REl - 0600521-02.2024.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/04/2025 00:00 a 15/04/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por HILARIO ANTONIO FARIKOSKI, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Severiano de Almeida/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas, referentes às Eleições Municipais de 2024, em decorrência de irregularidade nos depósitos em espécie, realizados em valor superior ao limite regulamentar, e da extrapolação do limite de gastos com recursos próprios.

Passo ao exame.

1. Dos Depósitos em Espécie Acima do Limite Legal

Em relação ao recursos de origem não identificada, a sentença desaprovou as contas de campanha do recorrente e determinou o recolhimento ao erário do valor de R$ 2.758,50, em razão da irregularidade identificada na prestação de contas, qual seja: realização de três depósitos sucessivos em espécie, operados na mesma data, em valor superior ao limite regulamentar, conforme a seguinte tabela inscrita no relatório técnico de exame (ID 45814990):

 

A respeito da arrecadação de recursos para campanha por meio de recebimento de doações, dispõe o art. 21, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV - Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

 

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

 

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

 

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

 

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

 

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

 

§ 7º A realização de procedimento interno da instituição bancária, devidamente comprovado, não representa violação às formas de doação previstas no presente artigo e não importa em sanções diretamente ao prestador de contas. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024) (Grifei.)

 

Conforme se extrai do dispositivo transcrito, doações de valor igual ou superior R$ 1.064,10 devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre contas bancárias, de modo a coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível para a perfeita identificação do doador.

A regulamentação também é aplicável na ocorrência de sucessivas movimentações de recursos em um mesmo dia, situação em que o limite indicado na norma eleitoral deve ser aferido com base no resultado da soma das operações realizadas pelo mesmo doador, como ocorreu no particular.

No caso concreto, constatou-se a realização de 03 (três) depósitos em espécie, respectivamente, nos valores de RS 1.064,09, R$ 1.064,09 e R$ 630,32, totalizando R$ 2.758,50, em desacordo com as exigências legais (in: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210002383492/2024/89133/extratos ).

In casu, a identificação do depositante como o próprio candidato não supre a ausência de rastreabilidade bancária adequada, indispensável para comprovar a origem inequívoca dos recursos.

Está consolidado na jurisprudência o entendimento de que a mera anotação do CPF do suposto doador no depósito em espécie é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO FINANCEIRA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE. NÃO IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR. ART. 21, § 1º, DA RES.-TSE 23.607/2019. PERCENTUAL ELEVADO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESAPROVAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, negou-se seguimento a recurso especial interposto contra aresto unânime em que o TRE/MA manteve a desaprovação das contas de campanha do agravante, referentes às Eleições 2020, haja vista o recebimento de doações acima de R$ 1.064,10, por meio de depósito em dinheiro, em contrariedade ao art. 21, I, § 1º, da Res.-TSE 23.607/2019, totalizando 98,54% dos recursos movimentados.2. Nos termos do art. 21, § 1º, da Res.-TSE 23.607/2019, "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado nominal".3. A realização de depósitos identificados por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes.4. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas está condicionada a três requisitos cumulativos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual ou valor inexpressivo do total irregular; c) ausência de má-fé. Precedentes.5. No caso, o depósito bancário não identificado, além de constituir falha grave, totalizou 98,54% (R$ 1.355,00) dos recursos movimentados na campanha, o que impede a aprovação do ajuste contábil.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060035966, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 17.10.2023.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. DOAÇÕES. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE. ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DECLARAÇÃO UNILATERAL. PROVA INEFICAZ. FUNDAMENTOS SUFICIENTES NÃO ATACADOS. ENUNCIADO SUMULAR Nº 26 DO TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. REJEIÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO DOS RECURSOS AO TESOURO NACIONAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.1. Na origem, o TRE/MS manteve a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante em virtude do recebimento de valores de origem não identificada, mediante depósitos em espécie, e determinou o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.2. Não há ofensa aos arts. 275 do CE e 1.022 do CPC se as questões levantadas nos embargos foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem, embora de forma contrária ao interesse da parte embargante. Precedente.3. No recurso especial, o agravante deixou de impugnar, específica e articuladamente, todos os fundamentos suficientes do acórdão recorrido para considerar não comprovada a origem dos depósitos e não identificados os respectivos doadores - notadamente o de que sua declaração unilateral não é prova suficiente dessas circunstâncias -, o que atrai a incidência do Enunciado Sumular nº 26 desta Corte.4. Mesmo que fosse possível superar esse óbice, o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência do TSE de que a realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar a efetiva origem de doações em espécie, haja vista a ausência do prévio trânsito dos recursos pelo sistema bancário. Precedente.5. Agravo em recurso especial não provido.

(TSE; Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060034745, Acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 30.08.2022.) Grifei.


