REl - 0600195-76.2024.6.21.0041 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/04/2025 00:00 a 15/04/2025 23:59

VOTO

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por SERGIO AUGUSTO DA SILVA DOS SANTOS, candidato ao cargo de vereador no Município de Silveira Martins/RS, nas Eleições Municipais de 2024, contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha e determinou o recolhimento ao erário do valor de R$ 1.400,00 (ID 45859674).

É incontroverso que o candidato recebeu dois depósitos sucessivos, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 400,00, ambos em espécie, no dia 24.9.2024, mediante declaração do número de seu próprio CPF.

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.607/19, regulamentadora da matéria, assim dispõe em seu art. 21, inc. I e §§ 1º a 5º:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

 

Portanto, as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, compreendidas aquelas realizadas de modo sucessivo, por um mesmo doador em um mesmo dia, somente poderão ser concretizadas por intermédio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do donatário ou cheque cruzado e nominal, e, havendo infringência a tais preceitos normativos, devem os recursos serem recolhidos ao erário, caso utilizados na campanha.

A exigência legal visa a prevenir a entrada de valores de origem incerta no processo eleitoral, assegurando a transparência e a confiabilidade do financiamento de campanha por meio da rastreabilidade bancária das receitas.

O recorrente alega que a irregularidade decorreu de um equívoco material, fruto de sua inexperiência no manejo das regras de arrecadação eleitoral, sem qualquer intenção de descumprir as normas aplicáveis ou de comprometer a transparência da prestação de contas. Sustenta, ainda, que os valores depositados são de sua própria titularidade e que não houve tentativa de ocultação da origem dos recursos, de modo que eventual sanção deveria considerar sua boa-fé e a ausência de prejuízo ao controle das movimentações financeiras da campanha.

No entanto, o simples fato de o depósito ter sido realizado pelo próprio candidato e acompanhado da identificação de seu CPF não é suficiente para atestar a origem legítima dos recursos, uma vez que a ausência de trânsito bancário inviabiliza um controle financeiro eficaz pelos órgãos fiscalizadores.

Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral tem entendimento consolidado no sentido de que “a realização de depósitos identificados por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário” (AgR-REspEl nº 060035966, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 17/10/2023).

Consigno, quanto ao ponto, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 250, Data 19.12.2018, pp. 92/93) (Grifei.)

Além disso, cabe ao candidato, na qualidade de ordenador e gestor de sua prestação de contas, garantir que todas as movimentações financeiras de sua campanha observem rigorosamente os requisitos normativos.

Ainda que não se identifique má-fé na conduta, não se pode minimizar os efeitos de uma falha que compromete a totalidade dos recursos movimentados.

Inelutável, portanto, a configuração da irregularidade, que afeta a transparência das contas, e a necessidade de recolhimento aos cofres públicos da importância eivada de mácula, porquanto efetivamente empregada pelo candidato em sua campanha.

Quanto ao pedido subsidiário de que seja considerado irregular apenas a quantia excedente aos R$ 1.064,10, a jurisprudência deste Tribunal Regional consolidou o entendimento de que os valores a serem recolhidos devem ser considerados de origem não identificada em sua integralidade, “e não apenas no que ultrapassa o limite legal” (Recurso Eleitoral n. 0600556-35/RS, Relator: Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Acórdão de 26.8.2021).

Também nesse sentido, colho o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DEPÓSITOS SUCESSIVOS EM ESPÉCIE, NO MESMO DIA, NA CONTA DE CAMPANHA, PELO MESMO DOADOR. MONTANTE ACIMA DO LIMITE LEGAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em razão do recebimento de recursos em espécie em montante superior a R$ 1.064,10, através de dois depósitos na conta de campanha, realizados na mesma data, pelo mesmo depositante.

2. Depósitos em espécie na conta de campanha do candidato, realizados por um único doador, na mesma data e em duas diferentes operações, excedendo o patamar de R$ 1.064,10, em afronta ao disposto nos §§ 1º e 2º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não se trata de erro formal, mas de afronta à previsão legal cujo objetivo é assegurar a transparência das origens dos recursos que alimentam as campanhas eleitorais. Falha que caracteriza o recurso, na sua totalidade, como de origem não identificada, conforme se depreende do disposto no art. 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. Provimento negado.

(REl n. 0600603-39.2020.6.21.0031, Relator: Desembargador Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 20.5.2021) (Grifei.)

A irregularidade, no somatório de R$ 1.400,00, compromete a totalidade das receitas da campanha, o que inviabiliza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar as consequências da falha detectada, na esteira da jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. OMISSÃO DE DESPESAS. VÍCIO GRAVE. PERCENTUAL ELEVADO. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REJEIÇÃO DAS CONTAS NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. ENTENDIMENTO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O TRE/PR manteve a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, que concorreu ao cargo de vereador pelo Município de Nova Cantu/PR nas eleições de 2020, ao entendimento de que foi constatada irregularidade grave, capaz de comprometer a lisura e a confiabilidade da prestação das contas, totalizando a quantia de R$ 970,15, correspondente a 40,23% do total de recursos movimentados pelo candidato. 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, nos processos em que se examina prestação de contas, devem ser observados alguns critérios que podem viabilizar a aprovação das contas com ressalvas sob a ótica dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo eles: (a) irregularidade não pode ultrapassar o valor nominal de 1.000 Ufirs (R$ 1.064,00); (b) seu percentual não pode superar 10% do total; e (c) a natureza não pode ser grave. Precedentes. 3. Na espécie, como registrado alhures, a irregularidade é de natureza grave e o seu percentual ultrapassa, em muito, o limite de 10% dos recursos aplicados na campanha, o que impossibilita a aplicação dos referidos princípios ao caso em debate. 4. A decisão regional está em consonância com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema. Dessa forma, incide na espécie o Enunciado Sumular nº 30 do TSE, segundo o qual “não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral”. 5. Negado provimento ao agravo em recurso especial.

(TSE - AREspEl: 06003973720206160169 NOVA CANTU - PR 060039737, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 29/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 175) (Grifei.)

 

Assim, a irregularidade constatada, por sua gravidade e extensão, torna impositiva a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.