RCAND - 99012 - Sessão: 04/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de pedido de registro de candidatura de SÉRGIO LUIS STASINSKI (fls. 02-16), candidato ao cargo de Deputado Estadual pela Coligação União Verde Ecológica Cristã (PSC - PV - PEN), e de impugnação proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 17-52), ao entendimento de que o candidato se enquadra na hipótese prevista no art. 1º, inc. I, letra 'g' da Lei Complementar n. 64/90.

Refere o Ministério Público que, de acordo com o disposto no art. 1º, inc. I, letra 'g', da Lei Complementar n. 64/90, com a nova redação conferida pela Lei Complementar n. 135/2010, são inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição". Complementa dizendo que nos termos da jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral "a competência para o julgamento das contas do prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica tanto às contas relativas ao exercício financeiro, prestadas anualmente pelo Chefe do poder executivo, quanto às contas de gestão ou atinentes à função de ordenador de despesas (Ac. no AGR-REspe n. 3964781 - Nova Olinda/PB, de 04.05.2010).

Noticia que o impugnado teve rejeitadas suas contas apresentadas na condição de administrador do Poder Executivo do Município de Gravataí relativas ao exercício financeiro do ano de 2007. Suas contas como gestor foram analisadas primeiramente pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do sul, nos autos do processo n. 4462-0200/07-5, o qual emitiu parecer desfavorável à aprovação. Posteriormente, ao serem julgadas pela Câmara de Vereadores de Gravataí foram desaprovadas por meio do Decreto Legislativo n. 04/2014, o qual ratificou integralmente o parecer exarado pela Corte de Contas.

Entre as irregularidades apontadas estão: a) a prática de superfaturamento na contratação de fornecimento de combustíveis; b) a liquidação e o pagamento em duplicidade, a maior, ou por serviços não realizados à administração pública (reforma do prédio de Pronto Atendimento Municipal 24 horas - PAM 24h); e c) o desequilíbrio das contas do município, com o descumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Conforme o parecer exarado pela Segunda Câmara do TCE/RS no Processo n. 4462-0200/07-5, a prática de superfaturamento na contratação de fornecimento de combustíveis gerou um prejuízo ao erário no valor de R$ 60.679,30, uma vez comprovado o valor excessivo pago com recursos municipais na aquisição de combustíveis. A mesma peça refere que houve liquidação e pagamentos em duplicidade, a maior, ou por serviços não realizados na reforma do prédio de pronto atendimento municipal 24 horas, gerando um prejuízo ao erário no valor de R$ 90.442,12. Também restou consignado que não houve atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal em face de desequilíbrio das contas públicas, porquanto verificada uma inconsistência financeira de R$ 66.738.584,49, fato considerado suficientemente grave para fins de emissão de parecer desfavorável às contas do então gestor de recursos públicos.

Conclui o Ministério Público que as falhas apontadas, analisadas sob a ótica do art. 1º, inc. I, letra 'g' da Lei Complementar n. 64/90, constituem irregularidade insanável, configurando hipótese de restrição à capacidade eleitoral passiva do impugnado. Ao final, requer seja julgada procedente a impugnação e consequentemente seja indeferido o pedido de registro de candidatura de SÉRGIO LUIS STASINSKI.

O impugnado apresentou contestação. Preliminarmente, traz aos autos a cópia de decisão judicial proferida em 17 de julho, nos autos de Mandado de Segurança do processo 015/114.0008788-2, que tramita na 3ª Vara Cível de Gravataí/RS, a qual deferiu pedido liminar determinando a suspensão dos efeitos do Decreto Legislativo que rejeitou as contas do exercício de 2007 do então prefeito de Gravataí, SÉRGIO LUIS STASINSKI. Por esse motivo, entende faltar objeto à presente ação. No mérito, argumenta que a chamada Lei da Ficha Limpa deve ser interpretada de forma restritiva quanto a sua tipicidade e que, não obstante a análise de ser ou não o ato inquinado insanável, não restou configurada improbidade administrativa. Tampouco seria o ato doloso, exigência para a configuração da impugnação com base no art. 1º, inc. I, letra 'g' da Lei Complementar n. 64/90.

