REl - 0600302-94.2024.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/04/2025 00:00 a 11/04/2025 23:59

VOTO

 

Inicialmente, devido ao silêncio dos recorridos e à manifestação dos recorrentes e da Procuradoria Regional Eleitoral pela ausência de prejuízo quanto ao fato de a representação ter sido processada pelo rito do art. 96, da Lei n. 9.504/97, em contrariedade ao disposto no art. 44 da Resolução TSE n. 23.608/19, o qual determina a observância do procedimento mais amplo previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, entendo ausente nulidade a ser declarada no feito.

No mérito, nas razões recursais os recorrentes postulam a condenação dos recorridos com fundamento no art. 77 da Lei n. 9.504/97:

Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

No recurso, alegam que houve prática da conduta vedada, uma vez que a inauguração do novo prédio do Foro da Comarca de São Sepé, ocorrida em período vedado, no dia 12 de setembro de 2024, foi transmitida ao vivo, alcançando grande visibilidade, e contou com a participação ativa dos recorridos em posição de destaque. Sustentam que o desequilíbrio eleitoral decorre do simples comparecimento ao evento, sendo irrelevante a ausência de conotação eleitoreira, pois a lei proíbe qualquer candidato de participar de inaugurações nesse período.

Por sua vez, os recorridos argumentam que compareceram ao evento em suas funções institucionais. Luiz Otávio Picada Gazen é advogado e teria comparecido ao evento na condição de espectador e membro da classe advocatícia, sem qualquer vínculo eleitoral direto com a inauguração. Marcelo Silveira Neves de Oliveira era o então Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de São Sepé/RS e teria participado do evento em caráter protocolar, representando o Poder Legislativo Municipal. Narram que não ostentara, símbolos partidários, nem distribuíram material de campanha ou realizaram qualquer ato com intuito eleitoral.

A sentença considerou a representação improcedente com fundamento nas seguintes razões:

(…)

Não há controvérsia de que ocorreu a inauguração do novo prédio do Foro da Comarca de São Sepé/RS, em 12 de setembro de 2024. Incontroverso, do mesmo modo, que os representados estiverem presentes na ocasião. Luiz Otavio compareceu na solenidade, na condição de advogado, como mero espectador, enquanto Marcelo Neves compareceu no ato na condição de Presidente do Poder Legislativo Municipal.

Ressalta-se que a legislação eleitoral deve ser compatibilizada com os princípios eleitorais e demais direitos fundamentais e, por tal razão, que no presente caso não houve violação à regularidade do pleito e a incidência das consequências previstas no parágrafo único do dispositivo legal supramencionado.

E a razão é que não se pode comparar a solenidade da entrega do novo prédio do Foro da Comarca de São Sepé/RS com uma inauguração de obra pública, porquanto a obra em questão (prédio do Foro) foi construída e financiada com recursos exclusivos do Poder Judiciário Estadual.

Como bem enfatizou o Representante do Ministério Público Eleitoral, a data da inauguração não foi determinada por nenhum agente municipal ou candidato, mas sim pela Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em dia que melhor se coadunava à agenda abarrotada de compromissos do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça, em que pese os serviços prestados pelo Poder Judiciário de São Sepé já estivessem sido prestados naquele local desde junho de 2024. E, para tanto, foram expedido convites às Autoridades Locais, nos termos dos protocolos.

Analisando os elementos probatórios carreados, mormente as fotografias e vídeos acostados, não há qualquer evidência, ainda que mínima, de que os representados tenham se aproveitado do evento para favorecer a sua candidatura em detrimento dos demais concorrentes.

Ainda, é perfeitamente possível se verificar pelas imagens e vídeos acostados que os representados não compareceram na solenidade do Poder Judiciário Estadual local como candidatos, como pretende fazer crer os autores, porquanto não estavam trajando símbolos partidários, não fizeram distribuição de qualquer material da campanha, não fizeram uso da palavra, não interpelaram qualquer pessoa presente com finalidade eleitoreira, tampouco concederam entrevista para a mídia local. Houve sim o comparecimento isolado e discreto, em local onde basicamente se encontravam autoridades.

Veja-se que, ao contrário do relatado pelos representantes de que a solenidade de inauguração do novo Foro da Comarca de São Sepé teve grande visibilidade e destaque na imprensa, acarretando no desequilíbrio do pleito pela participação dos candidatos no evento, após breve consulta via google acerca da inauguração ocorrida, a exceção da página do facebook do "Jornal do Garcia", foi possível perceber que todas as divulgações do evento inaugural do prédio do Foro de São Sepé não mencionam a presença dos representandos no evento. Trago como exemplos: https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/inaugurado-novo-predio-do-foro-da-comarca-de-sao-sepe/; e https://diariosm.com.br/noticias/policia-seguranca/tribunal_de_justica_novo_predio_da_comarca_de_sao_sepe_sera_inaugurado_nesta_quinta_feira.612948.

