RCAND - 90356 - Sessão: 20/08/2014 às 17:00

RELATÓRIO

A Coligação A Força do Rio Grande (PDT/PSC/PV/PEN/DEM) requereu o registro de candidatura ao cargo de deputado federal para FLAVIO PERCIO ZACHER.

No prazo legal, o representante do Ministério Público Eleitoral – MPE, com assento perante este Tribunal, apresentou impugnação ao pedido, a qual veio fundada, em suma, na arguição de inelegibilidade ínsita no art. 1º, I, ‘j’, da Lei Complementar n. 64/1990, decorrente de decisão judicial desta Corte, em sede de representação por conduta vedada (fls. 21-48).

Em contestação, o pretendido candidato alegou que a mera aplicação de multa pela prática de conduta vedada não atrai a incidência do dispositivo declinado  na impugnação, bem como trouxe aos autos cópia do seu diploma como 3º suplente, o qual não foi cassado, o que entende afastar a aplicação da norma em foco (fls. 52-65).

Apresentadas alegações finais pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 88-91) e pelo impugnado (fls. 93-98).

É o breve relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

Admissibilidade

A impugnação e a contestação são regulares e tempestivas, pois foram apresentadas dentro dos prazos e na forma prevista na LC n. 64/1990 (fls. 22-23 e 151-155).

Mérito

Presentes as condições de elegibilidade, atendidas nos termos da legislação de regência (fls. 81-82), cumpre analisar se recai, sobre o candidato, a inelegibilidade apontada na impugnação ministerial.

Efetivamente, Flávio Pércio Zacher foi condenado pela prática de conduta vedada nos autos da Representação n. 8502-85.2010.6.21.0000, transitada em julgado em 30.10.2013, sendo-lhe imputada, exclusivamente, multa de R$ 10.641,00 (dez mil, quatrocentos e quarenta e um reais). Entretanto, tal cominação não resultou de um juízo de proporcionalidade que atribuísse baixo grau de repulsa jurídica à conduta e que, consequentemente, entendesse pela exorbitância da sanção de cassação do diploma ao caso concreto.

Ao contrário, na citada representação, o relator, Doutor Leonardo Tricot Saldanha, asseverou a gravidade da conduta e consignou nos autos que apenas deixava de determinar a cassação dos diplomas dos representados Flávio Zacher e Fabrício Dutra porquanto estes não se “elegeram”, no sentido estrito da palavra, inexistindo assim, no seu entendimento, diploma a ser cassado.

Considerando que a inelegibilidade com suporte na alínea “j” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar n. 64/1990 só incide em condenação por condutas vedadas quando estas impliquem em cassação do registro ou diploma, o cerne da impugnação reside em estabelecer se a consignação traçada na decisão condenatória da Representação n. 8502-05 é suficiente para atrair a aplicação da norma.

Inicialmente, importa dizer que da condenação por prática de conduta vedada não decorre a inelegibilidade como pena, como se vê do teor do art. 73 da Lei n. 9.504/1997:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis à multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Grifei.)

Foi a denominada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010) que, ao incluir a alínea “j” no inciso I do art. 1º da Lei Complementar n. 64/1990, estabeleceu-a como sanção, nos seguintes termos:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

[...]

j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgada ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição. (Grifei.)

A tutela que este dispositivo pretende alcançar é a de exclusão do certame eleitoral justamente daqueles que, em eventos pretéritos, foram desleais aos princípios que norteiam a participação no jogo democrático das urnas. A norma contempla, portanto, a defesa do próprio regime democrático, que tem sua expressão máxima nas eleições.

Para configurar a hipótese aventada no citado dispositivo, a conduta vedada deve implicar a cassação do registro ou do diploma, sendo, portanto, a prima facie, inaplicável para os casos de menor gravidade, cuja pena se tenha adstrito à imposição de multa.

É neste viés que se desenvolve a defesa, focando na ausência da gravidade da conduta e da cassação do diploma.

Sem razão, contudo.

Ocorre que os autos trazem caso bastante peculiar. Em que pese proceder a alegação do candidato de que foi diplomado como terceiro suplente e manteve seu diploma, tal fato, no caso, não decorre de afastamento da cassação em virtude de juízo de valoração da conduta como pouco ofensiva, como quer fazer crer a tese defensiva. Vejam-se os raciocínios desfiados na contestação:

[…] a pena não foi aplicada em relação ao ora impugnado porque o julgador não entendeu por aplicar, eis que havia sim diploma a ser cassado se fosse a intenção [...] (fl. 55).

[...]

Se entendesse o juiz que havia de ser aplicada a sanção poderia ter cassado seu diploma, mas não o fez. (fl. 54).

[...]

Houve uma condenação por conduta vedada, mas o diploma não foi cassado, e não por não existir, pois ele está acostado aos autos ele está presente no mundo e se fosse o entendimento do julgador o mesmo poderia ter sido cassado e efetivamente não foi. (fl. 57). (Grifei.)

