REl - 0600268-69.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/04/2025 00:00 a 15/04/2025 23:59

VOTO

Preliminarmente, o recorrente argui a inépcia da inicial por ausência da transcrição do vídeo e, por esse motivo, requer o não conhecimento desta representação, na forma do art. 17, inc. II, da Resolução TSE n. 23.608/19:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

(...)

II - naquelas relativas à propaganda irregular no rádio e na televisão, com a informação de dia e horário em que foi exibida e com a respectiva transcrição da propaganda ou trecho impugnado; e

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem, no âmbito e nos limites técnicos de cada serviço (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representada ou representado é a sua autora ou o seu autor, sem prejuízo da juntada, aos autos, de arquivo contendo o áudio, a imagem e/ou o vídeo da propaganda impugnada. (Redação dada pela Resolução nº 23.672/2021)

 

Todavia, a exigência é específica para veiculação em rádio e em televisão. Na hipótese dos autos, a publicidade foi realizada por meio de redes sociais na Internet. Sublinho que a integralidade do vídeo inquinado consta no ID 45803406, permitindo o adequado escrutínio judicial e proporciona os meios suficientes de defesa.

Acrescento, por oportuno, que o comportamento reputado como ilícito eleitoral está transcrito na peça inicial: “se houvesse abandono no local de acidente ou outra conduta ilícita eu poderia falar. Me mande os documentos para analisarmos” (ID 45803405, p. 3).

Desta forma, rejeito a preliminar.

Passo à análise do mérito.

Rafael Godoy Porto Martinelli, irresignado, recorreu pedindo o afastamento das penalidades impostas por ofensa à honra ao recorrido Marciano Perondi, ao argumento de que exerceu seu direito de liberdade de expressão dentro dos limites de análise acadêmica sobre fato público e notório de interesse da comunidade local.

O recorrido Marciano entende violada sua honra pelo comentário calunioso proferido pelo recorrente Rafael em seu perfil pessoal na rede social Instagram em resposta a seu seguidor: “se houvesse abandono no local de acidente ou outra conduta ilícita eu poderia falar. Me mande os documentos para analisarmos” (ID 45803405, p. 3).

Reproduzo a imagem da propaganda inquinada (ID 45803405, p. 2):

Por sua vez, como se percebe do contexto, a afirmação tida como caluniosa se refere à pergunta de Telmo Lena - “E a filha de Zeli Furtado… tu vais apresentar o caso?” -, sobre a qual o recorrente Rafael responde: “@telmo_lena se houvesse abandono do local do acidente, ou alguma outra conduta ilícita eu poderia falar. Me mande os documentos para analisarmos.” (Grifei.)

Logo, não há qualquer ofensa ao recorrido Marciano Perondi no trecho analisado, não sendo suficiente para sustentar o decreto condenatório.

De outra senda, ao lado do comentário supra, encontrava-se publicado vídeo na rede social Instagram, nos stories do perfil pessoal do recorrente Rafael, cuja integra transcrevo abaixo (ID 45803406):

Hoje vamos falar sobre um caso polêmico, amplamente divulgado nas redes sociais e nos jornais locais, caso Perondi, cometeu ou não o crime?

Bom, inicialmente vamos analisar a ocorrência registrada pela PRF a qual narra o seguinte:

Relata o comunicante, policial rodoviário federal que foram acionados pela concessionária da via, Ecosul, para atendimento de acidente de trânsito com lesões corporais onde o veículo qualificado havia atropelado um ciclista, qualificado nesse com vítima. Ao chegar no local foi informado pela equipe do guincho da concessionária que a vítima já havia sido levada para o HPS para atendimento médico; que o motorista do veículo acionou o socorro e na chegada desse seguiu sua viagem deixando foto de sua carteira da ordem dos advogados do Brasil com a equipe da Ecosul que repassou aos policiais rodoviários. Realizado contato telefônico com o motorista e explicada a situação o indivíduo disse que estava com viagem marcada indo em direção a Florianópolis e que não retornaria, que se apresentaria posteriormente mesmo sendo informado acerca do estado gravíssimo do ciclista vítima.

Como podemos ver, a ocorrência foi registrada pelos policiais rodoviários federais em razão de que a vítima já havia sido encaminhada ao HPS em razão de seu estado crítico de saúde e o Sr. Perondi já havia deixado o local do acidente.