Ainda, explicita que seu registro de candidatura foi feito no dia 05 de julho do corrente ano, enquanto que o seu julgamento pelo Poder Legislativo de Gravataí, o qual referendou o parecer do TCE/RS, ocorreu no dia 08 de julho. Ou seja, entende que no momento do registro da sua candidatura não possuía qualquer condenação, estando apto a realizar o registro.

Requereu em preliminar a carência da ação, com fundamento no art. 267, inc. VI, do Código de Processo Penal, e, no mérito, a total improcedência da impugnação.

Aberto prazo para alegações finais (fl. 50), o Ministério Público (fls. 54-55) e o impugnado (fls. 157-163) manifestaram-se. O candidato reiterou os termos da contestação. Em seu parecer, a Procuradoria destacou que "embora o impugnado tenha incidido em causa de restrição a sua capacidade eleitoral passiva, obteve, em momento ulterior ao oferecimento da ação de impugnação ao registro de sua candidatura, provimento judicial que suspendeu os efeitos da decisão legislativa que julgou desaprovadas suas contas. . . . a existência de decisão judicial, provisória ou definitiva, afasta a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, alínea 'g', da lei Complementar n. 64/90, por força de ressalva expressa contida no preceito legal, mesmo quando a decisão for proferida após o oferecimento da ação de impugnação". O Ministério Público, no mesmo prazo, manifestou-se acerca das demais condições de elegibilidade, atestando que o candidato preenche os requisitos para o deferimento de seu registro.

É o relatório.

 

 


 

 

VOTO

Tempestividade

Verifico serem tempestivas a impugnação e a respectiva contestação.

No tocante à impugnação, o art. 3º da Lei Complementar n. 64/90 estabelece o prazo de 5 dias, contados da publicação do pedido de registro, para a sua apresentação. No caso, a mencionada publicação se deu em 10.07.2014 (fl. 16), e o impugnante apresentou a impugnação em 14.10.2014 (fls.17/52), sendo a mesma tempestiva.

Quanto à contestação, o art. 4º da Lei Complementar n. 64/90, regulamentado pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.405/2014, prevê o prazo de sete dias para que o candidato conteste a impugnação. No presente caso, o candidato e a coligação foram notificados no dia 16 de julho do corrente (fl. 53), tendo sido apresentada a contestação em 21.07.2014 (fls. 55), dentro, portanto, do prazo previsto em lei.

Mérito

As questões fáticas atinentes à incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, letra 'g', da Lei Complementar n. 64/90, já foram delimitadas anteriormente.

A propósito, dispõe o referido artigo:

Art. 1º. São inelegíveis:

[...]

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

[...]

Segundo o dispositivo transcrito, com a redação dada pela Lei Complementar nº 35/10, para um cidadão ser considerado inelegível, exige-se o preenchimento de 3 condições: 1. ter suas contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; 2. inexistência de decisão que suspenda ou anule os efeitos da rejeição; 3. a irregularidade apurada deve ser insanável e configurar ato doloso de improbidade administrativa.

Em relação à primeira condição, qual seja, ter suas contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente, impende destacar que é necessário que a decisão mencionada tenha o caráter de irrecorrível, ou seja, tenha efetivamente transitado em julgado. E, a partir da data da decisão de rejeição de contas, devidamente transitada em julgado (ou seja, irrecorrível), é que inicia o prazo da inelegibilidade da alínea 'g' (ZÍLIO, Rodrigo López. Direito eleitoral, 2. ed., 2010, pág. 201).

Acerca da segunda condição, a Corte Superior Eleitoral assentou que a existência de recurso de revisão não desfaz a natureza de irrecorrível do julgado administrativo impugnado. Somente ao Poder Judiciário – e não ao Tribunal de Contas – é dado suspender os efeitos da cláusula de inelegibilidade – em sede liminar, em caráter provisório ou de forma definitiva, se houver pronunciamento de anulação.

