso para manter a sentença absolutória quanto aos fatos 1, 2, 3 e 4. Quanto ao fato 5, entende a Procuradoria que os depoimentos constantes nos autos comprovam sua materialidade e autoria. Ainda, caso acolhido este entendimento, opina seja ofertada aos réus a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal e do art. 89 da Lei n. 9.099/1995, bem como da Súmula n. 337 do STJ (fls. 658-663).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 29.11.2013 (fls. 599) e protocolou o presente recurso em 4.12.2013 (fl. 601), dentro, portanto, do prazo previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

Inexistindo preliminares a serem analisadas, passo ao exame do mérito.

 

 

2. Mérito

As razões recursais objetivam a reforma da sentença que, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, julgou improcedente a denúncia que imputava aos recorridos a prática do crime de corrupção eleitoral, disposto no art. 299 do Código Eleitoral, por entender que o conjunto probatório não demonstrou, de forma robusta e suficiente, a prática do delito imputado aos acusados, não tendo havido inequívoca comprovação da ocorrência dos núcleos do tipo criminal em destaque (fls. 593-598).

Inconformado com a decisão do juízo eleitoral e entendendo que existem provas bastantes a comprovar a autoria e a materialidade das condutas delituosas imputadas aos denunciados, o Ministério Público Eleitoral atuante no primeiro grau recorreu da sentença apenas em relação aos fatos 1, 2, 3, 4 e 5 da denúncia, deixando de apelar quanto ao 6º fato (fl. 109).

Já o Ministério Público de segundo grau opinou pela reversão da sentença apenas em relação ao 5º, por entender ter ocorrido crime somente neste fato.

Adiantando meu voto, que confirma a sentença absolutória em todos os fatos, deixo de acolher a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral para que seja ofertada a suspensão condicional do processo aos réus, pois entendo que a solução adotada será mais benéfica aos acusados, tornando a remessa dos autos ao primeiro grau, para o oferecimento do benefício, inócua.

Ao julgar improcedente a denúncia, o juízo originário entendeu que o acervo probatório coletado judicialmente não teria demonstrado, de forma robusta e suficiente, a prática do delito imputado aos acusados, não tendo havido inequívoca comprovação da ocorrência dos núcleos dos tipos criminais eleitorais em destaque.

A denúncia imputou aos acusados João Alberto Machado Cardoso, Carlos Alberto da Rosa e José Lopes da Silva a prática de corrupção eleitoral, os dois primeiros na forma ativa e o último na modalidade passiva. Em seus depoimentos, os representados JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO e CARLOS ALBERTO DA ROSA negaram o cometimento dos fatos narradas na denúncia, atribuindo as acusações a desavenças políticas. Veementemente, contestaram o oferecimento de aterros a eleitores em troca de voto. E o representado JOSÉ LOPES DA SILVA alegou que não pediram o seu voto, tampouco de sua família, em troca de vantagens. Disse que trabalhava com Carlos Alberto da Rosa, realizando biscates, motivo pelo qual lhe alcançou alguns cascalhos e aterro para construir sua casa, o que, contudo, teria se dado antes do período das eleições. Afirmou que, da mesma forma, Deomar Goulart ajudou-lhe com aterro em data anterior ao período eleitoral.

Conforme consignado na sentença, os depoimentos das testemunhas de acusação, produzidos em juízo, não confirmaram a tese acusatória e em nada contribuíram para a elucidação da causa. Como exemplo, cito o testemunho de NELSON DAITX BAUER, conhecido por “Maisena”. Ele mencionou que em diversas ocasiões vendeu aterros para os réus, mas não sabia o destino para entrega. Referiu que quem levava os aterros até os locais era um empregado do depoente. Os endereços para entrega eram indicados por quem adquiria os aterros, como a filha do “Betão da Cal”, Daiane, e um tal de “Igor”. Asseverou que também vendia aterros para a Prefeitura de Torres, pois tinha negócios com o Município, em virtude de ter vencido uma licitação. Explicou que ganhou algumas licitações do Município de Torres, modalidade carta-convite, e fazia a entrega de aterros durante todo o período. Ao final, disse que não conhecia José Lopes da Silva. Também afirmou não saber se houve aumento da demanda de entrega de aterros no período eleitoral.

