REl - 0600012-96.2023.6.21.0120 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/04/2025 00:00 a 15/04/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo, visto que interposto dentro do tríduo recursal, e preenche os demais requisitos para que seja conhecido.

Passo, portanto, à análise do mérito do apelo.

 

MÉRITO

Irresignado, o Diretório Municipal do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB – de Horizontina/RS recorre da sentença que desaprovou a sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2022, ao entender que os depósitos estão regularmente registrados na contabilidade e que o depósito em espécie nas contas bancárias da agremiação representariam mero desconhecimento da norma pelos funcionários da instituição financeira e pelos doadores, sem importar em má-fé ou dolo da grei. Relata, também, que o depósito de R$ 1.700,00 estaria identificado como do presidente do órgão partidário recorrente, Erlei Turra (ID 45593203).

Relativamente ao recebimento de recursos em espécie, reproduzo as razões da decisão recorrida (ID 45593198):

Na análise da documentação constataram-se doações financeiras superiores a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) não realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nem por cheque cruzado e nominal, o que contraria o art. 8º, §3º, da Resolução TSE nº 23.604/19:

(...)

Ademais, a agremiação não restituiu o valor indevido ao doador no prazo estipulado no art. 8º, §10, da Resolução em apreço, persistindo, desse modo, o vício apontado.

Nas palavras do Ministério Público e da Unidade Técnica (ID 121661320), doações realizadas nesse contexto, conquanto identificadas pelo CPF do doador, configuram recursos de origem não identificada e ensejam, consequentemente, a desaprovação das contas.

Na mesma esteira, vai o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

(...)

Logo, na linha do julgado acima colacionado, o depósito em dinheiro em valor acima do limite legal implica a configuração de recurso de origem não identificada, nos termos do art. 13, caput, da Resolução TSE nº 23.604/19, uma vez que não é possível rastrear a origem dos recursos. Em outras palavras, mesmo que o extrato bancário constante no ID 119222594 exiba o CPF dos doadores que transferiram as quantias de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 1.700,00 (mil setecentos reais) ao partido, não há como identificar como tais recursos chegaram ao doador. Outrossim, não há nos autos qualquer explicação plausível para que doações de tão vultosas quantias tenham sido feitas em espécie e não por meio de transferência bancária ou cheque, meios que, inclusive, seriam mais práticos e convenientes ao doador.

Desse modo, não há como assegurar a licitude e a idoneidade desses valores transferidos ao partido, sendo possível que o emprego dos depósitos em dinheiro tenham sido utilizados para acobertar valores de origem espúria, como fontes vedadas ou verbas advindas de pessoa jurídica, por exemplo, que seriam evidenciadas caso a doação tivesse sido realizada por meio do sistema bancário, que guarda registros de suas operações.

Por conseguinte, está configurada mácula que impede a verificação da higidez das contas apresentadas, sendo a desaprovação medida que se impõe, na forma do art. 45, inciso III, da Resolução TSE nº 23.604/19.

A Procuradoria Regional Eleitoral, a seu turno, relembra que “o exame de prestação de contas do ID 45593186 indicou a existência de depósito em dinheiro no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), proveniente de Inson Pitz, e outro depósito, na mesma modalidade, no valor de R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais), oriundo de Sandro Luiz Haeze” (grifei) e argumenta que o controle e a identificação da origem dos recursos depende da observância da vedação de depósitos de dinheiro em espécie para valores acima do montante de R$ 1.064,10, conforme disposto expressamente no art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, entendo que o depósito em espécie em conta bancária partidária acima de R$ 1.064,10 é procedimento irregular e caracteriza recursos de origem não identificada, ainda que o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador. Nesse sentido, a propósito, consolida-se o atual posicionamento desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2022. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MULTA. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DOAÇÕES EFETUADAS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de órgão municipal de partido político, relativas ao exercício financeiro do ano de 2022, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia irregular, acrescido de multa de 20%, e a suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

2. Recebimento de recursos de origem não identificada - RONI. Doações efetuadas em espécie, acima do limite estipulado na norma de regência. Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do TSE no sentido de que se trata de ato meramente declaratório prestado à instituição bancária. A operação somente poderia ser realizada mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, nos exatos termos do art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19. Configurada a irregularidade. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados (REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060166587/MA, Acórdão de 12.11.2020, relator Min. Edson Fachin, DJ-e 20.11.2020), circunstâncias não verificadas no caso dos autos.

4. Na hipótese, a irregularidade representa 100% das receitas do exercício, inviabilizando a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que a falha seja considerada pouco relevante no conjunto das contas, e impondo a sua desaprovação. Considerando que as irregularidades alcançaram a totalidade da arrecadação do partido político, a sentença não merece reparos quanto à fixação das sanções em seus patamares máximos.

5. Desprovimento.

(TRE/RS, REl n. 0600021-52.2023.6.21.0025, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJE, 03/09/2024).

Portanto, ainda que identificados os depósitos nos extratos bancários, o CPF dos doadores Inson Pitz e Sandro Luiz Haeze, respectivamente, dos valores de R$ 2.000,00, em 24.6.2022, e de R$ 1.700,00, em 26.10.2022, configuram descumprimento da norma do art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19 e importa no recolhimento integral dos valores aos cofres públicos.

