RE - 280872 - Sessão: 25/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CARLOS CESAR DINON e VALCIR BARCELLOS FARIAS, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Porto Mauá, contra sentença do Juízo da 45ª Zona Eleitoral, que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2008, tendo em vista a arrecadação de valores de ocupantes de cargo em comissão da Prefeitura, reconhecida em ação de investigação judicial eleitoral (fls. 630-635).

Em suas razões recursais (fls. 636-649), Carlos Dinon e Valcir Farias suscitaram preliminares de decadência, prescrição, ausência de interesse de agir e de justa causa. Suscitaram, também, preliminar de cerceamento de defesa, pois o juiz indeferiu a produção das provas requeridas em manifestação das partes, quando possível e viável a instrução processual. No mérito, argumentaram que o parecer técnico se manifestou pela aprovação das contas. Alegaram não estar demonstrada a potencialidade para afetar a legitimidade do pleito, especialmente porque os recorrentes não foram eleitos. Requereram a declaração de nulidade do feito e, no mérito, a aprovação das contas.

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 657-661).

É o breve relatório.

 

 

 

 

 

VOTO

O recurso deve ser considerado tempestivo. Não há registro da data de intimação dos recorrentes, não podendo a parte ser prejudicada pelo equívoco cartorário.

Os recorrentes suscitam matéria preliminar.

Pretendem o reconhecimento de prescrição ou decadência da prestação de contas, pois refere-se ao pleito de 2008 e ainda não foi julgada em definitivo.

Não merece prosperar a pretensão dos recorrentes, pois, como bem salientou o douto Procurador Regional Eleitoral, sequer existe previsão de prazos prescricionais ou decadenciais que possam levar à extinção da prestação de contas sem a sua análise.

Aduz também a ausência de interesse de agir, pois a ação de investigação judicial eleitoral já produziu seus efeitos, sendo inviável que seus fatos sirvam para a desaprovação das contas. Não merece ser acolhida esta preliminar, pois a AIJE e a prestação de contas possuem objetos distintos, embora possam se basear nos mesmos fatos. Ainda que os mesmos eventos tenham sido julgados em AIJE, permanece hígido o interesse público no julgamento da regularidade das contas dos candidatos.

Suscita ainda ausência de justa causa para o julgamento da prestação de contas, pois a mera apresentação da contabilidade de campanha já regulariza a situação cadastral dos políticos.

Embora eventual juízo de desaprovação das contas não resulte em restrições aos direitos dos candidatos, há uma obrigação de transparência e de moralidade nos gastos de campanha, que justificam a análise das contas de todos os pretendentes a cargos públicos. Como bem pontuou o douto procurador regional eleitoral em seu parecer:

Além disso, as contas foram prestadas pelos recorrentes, assim como pelos demais candidatos no pleito municipal de 2008 (princípio da isonomia), e o processo tem de ser julgado, alcançando sua finalidade útil e razão de ser, que é o pronunciamento definitivo dessa Justiça Eleitoral acerca da lisura e correção das contas de campanha dos candidatos recorrentes na eleição majoritária no município, não havendo falar em ausência de justa causa (fl. 659).

Por fim, em matéria preliminar, os recorrentes pretendem, ainda, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa.

Após a emissão de parecer técnico pela aprovação das contas, o órgão ministerial trouxe notícias de irregularidades aos autos, apuradas na AIJE n. 91. Diante desse novo elemento o juízo determinou a suspensão do procedimento de prestação de contas até o trânsito em julgado da aludida ação de investigação. Com a encerramento da AIJE 91, o juízo desaprovou as contas sem permitir a manifestação dos candidatos. Em julgamento de recurso especial o egrégio Tribunal Superior Eleitoral anulou a decisão de desaprovação das contas, a fim de que fosse permitido às partes se manifestarem acerca do parecer ministerial, inclusive com a eventual produção de provas. Retornados os autos e intimados os candidatos para manifestação sobre o parecer técnico e ministerial, as partes requereram as seguintes providências:

a) seja certificado pelo Corpo Técnico da Justiça Eleitoral que analisou as contas se existem elementos novos que modifiquem o entendimento que deu pela APROVAÇÃO DAS CONTAS;

b) que seja juntada cópia das PRESTAÇÕES DE CONTAS;

b.1) dos candidatos (CARLOS CESAR DINON e VALCIR BARCELLOS);

b.2) dos partidos que compunham a COLIGAÇÃO, levando-se em conta os meses de JUNHO a DEZEMBRO de 2008;

c) que seja certificado pela Justiça Eleitoral se as CONTAS dos PARTIDOS da COLIGAÇÃO foram aprovadas.

O juízo de primeiro grau indeferiu tais requerimentos e desaprovou as contas, fundamentando a negativa das solicitações acima nos seguintes termos:

Outrossim, indefiro os pedidos de letras 'a', 'b' e 'c' da petição das fls. 618-628, visto que desnecessários à solução da lide, a qual está apta a julgamento com base nos documentos já carreados aos autos. Nesse ponto, processo retorna ao momento do parecer do Ministério Público Eleitoral, não se fazendo necessário novo parecer do corpo técnico da Justiça Eleitoral (fls. 633-634).

Correto o juízo de primeiro grau. De fato, as diligências solicitadas em nada contribuiriam para a análise das contas. Em primeiro lugar, a nova vista ao técnico contábil para dizer se houve modificação das contas seria inócua, pois a análise técnica já havia sido realizada. Competiria ao juízo dizer se os novos documentos levariam ao juízo de desaprovação das contas ou não. Por outro lado, a juntada das prestações de contas de terceiros em nada poderia influir na análise destas contas. Eventual aprovação da movimentação contábil dos partidos partidos que integraram a coligação dos candidatos em nada modificaria a análise das suas contas.

Correto, portanto, o indeferimento das diligências. O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, ao mencionar que o candidato poderia, eventualmente, produzir provas, não lhe conferiu “carta branca” para a solicitação de qualquer diligência, mas lhe assegurou a produção de provas úteis ao julgamento das contas. Nesse sentido, o juízo de primeiro grau não lhe negou a produção de provas, apenas fundamentou que as diligências requeridas eram inúteis para a análise das contas.

Indeferidas as diligências solicitadas, competia ao juízo de primeiro grau analisar o mérito das contas, tal como procedeu. O rito da prestação de contas fora integralmente observado: houve o relatório preliminar, com a expedição de diligências para a parte (fl. 24); a manifestação dos candidatos (fl. 26); o parecer do Ministério Público Eleitoral, apontando novas irregularidades (fls. 33) e; a manifestação do candidato acerca dessas novas falhas, após a anulação da primeira sentença (fls. 618-628).

O procedimento, portanto, havia sido integralmente cumprido, e, sendo irrelevantes as providências solicitadas, cabia ao juízo de primeiro grau realizar a análise das contas. Nesse sentido, veja-se que não prospera a irresignação dos recorrentes no sentido de que a negativa das diligências era uma decisão interlocutória, pois isso levaria ao desvirtuamento do rito legal da prestação de contas, instaurando uma fase instrutória não prevista na lei nem na resolução pertinentes.

Dessa forma, não se vislumbra qualquer nulidade na decisão recorrida.

No mérito, os documentos dos autos demonstram ter havido a arrecadação de recursos em desconformidade com as normas regulamentares. As irregularidades foram muito bem pontuadas pelo douto procurador regional eleitoral em seu parecer, cujo seguinte trecho transcrevo, adotando-o como razões de decidir:

Extrai-se das cópias da ação de investigação judicial eleitoral n. 91 que o candidato Carlos Cesar Dinon recebeu em sua conta bancária n. 35.001733.0-7 (fl. 174) doações de pessoas físicas no valor de R$ 4.289,74 (fls. 157-160).