Diante disso, é importante a gente ressaltar que o código de trânsito brasileiro dispõe no seu art. 305 o crime de fuga do local do acidente, definido como delito o afastamento do condutor do veículo do local do sinistro com o intuito de fugir a sua responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída por isso a conduta praticada pelo Sr. Perondi poderá configurar o crime de abandono do local do acidente tendo em vista que ele foi embora do local após a chegada do socorro, seguindo sua viagem rumo à Santa Catarina com um veículo que também foi envolvido no acidente.

A intensão do legislador foi justamente forçar o motorista a permanecer no local a fim de não impedir, nem dificultar a apuração dos fatos. A presença de todos envolvidos no acidente é necessária para que se possa compreender a dinâmica dos fatos, para que sejam realizadas as identificações dos envolvidos, apuradas possíveis responsabilizações e também as circunstâncias que originaram o sinistro.

Além disso, o abandono no local do acidente impede que o motorista possa ser examinado quanto a sua capacidade psicomotora, a fim de avaliar se ele estava sob influência de alguma substância psicoativa. Portanto, a conclusão que chegamos é que Perondi poderá responder pelo crime previsto no artigo 305 do código brasileiro, em razão de inegavelmente, ter abandonado o local do acidente antes da chegada das autoridades. Além desse ilícito, Perondi também poderá responder pelo crime previsto no artigo 302 do código de trânsito brasileiro, no que se refere à prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Nesse caso, infelizmente, o senhor Jairo, que trafegava sua bicicleta, acabou vindo a óbito dias após a ocorrência desse acidente, sendo que na ocasião já havia sido levado ao HPS em estado gravíssimo de saúde. Por isso, concluímos que Perondi poderá ser processado com o cometimento de 2 crimes, sendo eles o abandono, local do acidente e também o homicídio culposo na direção de veículo automotor.

 

Vislumbro, assim, tão somente uma análise jurídica do caso, com ânimo crítico e narrativo, contemplando a leitura integral da ocorrência policial anexada à petição inicial (ID 45803408).

Quanto às possíveis consequências jurídicas, o recorrente se acautela ao utilizar o verbo “poderá”, conjugação no futuro do presente, indicando mera possibilidade.

Por conseguinte, nenhum juízo de certeza foi emitido sobre a prática delituosa, mas tão somente a possibilidade do recorrido Perondi responder processo judicial em decorrência dos fatos narrados pela autoridade policial contidos em boletim de ocorrência policial sobre o atropelamento sofrido pelo ciclista e sobre a conduta de deixar o local após o acidente e antes da presença dos policiais rodoviários federais.

A simples inexistência de sentença criminal transitada em julgado, ao seu turno, não serve de salvo conduto ao recorrido para excluir, por si só, os fatos ocorridos do debate público, nem o isenta de crítica. Ao contrário, por ser homem público, tem sua conduta social observada com interesse pela comunidade e, dentro dos limites da liberdade de expressão, pode ser noticiada.

Desta forma, a resolução deste feito deve observar a regra de mínima intervenção da Justiça Eleitoral no sentido de que “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão.” (art. 10, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19).

No caso em concreto, não encontro na postagem em rede social expressão ou termo que indique qualquer inferência a imputação de crime, inexistindo mácula à honra do recorrido. Apenas verifico notícia de fato público narrada sob olhar jurídico dentro dos limites da liberdade de expressão e de opinião, motivo pelo qual merece reforma a sentença.

Por fim, entende o recorrente que, por inexistir anonimato, não incidiria a multa do art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97, regulamentado pelo art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

(...)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c , e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput) .

§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º) .

Contudo, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral firmou posicionamento no sentido de que “é cabível aplicar–se a multa prevista no art. 57–D, § 2º, da Lei 9.504/97 na hipótese de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada na internet – como ocorre na divulgação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, e de informações injuriosas, difamantes ou mentirosas” (TSE, Rp 0601556-13, Relator Designado André Ramos Tavares, DJE, 21/03/2024).

Portanto, perde força o argumento recursal de que a hipótese de incidência da multa estaria restrita ao anonimato da publicação.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação e afastar as penalidades impostas.