Entretanto, a decisão não cassou o registro ou diploma tendo em vista, unicamente, que o impugnado se classificou como terceiro suplente naquele pleito. Ao revés do afirmado na defesa, o julgador, explicitamente, entendeu pela ocorrência da conduta no seu mais elevado grau de reprovabilidade jurídica, como consta no acórdão:

Dada a dimensão que o evento alcançou no pequeno Município de Canguçu, envolvendo divulgação anterior por carro de som, reunião de cerca de mil pessoas, concluindo com carreata pela cidade e, sobretudo, respaldando a apropriação privada de ação pública em mais de cem oportunidades (130 certificados entregues), parece razoável e proporcional que se aplique a sanção pecuniária acima do valor mínimo.

[...]

Aos candidatos a Deputado Federal e a Deputado Estadual FLÁVIO ZACHER E FABRÍCIO DUTRA caberia a aplicação de cassação do registro ou do diploma. Tal medida, contudo, não é nesse momento aplicável, porque, não tendo sido eleitos, não há diploma a ser cassado. (Grifei.)

A toda evidência, o relator estava considerando o diploma a ser cassado como sendo aquele que efetivamente dá direito ao exercício imediato de mandato, não o que apenas atesta o direito à linha sucessória. Tanto é assim que, ao proceder ao juízo de proporcionalidade, considerou grave a conduta, e consignou claramente tal valoração no acórdão, bem como fez questão de explicitar que restava inibida a pretensão futura do candidato ao exercício do cargo, como se vê na continuidade do decisum:

A presente decisão condenatória sublinha alto grau de reprovação na prática levada a efeito e, por força do § 4º do artigo 73, inibe futura pretensão à diplomação enquanto perdurarem seus efeitos. (Grifei.)

Do teor do acórdão se extrai, diretamente, que a condenação não se limitou à mera aplicação de multa, pois deixou perfeitamente nítida a extensão da condenação à esfera do exercício de mandato eletivo, tendo em vista a gravidade da conduta apreciada naquela representação. Diante das circunstâncias, não pode o impugnado simplesmente se escudar no diploma de suplência para repelir a inelegibilidade, pois há que se ter em vista o objeto do juízo de reprovabilidade jurídica que atrai a sanção, o que restou expresso no julgado em foco.

No caso, reforço: a conduta vedada foi submetida a juízo de proporcionalidade e reconhecida como de alto grau de reprovação, com capacidade para ensejar a cassação de diploma, a qual apenas não se deu por insucesso relativo de Flávio Pércio Zacher naquele certame eleitoral. Ademais, a decisão condenatória transitou em julgado na data de 30.10.2013, perfeitamente se ajustando aos termos da citada alínea “j”.

Nesse sentido, e acrescentando o enfoque da isonomia entre os candidatos, é o entendimento do TSE, esposado em situação análoga, o qual adoto:

Não fora assim, somente seria inelegível aquele candidato cuja prática de captação ilícita de sufrágio importou em sua efetiva eleição. Já aquele candidato, que não se elegeu, apesar da mesma prática de captação ilícita de sufrágio, seria elegível, o que não se mostra razoável diante da interpretação da alínea j, que prevê igualmente a inelegibilidade daqueles que forem condenados por captação ilícita de sufrágio, não se estabelecendo nenhuma distinção entre aqueles que tiveram “sucesso” ou “insucesso” no resultado final da compra de votos. (RO TSE n. 171530, Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, p. sessão em 02.09.2010.)

Ainda sobre o juízo de proporcionalidade da gravidade da conduta, é de ser dito que a tese defensiva ainda buscou afastar a gravidade da conduta com a seguinte alegação (fl. 54): uma vez que entendesse o julgador da representação que havia causa tão grave poderia decretar a inelegibilidade dos dois representados mas também não o fez. (Grifei.)

Porém, parte de falsa premissa, pois, como visto, não há previsão legal de decretação de inelegibilidade em sede de representação por conduta vedada. Desse modo, deixar de cominá-la naquele processo não tem outro significado senão o de observância aos limites da previsão do art. 73 da Lei das Eleições.

Portanto, a situação fática se amolda à hipótese legal delineada no art. 1º, I, ‘j’, da Lei Complementar n. 64/1990, atraindo, para o impugnado, a inelegibilidade pelo prazo de oito anos, a contar da eleição em que praticada a conduta. Tendo em vista que esta ocorreu nas eleições de 2010, inaugurando-se ali o marco da contagem, o período de inelegibilidade está atualmente em fluência, restando o candidato, por conseguinte, inelegível para o pleito de 2014.

Diante do exposto, VOTO por ACOLHER a impugnação apresentada pelo Ministério Público Eleitoral e INDEFERIR o registro de candidatura de FLAVIO PERCIO ZACHER.