O fato, aliás, ganha contornos mais graves quando o partido informa que a doação registrada, no extrato bancário que acompanha o recurso (ID 45593204), com o CPF 909.427.360-87, de Sandro Luiz Haeze, em realidade, representa a doação do presidente do diretório recorrente, Erlei Turra (CPF 547.456.320-53), conforme anotado na contabilidade partidária (ID 45593146, Demonstrativo de Contribuições Recebidas).

Penso que as teses defensivas de falta de conhecimento da proibição e de ausência de má-fe não afastam a irregularidade. A propósito, este Tribunal tem posicionamento consolidado no sentido de que “o desconhecimento da legislação ou a ausência de má-fé no ilícito não afastam a responsabilidade pela prática irregular, considerando o interesse público na fiscalização da origem dos recursos”:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DOAÇÃO EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Recurso interposto contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, referente à campanha de 2024, por recebimento de doações, em espécie, acima do limite legal diário de R$ 1.064,10, em desconformidade com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinação de recolhimento do valor excedente ao Tesouro Nacional.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Verificar se a falha apontada compromete a regularidade das contas, justificando sua desaprovação.

2.2. Avaliar se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade podem ser aplicados para afastar a desaprovação das contas ou minimizar seus efeitos.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A legislação eleitoral estabelece que doações financeiras iguais ou superiores a R$ 1.064,10 devem ser realizadas exclusivamente por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, conforme o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3.2. No caso, incontroverso que os depósitos foram realizados em espécie (na boca do caixa). Tal procedimento desatende o estabelecido no texto legal. As doações realizadas no mesmo dia, acima de R$ 1.064,10, sejam de pessoas físicas ou oriundas de recursos próprios, devem observar o trânsito eletrônico entre as contas bancárias do doador e do recebedor. Realizados os depósitos em espécie, não há comprovação da origem dos recursos.

3.3. O desconhecimento legislativo ou a ausência de má-fé não se prestam a um juízo absolutório, pois o interesse nas reais fontes financiadoras de campanha vai além desta Justiça Especializada, alcançando toda a sociedade.

3.4. O juízo de origem aplicou entendimento mais favorável ao recorrente ao determinar o recolhimento apenas do valor excedente. Este Tribunal posiciona-se no sentido de que a regra seria o recolhimento integral da doação irregular. No entanto, não há que se alterar a sentença no ponto, para que não se incorra em reformatio in pejus.

3.5. Doação irregular. Inviabilidade de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Teses de julgamento: 1. O recebimento de doações em espécie acima do limite legal diário, em desconformidade com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, configura irregularidade que compromete a confiabilidade e a transparência das contas, uma vez que inviabiliza a verificação da origem da contribuição. 2. O desconhecimento da legislação ou a ausência de má-fé no ilícito não afastam a responsabilidade pela prática irregular, considerando o interesse público na fiscalização da origem dos recursos de campanha.

Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 21, § 1º; art. 32.

Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-AREspE n. 0600481-94, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 23.8.2022; TSE, AgR-AREspE n. 0601618-41, Rel. Min. Floriano De Azevedo Marques, DJE 09.8.2024.

(TRE/RS, REl 0600267-95.2024.6.21.0095, Relator Desembargador Volnei Dos Santos Coelho, DJE, 12/02/2025).

Compulsando os autos, verifico que os recursos reputados de origem não identificada foram utilizados no exercício financeiro, conforme extrato bancário disponível nos autos no ID 45593180, e não houve restituição aos doadores originários até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias, contrariando os dispositivos do art. 8º, § 10º, e do art. 14 da Resolução TSE n. 23.604/19.

Por conseguinte, no caso concreto, remanescem as irregularidades.

Logo, as falhas, no valor total de R$ 3.700,00 (R$ 1.700,00 + R$ 2.000,00), representam 68,51% das receitas declaradas (R$ 5.400,00), percentual superior a 10% e com valor acima de R$ 1.064,10, os quais são considerados como critério para a aprovação com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Quanto à suspensão do fundo partidário, em linha com a Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que a sentença considerou adequadamente as penalidades a partir da proporção da irregularidade sobre o montante da arrecadação.

De outro lado, efetivamente, deve incidir a multa de até 20% sobre o valor irregular sujeito a recolhimento (R$ 3.700,00), nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95. No caso dos autos, contudo, releva-se consentânea com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e suficiente para punir as infrações cometidas a fixação da multa em 15% sobre as falhas constatadas, no total de R$ 3.700,00 (TRE/RS, PC-PP n. 0600127-60, Relatora Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, DJE, 28.11.2024; TRE/RS, REl n. 0600026-49, Relator Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, DJE 05.9.2024).

Com essas considerações, a sentença merece reparo unicamente na fixação da pena de multa para adequação da proporção da irregularidade, fixando-a em 15% sobre o total a ser restituído ao erário.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, unicamente, para reduzir a pena de multa, fixando-a em 15% sobre o total das falhas verificadas.