Por outro lado, no Demonstrativo de Receitas e Despesas (fl. 06), o candidato declara como despesa total o valor de R$ 4.421,65 (quatro mil quatrocentos e vinte e um reais e sessenta e cinco centavos). Desse montante, R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) provieram de recursos próprios; R$ 900,00 de recursos de doações de pessoas jurídicas; R$ 21,65 advindos de recursos de outros candidatos/comitês e R$ 0,00 de recursos de doações de pessoas físicas.

Os autos deixam evidente que o candidato omitiu em sua prestação de contas a arrecadação de recursos. Ademais, houve a captação de valores sem a pertinente emissão de recibo eleitoral, em contrariedade ao artigo 17, § 2º, da Resolução n. 22.715/2008. Tais valores também não transitaram pela conta corrente específica de campanha, ofendendo a determinação do artigo 10 da aludida Resolução.

Esses elementos retiram a confiabilidade das contas, pois, além da omissão de valores, não houve a obediência de requisitos mínimos, capazes de conferir segurança à movimentação financeira. Ademais, conforme destacou o parecer ministerial, as irregularidades representam um grande montante frente ao total de gastos de campanha:

Conclui-se que as doações feitas ao candidato a prefeito equivalem a 97% do montante gasto em sua campanha eleitoral, conforme expõe o parecer da Promotoria Eleitoral (fl. 36):

A soma dessas contribuições resultou em ingresso na conta pessoal do Prefeito e candidato a reeleição Carlos Cesar Dinon de montante equivalente a R$ 2.095,16 (dois mil e noventa e cinco reais e dezesseis centavos), no mês de abril de 2008, e de mais R$ 2.194,58 (dois mil cento e noventa quatro reais e cinquenta e oito centavos), no mês de maio do ano de curso,totalizando a captação de R$ 4.289,98 (quatro mil duzentos e oitenta e nove reais e noventa e oito centavos), como demonstram os documentos das fls. 106-109 daquela ação e o testemunho do Sr. Valter Francisco Rockembach (fls. 243-244-verso), gerente da agência do Banrisul. Aliás, é de se registrar que tais fatos foram confirmados pelo candidato, quando ouvido perante a autoridade judicial (fls. 237-241).

Os documentos dos autos evidenciam a irregularidade na arrecadação de recursos, merecendo o juízo de desaprovação das contas, mesmo com a existência de parecer técnico pela sua aprovação, pois este não é definitivo, ou de observância obrigatória pelo magistrado, o qual deve analisá-lo em consonância com os demais elementos dos autos, conforme reconhece a jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2008. CANDIDATO. VEREADOR. REJEIÇÃO. PRELIMINAR. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL E OMISSÃO DE RECEITA CORRESPONDENTE A SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA EM SEGUNDO GRAU. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. EXTEMPORANEIDADE DA MEDIDA. DESCONHECIMENTO DA LEGISLAÇÃO RESPECTIVA. HIPÓTESE QUE NÃO EXIME O RECORRENTE DO DEVER DE OBSERVAR A LEI. NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVER DE PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA INCLUÍDA DENTRE OS GASTOS DE CAMPANHA. GRATUIDADE. NECESSIDADE DE SEU REGISTRO. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO.

1. O Magistrado não está adstrito ao laudo pericial para proferir seu julgamento, eis que vige dentre nós o princípio do livre convencimento motivado (art. 131 do Código de Processo Civil). Em vista disso, inexiste nulidade pelo fato de ter reconhecido causa ensejadora da rejeição das contas do candidato não indicada no parecer técnico. Doutrina. Precedentes.

[...]

(TRE/SE, Recurso Eleitoral n. 3102, Acórdão n. 227/2009 de 21.07.2009, Relator Arthur Napoleão Teixeira Filho, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 05.08.2009, Página 32.) (Grifei.)

Dessa forma, correta a decisão recorrida, devendo ser negado provimento ao recurso interposto.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença de 1º grau.