Quanto à terceira condição, qual seja, a de que a irregularidade apurada deve ser insanável e configurar ato doloso de improbidade administrativa, de longa data, têm-se entendido que a irregularidade insanável é aquela que apresenta nota de improbidade, a qual será aferida caso a caso, quando da análise da situação concreta no julgamento da impugnação ao pedido de registro de candidatura. Trago alguma doutrina acerca da sanabilidade. Pedro Roberto Decomain, na obra Elegibilidade e Inelegibilidade (p. 190), ensina que:

À vista dessa impugnação [do pedido de registro de candidatura] é que o órgão da Justiça Eleitoral, competente para decidir sobre o registro de candidatura, decidirá se a irregularidade que levou à rejeição das contas do pretenso candidato foi ou não insanável, proclamando ou não sua inelegibilidade. Se entender que o vício a macular as contas foi insanável, julgará procedente a impugnação, e indeferirá o pedido de registro desse pretendente candidato. Caso contrário, se entender o vício nas contas, a despeito de haver conduzido à sua rejeição, não se reveste desse caráter de insanabilidade (observado também o que já se disse acerca dos vícios formais nas contas), deferirá o registro da candidatura e deixará de reconhecer a inelegibilidade.

Nessa análise, o órgão julgador eleitoral encontra limite na conclusão da Corte de Contas. A apreciação da matéria, portanto, cinge-se ao reconhecimento, ou não, da irregularidade das contas, não cabendo à Justiça Eleitoral imiscuir-se no mérito da decisão daquele Tribunal. Entretanto, como destaca Rodrigo López Zílio, à Justiça Eleitoral é concedida certa “discricionariedade” para decidir se a rejeição possui a nota de improbidade. Tal decisão levará em conta os parâmetros de prejuízo ao erário, o enriquecimento ilícito e a violação dos princípios da Administração Pública.

A respeito do conceito de irregularidade insanável para fins eleitorais, o egrégio TSE tem posição firme no sentido de compreendê-la como sendo “aquela que indica ato de improbidade administrativa ou qualquer forma de desvio de valores” (TSE, RESP 21896. Rel. Min. Peçanha Martins. Publicação: 26.8.2004).

No entanto, acredito que questão prévia estaria a obstar a própria existência da causa de inelegibilidade prevista na alínea "g".

Isso porque as inelegibilidades, assim como as condições de elegibilidade, devem ser aferidas na data do pedido de registro de candidatura, ainda que o fato ou a condenação sejam anteriores à vigência da lei, não se podendo cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas.

No presente caso, examinando os autos, extrai-se que o pedido de registro de candidatura foi feito no dia 05.07.14. Naquela data, no entanto, não havia ainda ocorrido o julgamento pelo Câmara de Vereadores de Gravataí, o qual ratificou integralmente o parecer exarado pela Corte de Contas (TCE/RS). Tal julgamento, que originou o Decreto Legislativo n. 04/2014, é do dia 08.07.14, sendo posterior ao pedido de registro de candidatura.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não deixa dúvidas a respeito do assunto, ou seja, a rejeição das contas pelo órgão do Poder Legislativo deve ser anterior ao pedido de registro. Nesse sentido colaciono as seguintes decisões:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. CONTAS REJEITADAS APÓS O PEDIDO DE REGISTRO. FATO SUPERVENIENTE. AGRAVO REGIMENTAL

DESPROVIDO.

1. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferidas no momento do pedido de registro.

2. Nos termos do art. 11, § 10, da Lei n° 9.504197, as circunstâncias posteriores ao pedido de registro somente devem ser consideradas caso versem acerca de alteração superveniente que afaste a incidência de causa de inelegibilidade, o que, todavia, não impede o eventual ajuizamento de recurso contra a expedição de diploma.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE. Agravo regimental no Recurso especial Eleitoral n. 12-17.2012.6.14.0027. Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJE de 23.10.2012.) (Grifo nosso.)