De mais a mais, a atual jurisprudência eleitoral firmou-se no sentido de que o simples comparecimento de candidato em inauguração de obra pública, desprovida de finalidade eleitoreira, não é suficiente para atrair a incidência da sanção prevista no artigo 77 da Lei nº 9.504/97, devendo ser imposta a sanção de cassação apenas em casos mais graves, cabendo a aplicação do princípio da proporcionalidade, exigindo-se a prova da potencialidade lesiva para configuração do ilícito. Comprovado o comparecimento dos representados ao ato solene e não comprovada a posição ostensiva de campanha no evento, não caracteriza como conduta vedada, devendo a norma limitadora do direito ser interpretada de forma restritiva, conforme dispõe o Tribunal Superior Eleitoral.

 

Segundo José Jairo Gomes, "a ratio do artigo 77 é impedir o uso da máquina estatal em favor de candidatura, sendo prestigiadas a impessoalidade e a moralidade na Administração Pública. Quer-se impedir que obras patrocinadas com recursos públicos sejam desvirtuadas em prol de candidatos" (Gomes, José Jairo - Direito Eleitoral - 14ª ed. rev., atual e ampl; - São Paulo: Atlas, 2018, pag. 875).

Cabe salientar ainda que, apesar das insinuações ofensivas dos autores de que esta Juíza Eleitoral e o nobre Representante do Ministério Público Eleitoral estejam sendo "omissos", "parciais" ou adotando postura "escancarado favorecimento ilegal", posso atestar que não passam de falácias, pois se tratam de dois profissionais dedicados, empenhados em garantir a lisura do pleito eleitoral, tratando todos os candidatos e eleitores com a mais absoluta imparcialidade e respeito.

A irresignação trazida na inicial de que os representados já tinham ampla visibilidade na comunidade por ocuparem cargo eletivo anterior e de que a disputa esteja desparelha, pois os representantes seriam candidatos para o mesmo cargo de verador, em partido pequeno não caracteriza nenhum ilícito, sendo fruto do próprio processo democrático eleitoral e da existência de inúmeros partidos políticos que disputam o pleito.

 

Por todo o exposto, verifico que não houve adjudicação dos méritos oriundos da inauguração do novo prédio do Foro da Comarca de São Sepé pelos representados ou seus partidos políticos. Impedir a mera presença física de alguém - ainda que candidato - pode ser encarada como violação à liberdade pessoal.

Zílio reforça: "a diretriz interpretativa do julgador é a prevalência do impacto da presença física do candidato na formação da convicção do voto do eleitor" (Zilio, Rodrigo López - Direito Eleitoral - 7ª ed. rev. ampl. e atual - Salvador: Editora Juspodium, 2020, pag. 761).

Cabe relembrar que os representandos não se utilizaram deste fato como ato de campanha e não há sequer uma prova de que o eleitorado passivo de São Sepé tenha ficado impactado porque na cidade inaugurou-se o novo Foro da Comarca, cujos louvores teriam sido creditados à Administração Municipal e aos candidatos Luiz Otavio e/ou Marcelo Neves.

Dessa forma, entendo que não houve afronta ao disposto no art. 77 da Lei de Eleições no caso em julgamento.

(...)

 

Analisando as razões recursais, é imprescindível abordar os fundamentos apresentados pelos recorrentes à luz dos fatos e da jurisprudência consolidada.

A questão central reside na interpretação e aplicação do artigo 77 da Lei n. 9.504/97, que veda o comparecimento de candidatos a inaugurações de obras públicas nos três meses que antecedem o pleito, estabelecendo como sanção possível a cassação do registro ou diploma.

O dispositivo legal tem como finalidade assegurar a igualdade de condições entre os concorrentes, evitando que o uso de eventos públicos em período eleitoral favoreça determinadas candidaturas.

Embora assista razão aos recorrentes ao afirmar que candidatos não abandonam sua condição em períodos eleitorais, estando passíveis de cassação em caso de participação em atividades oficiais, a aplicação da norma exige análise rigorosa da gravidade e potencialidade lesiva da conduta.