 

Assim, a realização de depósitos em espécie, na mesma data, em valor superior ao limite regulamentar, impediu o rastreio da origem dos recursos e violou o disposto nos arts. 21, §§ 1º e 2º, e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, que determinam o recolhimento de valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Logo, no ponto, deve ser mantida a sentença, com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.758,50 (dois mil, setecentos e cinquenta e oito reais e cinquenta centavos), na forma prevista no art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Extrapolação do Limite de Gastos com Recursos Próprios

Quanto ao segundo item objeto da irresignação recursal, ou seja, em relação à extrapolação do limite de gastos com recursos próprios, a sentença aplicou multa no valor de R$ 1.159,99, correspondente a 100% da quantia em excesso, com fundamento no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Na hipótese, a sentença considerou que o recorrente teria financiado a sua campanha eleitoral exclusivamente com recursos próprios, no valor total de R$ 2.758,50, excedendo em R$ 1.159,99 o limite prescrito de R$ 1.598,51, na forma do art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições.

Com efeito, os valores tomados como autofinanciamento são os mesmos considerados como receitas de origem não identificada no tópico anterior.

Ora, uma vez reconhecido que o montante representa recursos de origem não identificada, não há como enquadrá-lo, simultaneamente, como oriundo de recursos próprios, pois isso pressupõe a certeza quanto à origem das receitas do patrimônio da candidata, havendo, assim, uma incongruência lógica na caracterização da mesma receita nessas diferentes espécies de irregularidade.

Nesse sentido, colho os seguintes julgados:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. FALECIMENTO DA CONCORRENTE A PREFEITA. TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR AOS HERDEIROS. LIMITES DA HERANÇA. MÉRITO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE AUTOFINANCIAMENTO DE CAMPANHA. AFASTADAS A IRREGULARIDADE E A MULTA IMPOSTA. ALTO PERCENTUAL DA FALHA REMANESCENTE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO E O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidatos aos cargos de prefeito e vice, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, bem como o pagamento de multa.

[…].

3. Recebimento de recurso de origem não identificada. Doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, efetuadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Aportes realizados por meio de dinheiro em espécie, impedindo a fiscalização das contas pela Justiça Eleitoral. Recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Extrapolação do limite de gastos com autofinanciamento de campanha. Matéria disposta no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, computado, no total de recursos próprios excedentes, o valor já reconhecido na primeira irregularidade como de origem desconhecida. Impossibilidade. Falha afastada.

5. A irregularidade remanescente representa 15,47% das receitas declaradas, percentual superior ao utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas.

6. Parcial provimento. Mantida a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; RECURSO ELEITORAL n. 060013888, Acórdão, Des. Federal Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16.06.2023.) Grifei.

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. NÃO DEMONSTRADA A ORIGEM DOS RECURSOS PRÓPRIOS EMPREGADOS NA CAMPANHA. MANTIDA A FALHA. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO, NOPONTO, DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES IMPUGNADOS AO TESOURO NACIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUPRIMENTO NESTA INSTÂNCIA. PRECLUSÃO. NON REFORMATIO IN PEJUS. EXCESSO NO USO DE RECURSOS PRÓPRIOS. EQUÍVOCO NA FORMULAÇÃO DO CÁLCULO DO MONTANTE ULTRAPASSADO.AFASTADA A MULTA IMPOSTA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS PÚBLICAS NO GASTO COM COMBUSTÍVEIS. APRESENTAÇÃO DE NOTA FISCAL DE FORNECEDOR. INSUFICIÊNCIA. REMANESCEM DESATENDIDAS AS DEMAIS CONDIÇÕES PREVISTAS NO ART. 35, § 11, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19.REDUÇÃO DO QUANTUM A SER DEVOLVIDO AOS COFRES PÚBLICOS. DISPÊNDIOS IRREGULARES ATENDIDOS PARCIALMENTE COM VERBAS PARTICULARES. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTOPARCIAL. […]. 3. Entendimento do juízo a quo de configuração do excesso no uso de recursos próprios, em contrariedade ao art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que acarretou a aplicação de multa, nos termos do art. 6º daquele diplomaregulamentador. No entanto, equivocado o cálculo do montante ultrapassado, que abrangeu também os valores já reconhecidos, em tópico anteriormente analisado pela sentença, como de origem não identificada. Impossibilidade. Incongruência lógica na caracterização da mesma receita nessas diferentes espécies de irregularidades. Afastadas a falha apontada e a aplicação da multa prevista no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97. […]. .5. Falhas que representam 68,96% das receitas declaradas, inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de mitigar a gravidade dos defeitos apontados, impondo-se a manutenção do juízo dedesaprovação das contas. Afastada a multa. Reduzido o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. 6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 060005233, Acórdão, Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22.09.2022.) Grifei.

 

Assim, impõe-se o afastamento da irregularidade em tela e, por consequência, da multa aplicada com fundamento no excesso de gastos com recursos próprios, uma vez que a verba já está sendo reputada como de origem não identificada.

 

3. Do Julgamento das Contas

As irregularidades em análise alcançam o somatório de R$ 2.758,50, que representa a integralidade das receitas manejadas pelo candidato, de maneira que está inviabilizada a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a sua repercussão sobre o conjunto das contas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação e a determinação de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, nos termos estipulados pelo art. 32, caput e § 2º, da Resolução supramencionada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por dar parcial provimento ao recurso interposto por HILARIO ANTONIO FARIKOSKI, apenas para afastar a multa de R$ 1.159,99 imposta na sentença, mantendo-se o juízo de desaprovação das contas e a determinação do recolhimento de R$ 2.758,50 ao Tesouro Nacional.