Tais esclarecimentos legitimam a entrega de aterros a pessoas carentes e uso de maquinários do município para tanto, em virtude de programas sociais assumidos pelo órgão público. Assim, o mero fato de haver placas da campanha eleitoral dos acusados em residências em que há aterros não comprova a prática do crime em comento, conforme referência feita pela acusação. Isso porque é prática comum, no período eleitoral, a exposição das propagandas nas residências e comércio em geral, seja em locais em obras, seja em outras casas ou estabelecimentos.

A par da falta de provas para confirmar um juízo condenatório, os depoimentos de Eliseu, Vilmar e Francisco, inquiridos como testemunhas de defesa, confirmam o entendimento absolutório. Veja-se que ELISEU BOFF SELAU negou que tenha recebido aterro dos réus. Estava construindo sua casa, motivo pelo qual comprou aterros. Não identificou sua casa dentre aquelas contidas nas fotografias juntadas aos autos. Disse desconhecer o motivo de ter sido envolvido no esquema de corrupção eleitoral. E VILMAR SANTOS DA SILVA, conhecido por “Marreco”, relatou que não forneceu aterro para Eliseu a mando do réu João Alberto. Não sabe de distribuição de aterros e cestas básicas. No período eleitoral, colocou placas políticas em algumas casas, motivo pelo qual acredita que seu nome foi envolvido no caso em questão. Já FRANCISCO ANACLETO MACIEL mencionou que não recebeu vantagem alguma em troca de votos. Asseverou que não recebeu um aterro de Alaor da Costa. Na verdade, seu filho comprou de João Carlos uma carga de aterro. Referiu que não relatou perante a autoridade policial que seu sobrinho teria recebido uma carga de aterro.

Da mesma forma, não restou comprovada a compra de cestas básicas pelos representados em favor de eleitores, pois não há relato de nenhum beneficiado, tampouco as testemunhas de acusação prestaram declarações no sentido de que tal tivesse ocorrido.

Conclui-se que há apenas indicativos de que os representados possam ter praticado os fatos pelos quais foram denunciados, o que, a toda evidência, é insuficiente para a condenação, notadamente porque esta exige um juízo de certeza e o ônus da prova compete à acusação, de onde se extrai que a dúvida sempre milita em favor dos réus, já que, presumidamente, inocentes.

Com efeito, ainda que possam ter, efetivamente, ocorrido os fatos descritos na exordial acusatória, não foi trazida aos autos prova judicializada demonstrando que os representados perpetraram o delito, quer mediante documentos, quer mediante declarações de beneficiados ou testemunhas.

Conforme referi anteriormente, nesta instância, em manifestação às fls. 658-663, o douto Procurador Regional Eleitoral entendeu que a sentença absolutória merece reforma apenas quanto ao 5º fato, litteris:

No caso dos autos, não há provas (no rigor do termo, produzidas na fase processual) que comprovem ter os denunciados praticado a conduta delituosa prevista no artigo 299 do Código Eleitoral, no que diz respeito aos fatos 1º, 2º, 3º e 4º. Essa situação impõe a conclusão de que a decisão sentencial deve ser mantida, no ponto: absolvição por não existir prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, VII). Isso porque os depoimentos citados como prova da materialidade e da autoria dos possíveis delitos praticados pelos denunciados não comprovam a efetiva distribuição de cargas de aterro e de cestas básicas a eleitores em troca de voto, ressalvado o 5º fato.