Com esse entendimento, colho na jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO FEDERAL. SUPLENTE. RECURSOS ORDINÁRIOS. CONDUTA VEDADA. INAUGURAÇÃO. OBRA PÚBLICA. COMPARECIMENTO. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO. DESEQUILÍBRIO NA DISPUTA ELEITORAL. AUSÊNCIA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DO CANDIDATO NÃO CONHECIDO. RECURSO DO MPE DESPROVIDO. 1. Julgado improcedente o pedido formulado na representação, é inconteste a falta de interesse recursal do então candidato já que ausente o ressuposto da sucumbência. 2. A entrega das chaves dos vestiários de um campo de futebol, em período vedado, cuja obra foi custeada pelo poder público, é considerada uma inauguração de obra pública, uma vez que a referida entrega pressupõe a abertura de suas instalações para o uso do público geral. 3. Na espécie, não obstante a conduta perpetrada pelo então candidato se amolde ao tipo descrito no art. 77 da Lei nº 9.504/97, não há falar em cassação do seu diploma, porquanto a ilicitude em questão não se revestiu de gravidade suficiente para causar a desigualdade de chances entre os candidatos e afetar a legitimidade do pleito, já que estamos a falar de único evento, com diminuto público, em eleições para o cargo de deputado federal. 4. O Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que a sanção de cassação pela prática das condutas vedadas somente deve ser aplicada em casos mais graves, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. O reconhecimento desses ilícitos poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alínea d e j, da LC nº 64/90), o que pode representar sua exclusão das disputas eleitorais, fazendo com que a Justiça Eleitoral substitua a vontade do eleitor, de modo a merecer maior atenção e reflexão por todos os órgãos desta justiça especializada. 5. Recurso ordinário de Rogério Pinheiro não conhecido e recurso ordinário do MPE desprovido.

(TSE - RO: 00019840320146080000 VITÓRIA - ES, Relator: Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Data de Julgamento: 09/08/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 12/09/2016, Página 33) - Grifei

 

Representação. Conduta vedada. Inauguração de obra pública. 1. Este Tribunal Superior já firmou entendimento no sentido de que, quanto às condutas vedadas do art. 73 da Lei nº 9.504/97, a sanção de cassação somente deve ser imposta em casos mais graves, cabendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade da sanção em relação à conduta. 2. Com base nos princípios da simetria e da razoabilidade, também deve ser levado em consideração o princípio da proporcionalidade na imposição da sanção pela prática da infração ao art. 77 da Lei das Eleicoes. 3. Afigura-se desproporcional a imposição de sanção de cassação a candidato à reeleição ao cargo de deputado estadual que comparece em uma única inauguração, em determinado município, na qual não houve a presença de quantidade significativa de eleitores e onde a participação do candidato também não foi expressiva. Agravo regimental não provido.

(TSE - AgR-RO: 890235 GO, Relator: Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Data de Julgamento: 01/01/1970, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 160, Data 21/08/2012, Página 38) - Grifei

 

Conforme consta da sentença recorrida, no caso dos autos restou incontroverso o comparecimento dos recorridos à cerimônia de inauguração de obra pública relativa ao novo Foro da Comarca de São Sepé, em 12.9.2024.

No entanto, da análise do caderno probatório acompanho o entendimento da magistrada de que os elementos probatórios demonstram que tal participação se deu de forma protocolar, sem conotação eleitoreira.

Não há registro de discursos, pedido de votos ou distribuição de material eleitoral. Também não se evidenciou que a presença dos recorridos foi explorada para fins de promoção eleitoral. Pelo contrário, as imagens apresentadas como prova indicam que os recorridos se limitaram a integrar o evento em suas funções institucionais.

Embora os recorrentes argumentem que a visibilidade do evento e a menção aos recorridos no protocolo configuram desequilíbrio, tal alegação não se sustenta diante da ausência de comprovação de qualquer ato que tenha efetivamente comprometido a isonomia entre os candidatos.

A transmissão ao vivo e a ampla divulgação, por si só, não configuram irregularidade quando a participação dos candidatos ocorre sem protagonismo ou exploração eleitoral. Essa interpretação é corroborada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral já transcrita, que admite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para afastar a sanção de cassação em situações análogas, especialmente quando a conduta não possui gravidade suficiente para impactar a legitimidade do pleito.

Considero que a tese de que o simples comparecimento viola automaticamente o dispositivo legal ignora a necessidade de contextualizar a conduta e avaliar seu impacto no processo eleitoral.

Isso porque a vedação do art. 77 não tem caráter absoluto, devendo ser analisada à luz do contexto fático, do potencial desequilíbrio gerado, e do princípio da proporcionalidade em seu sentido estrito, afeto aos binômios da necessidade e adequação da sanção.

Essa diretriz visa evitar que sanções desproporcionais sejam aplicadas em casos de baixa relevância eleitoral, protegendo o processo democrático de intervenções excessivas por parte da Justiça Eleitoral.

De outro lado, os recorrentes também sustentam que a sentença minimizou a relevância do evento e sua repercussão no contexto local. Contudo, verifica-se que a decisão analisou detidamente os fatos, destacando que a inauguração do Foro de São Sepé, ainda que relevante para a comunidade, não teve impacto eleitoral suficiente para configurar infração à norma. A sentença, respaldada por parecer do Ministério Público Eleitoral, observou que os recorridos não se valeram do evento para benefício eleitoral, reforçando a ausência de gravidade na conduta.

Com esse raciocínio, considerando a inexistência de conduta vedada com gravidade suficiente para comprometer a igualdade de chances no pleito e a conformidade da sentença com a jurisprudência e os princípios aplicáveis, concluo que o recurso não comporta provimento.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.