REl - 0600775-71.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/04/2025 00:00 a 15/04/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de recurso eleitoral que postula a reforma da sentença que desaprovou as contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, em virtude da ausência de comprovação da despesa efetuada com recurso oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (ID 45843601).

Consoante constou na sentença, o recorrente contratou sua genitora para desempenhar a coordenação de equipes de sua campanha ID 126428742, efetuando o pagamento do valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, sendo que o contrato pactuado com Luzia Leffa Bock não informou os locais de trabalho, as horas trabalhadas e a justificativa do preço contratado, requisitos determinados pelo art. 35, § 12º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ademais, apesar de ser denominada como “coordenadora de equipes”, não houve contratação de qualquer militante para trabalhar na campanha do recorrente.

Inicialmente é importante consignar que a contratação de parentes para atividades de campanha com recursos públicos não se trata de hipótese expressamente vedada pela legislação e que, de plano e por si só, não representa irregularidade.

Entretanto, nos termos da jurisprudência do TSE, “ante a inexistência de regulamentação específica sobre o tema, mister discutir caso a caso, segundo as peculiaridades consignadas nos autos, observando–se as regras de hermenêutica e os princípios constitucionais”, uma vez que “a contratação de parentes não constitui falha por si só suficiente a justificar a desaprovação das contas” (REspe n. 0600751-45, Relator Min. Tarcísio Vieira De Carvalho Neto, DJe de 23.10.2020).

Assim, cumpre à Justiça Eleitoral avaliar com critérios objetivos e redobradas cautelas a transparência, a razoabilidade e a economicidade do gasto, a fim de concluir se houve, efetivamente, favorecimento pessoal ou de terceiros, com prejuízo aos princípios que norteiam o uso de recursos públicos.

Nesse trilhar, de acordo com o posicionamento do TSE, a contratação de parentes para trabalharem na campanha eleitoral, “caso seja realizada, deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado” (TSE, REsp n. 060116394, Acórdão, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 27.10.2020).

Igualmente, este Tribunal Regional possui precedentes condicionando o reconhecimento de irregularidade na contratação de familiares à constatação de insuficiência documental ou de comprovado favorecimento pessoal, consoante ilustra o seguinte julgado:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGO. VEREADOR. OMISSÃO DE DESPESAS. NOTA FISCAL NÃO REGISTRADA NA CONTABILIDADE. GASTO COM COMBUSTÍVEIS. CONTRATAÇÃO DE CÔNJUGE/COMPANHEIRO COMO FORNECEDOR DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS. DESPESA COM ALUGUEL DE VEÍCULO. LIMITE EXCEDIDO. AFASTADO O APONTAMENTO DE ATRASO NA ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA. IRREGULARIDADES PERCENTUALMENTE REPRESENTATIVAS DIANTE DO TOTAL MOVIMENTADO. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. READEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DA FUNDAMENTAÇÃO PARA O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

(…).

3. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à contratação de parentes como fornecedores de campanha, quando tais contratados forem remunerados com recursos públicos, é necessária atenção redobrada da Justiça Eleitoral quanto à comprovação documental do gasto, a fim de evitar o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade e à moralidade que podem decorrer dessas avenças. Assim, na esteira da jurisprudência, cabe a desaprovação da contabilidade em caso de uso considerável de recursos públicos para contratar familiares sem a escorreita comprovação documental da regularidade do gasto. Na hipótese, não houve a apresentação de contrato, nota fiscal ou outro demonstrativo da despesa, cujo valor alcançou 50% da verba pública recebida pela candidata. Além disso, a quitação ocorre à margem das formas de pagamento previstas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, posto que os extratos eletrônicos registram o “cheque compensado” em favor da candidata. Também neste ponto, inviável a determinação de recolhimento ao erário em face da preclusão.

(…).

(TRE-RS - Recurso Eleitoral n 060067877, ACÓRDÃO de 24/01/2022, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 01/02/2022) (Grifo nosso)

 

Assim, não se afigura irregular, de per si, a contratação da mãe do recorrente como prestadora de serviço.

Contudo, não houve o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas e a justificativa do preço contratado, como exige o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

 

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Ademais, há outra circunstância grave que envolve a contratação em exame: função de “coordenadora de equipes” quando não houve na campanha a contratação de qualquer militante.

Assim, é de ser mantida a irregularidade e de igual modo a determinação de recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, já que envolve aplicação irregular de recursos do FEFC.

Entretanto, o pedido recursal quanto à alteração da conclusão de mérito, de desaprovação para aprovação com ressalvas, merece acolhida.

Essa pretensão encontra amparo na consolidada jurisprudência deste Tribunal no sentido de que deve ser observado o valor nominal de R$ 1.064,10 como parâmetro de aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade, ainda que superior proporcionalmente a 10% do montante total arrecadado, para aprovação das contas com ressalvas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DESPESA COM COMBUSTÍVEL. AUSENTE REGISTRO DE LOCAÇÃO/CESSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. VALOR IRRISÓRIO. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Despesa com combustível, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Afronta ao disposto no art. 60, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Ainda que o art. 60, § 4º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispense a cessão de automóvel de propriedade do candidato e do seu cônjuge para utilização em benefício da candidatura, permanece a obrigação de registro na prestação de contas da campanha. Ademais, verifica-se que o pagamento de combustíveis realizado pelo candidato com recursos da campanha (FEFC) desrespeita o disposto no art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece que não configura gasto eleitoral e não pode ser pago com recursos de campanha o valor despendido em combustível usado pelo candidato.

4. Embora a irregularidade represente 34,48% das receitas declaradas, o valor esta abaixo do parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico. Aplicados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS – REl nº 0600220-35.2020.6.21.0072, Relator Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, Publicação: DJE, 10/11/2022)

(Grifo nosso)

 

Ressalto que a aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional de valores recebidos de origem não identificada, como verificada na hipótese dos autos, por força de disposição expressa no art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

(…)

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

(…)

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 1.000,00.