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE POR REJEIÇÃO DE CONTAS (ARTIGO 1°, INC.1, ALÍNEA g, DA LC N° 64190). CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA.DECRETOLEGISLATIVO. INEXISTÊNCIA.REEXAME.FATO SUPERVENIENTE. AFASTAMENTO. INELEGIBILIDADE.INOCORRÉNCIA.AG.REG DESPROVIDO.

1. A causa de inelegibilidade prevista no artigo 10, inciso 1, alínea g, da Lei Complementar n° 64190 não incide na hipótese dos autos, porque necessita de três requisitos indispensáveis para sua configuração: rejeição de contas públicas com irregularidade insanável resultante de ato doloso de improbidade administrativa; decisão irrecorrível proferida pelo órgão competente; e ausência de suspensão do referido decisum pelo Poder Judiciário.

2. No caso dos autos, há dois procedimentos judiciais em trâmite no Tribunal de Contas dos Municípios em desfavor do primeiro Agravado relativos à prestação de contas do exercício de 2000, ocasião em que foi prefeito: o primeiro apenas foi rejeitado pela Câmara Municipal após o pedido de registro; e o segundo nem sequer foi examinado pelo Poder Legislativo municipal.

3. Para infirmar a assertiva do acórdão regional de que o decreto legislativo foi editado apenas após o pedido de registro, seria imprescindível o reexame de fatos e provas, o que é inviável nesta instância.

4. A configuração da inelegibilidade do artigo 1, I, g, da LC n° 64/90 pressupõe que a decisão de rejeição de contas seja efetivamente publicada, de modo a transmitir ao interessado a ciência inequívoca de seu inteiro teor e permitir-lhe a adoção das medidas cabíveis, sejam elas administrativas ou judiciais, para reverter ou suspender seus efeitos. Precedentes.

5. O julgamento do pedido de registro de candidatura deve ser realizado de acordo com a situação fática e jurídica do candidato no momento de sua formalização, aplicando-se o artigo 11, § 10, da LC n° 64/90 apenas quando fatos supervenientes vierem a afastar a incidência da causa de inelegibilidade. Precedentes.

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE. Agravo regimental no Recurso especial Eleitoral n. 74-68.2012.6.06.0063. Relatora Min. LAURITA VAZ, DJE de 19.12.2012.) (Grifo nosso.)

Assim, entendo que a impugnação de registro de candidatura deve ser julgada improcedente, uma vez que no momento de sua formalização não existia a situação fático-jurídica que desaprovou as contas do candidato por meio de Decreto Legislativo.

E mesmo que assim não fosse, o impugnado também trouxe aos autos cópia de decisão judicial proferida em 17 de julho, nos autos de Mandado de Segurança do processo 015/114.0008788-2, que tramita na 3º Vara Cível de Gravataí/RS, a qual deferiu pedido liminar determinando a suspensão dos efeitos do Decreto Legislativo que rejeitou as contas relativas ao exercício de 2007 do então prefeito de Gravataí, SÉRGIO LUIS STASINSKI. Tal situação também impede seja julgada procedente a presente impugnação.

Quanto aos demais pressupostos legais, os documentos acostados pelo requerente demonstram que foram preenchidos todos os requisitos de elegibilidade, uma vez que foram apresentadas todas as certidões e comprovantes necessários, a saber: a escolha em convenção, a declaração de bens, o comprovante de escolaridade, a idade mínima, a nacionalidade, a situação regular no Cadastro de Eleitores, o domicílio eleitoral, a quitação eleitoral, a prova de inexistência de crime eleitoral, a filiação partidária até 05 de outubro de 2013, além das certidões judiciais (fls. 02-16 e fl. 147). O Ministério Público também se manifestou pelo deferimento.

Por todo o exposto, VOTO pela improcedência da impugnação e pelo deferimento do registro do candidato SÉRGIO LUIS STASINSKI.

É como voto.