[…]

No que diz respeito ao 5º fato, tem-se que deve proceder a apelação pelas seguintes razões:

(1) Nelson Daitx Bauer (MAISENA), no depoimento prestado à polícia federal (folhas 118-119), afirma que BETÃO (CARLOS ALBERTO DA ROSA, candidato a vereador à época dos fatos) pessoalmente comprava aterros do declarante e mandava entregar nas vilas de Torres/RS […] que BETÃO comprava três, quatro cargas de aterro por vez e sempre pagava em dinheiro, que às vezes a filha de BETÃO […] também ia até o declarante comprar cargas de aterro para os eleitores de seu pai;

(2) JOSÉ LOPES DA SILVA, no depoimento prestado à polícia federal (folhas 53), afirma que teve de colocar 15 cargas de aterro no seu terreno para nivelá-lo, 13 foram compradas pelo declarante, tendo recebido uma do candidato BETÃO e uma do candidato a vice-prefeito, que, ambas as cargas de aterro foram entregues por um motorista de uma pessoa chamada MAISENA;

(3) Nelson Daitex Bauer (MAISENA), no depoimento prestado em juízo (CD, folha 656), confirma os relatos prestados a autoridade policial, no sentido de que BETÃO comprou muitas cargas de aterro (por volta de 15), e que deixava uma lista de lugares para entregá-las (CD, intervalos 07:55-09:15), também reconhece como de origem da jazida que explora, quase a totalidades das cargas de aterro fotografadas às folhas 72-111;

(4) JOSÉ LOPES DA SILVA, no depoimento prestado em juízo (CD, folha 555), afirma ter recebido a carga de aterro de BETÃO, no mês de agosto, três meses antes da eleição de 2008, mas nega ter recebido em troca de voto;

(5) Conclusão: dos elementos de informação, comparados com a prova produzida em juízo, tem-se que CARLOS ALBERTO DA ROSA (BETÃO) comprou de Nelson Daitx Bauer no mínimo uma carga de aterro e a entregou a JOSÉ LOPES DA SILVA, durante o período eleitoral (agosto de 2008, ou três meses antes do pleito). Disso, embora tentem os denunciados negar a finalidade eleitoral do 5º fato, uma vez comprovado a existência dessa situação, por consequência deve-se ter por realizado o dolo da conduta. Isso porque o fato se realizou em período eleitoral, bem como restou demonstrado, embora apenas na fase investigativa, o propósito eleitoral. É dizer: a condenação, no ponto, não se sustenta apenas em elementos de informação, mas sobretudo porque parte da prova produzida vai ao encontro de tais elementos.

Todavia, com a devida vênia do órgão ministerial, entendo que a sentença da magistrada da 85ª Zona Eleitoral deve ser mantida em sua integralidade.

A prova colhida no inquérito autorizava a persecução penal, mas, ouvidas em juízo, as testemunhas não endossaram as declarações antes prestadas, conforme evidenciado na sentença. Ademais, as demais provas trazidas aos autos pela acusação, como os aterros que constam nas folhas 55-60, 64-71 e 73-81 e a compra de cestas básicas, carecem de um liame testemunhal que comprove terem sido feitas com o intuito da compra de votos.

Portanto, o conjunto probatório constituído deixa sérias dúvidas sobre a ocorrência do ilícito. E acerca da dúvida no processo penal, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira que:

Toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou idéia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal - 11. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 294-298).

Em casos semelhantes, já decidiu este Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

Recurso criminal. Corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa afastada. Alegação de oferecimento de entrada gratuita em festa via rede social do Facebook.

Afasta-se o juízo condenatório quando as provas são insuficientes para aferir certeza sobre os fatos alegados e para caracterizar o dolo específico exigido pelo tipo penal.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 25688, Acórdão de 9.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 103, Data 11.6.2014, Página 2.)

 

Recurso criminal. Eleições 2008. Oferecimento de vantagem “vale - compra” - para a obtenção de votos. Condenação nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral. Fixação de penas de reclusão substituídas por restritivas de direitos.

Impossibilidade de condenação com base em conjunto probatório frágil, consubstanciado em depoimentos conflitantes e prova testemunhal que não se apresenta coerente e harmônica.

Absolvição.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 253110, Acórdão de 22.9.2011, Relator DR. EDUARDO KOTHE WERLANG, Relatora designada DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 169, Data 30.9.2011, Página 02.)

Por fim, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois frágil é o conjunto probatório.

Assim, ausente prova robusta do cometimento do delito, resta confirmar a decisão recorrida.

Por todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.