REl - 0600653-59.2024.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/04/2025 00:00 a 11/04/2025 23:59

VOTO

1. Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

2. Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto por JAIR KAMMLER, candidato eleito ao cargo de prefeito no Município de Severiano de Almeida/RS, nas Eleições Municipais de 2024, contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha e determinou o recolhimento ao erário do valor de R$ 12.000,00, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, bem como a devolução ao MDB de Severiano de Almeida/RS do valor de R$ 313,53, referentes a sobras financeiras não justificadas.

Passo ao exame das irregularidades reconhecidas na decisão recorrida.

2.1. Dos Depósitos em Espécie Acima do Limite Legal

Conforme apontado na sentença, “os prestadores, contrariando a disposição legal, receberam, no mesmo dia, em sua conta ‘Doações para Campanha’, nove depósitos feitos pelo candidato a prefeito JAIR KAMMLER, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) cada, sendo dois no dia 15.10.2024 e sete no dia 21.10.2024, e três depósitos realizados pelo candidato a vice-prefeito LEONEL DARIO LANIUS JUNIOR, no dia 21/10/2024” (ID45823134).

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.607/19, regulamentadora da matéria, assim dispõe em seu art. 21, inc. I e §§ 1º a 5º:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

 

Portanto, as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente poderão ser concretizadas por intermédio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do donatário, ou cheque cruzado e nominal, e, havendo infringência a tais preceitos normativos, devem os recursos ser recolhidos ao erário, acaso utilizados na campanha.

A exigência legal visa prevenir a entrada de valores de origem incerta no processo eleitoral, assegurando a transparência e a confiabilidade do financiamento de campanha por meio da rastreabilidade bancária das receitas.

A regulamentação também é aplicável na ocorrência de sucessivas movimentações de recursos em um mesmo dia, situação em que o limite indicado na norma eleitoral deve ser aferido com base no resultado da soma das operações realizadas pelo mesmo doador, como ocorreu no particular.

Nesses termos, a irregularidade decorre da inobservância do § 1º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, que incide de forma objetiva a todos os concorrentes ao pleito, “sendo irrelevante a boa–fé do prestador como elemento hábil a afastar a incidência da regra” (TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 060014804/RS, Relator: Des. Eleitoral José Luiz John dos Santos, Acórdão de 14.9.2023, Diário de Justiça Eletrônico 171, data 18.92023).

Além disso, está consolidado na jurisprudência o entendimento de que a mera anotação do CPF do suposto doador no depósito em espécie é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário.

Nessa linha, colho os seguintes julgados da Corte Superior:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO FINANCEIRA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE. NÃO IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR. ART. 21, § 1º, DA RES.-TSE 23.607/2019. PERCENTUAL ELEVADO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESAPROVAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, negou-se seguimento a recurso especial interposto contra aresto unânime em que o TRE/MA manteve a desaprovação das contas de campanha do agravante, referentes às Eleições 2020, haja vista o recebimento de doações acima de R$ 1.064,10, por meio de depósito em dinheiro, em contrariedade ao art. 21, I, § 1º, da Res.-TSE 23.607/2019, totalizando 98,54% dos recursos movimentados.2. Nos termos do art. 21, § 1º, da Res.-TSE 23.607/2019, "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado nominal".3. A realização de depósitos identificados por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes.4. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas está condicionada a três requisitos cumulativos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual ou valor inexpressivo do total irregular; c) ausência de má-fé. Precedentes.5. No caso, o depósito bancário não identificado, além de constituir falha grave, totalizou 98,54% (R$ 1.355,00) dos recursos movimentados na campanha, o que impede a aprovação do ajuste contábil.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060035966, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 17.10.2023.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. DOAÇÕES. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE. ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DECLARAÇÃO UNILATERAL. PROVA INEFICAZ. FUNDAMENTOS SUFICIENTES NÃO ATACADOS. ENUNCIADO SUMULAR Nº 26 DO TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. REJEIÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO DOS RECURSOS AO TESOURO NACIONAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.1. Na origem, o TRE/MS manteve a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante em virtude do recebimento de valores de origem não identificada, mediante depósitos em espécie, e determinou o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.2. Não há ofensa aos arts. 275 do CE e 1.022 do CPC se as questões levantadas nos embargos foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem, embora de forma contrária ao interesse da parte embargante. Precedente.3. No recurso especial, o agravante deixou de impugnar, específica e articuladamente, todos os fundamentos suficientes do acórdão recorrido para considerar não comprovada a origem dos depósitos e não identificados os respectivos doadores - notadamente o de que sua declaração unilateral não é prova suficiente dessas circunstâncias -, o que atrai a incidência do Enunciado Sumular nº 26 desta Corte.4. Mesmo que fosse possível superar esse óbice, o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência do TSE de que a realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar a efetiva origem de doações em espécie, haja vista a ausência do prévio trânsito dos recursos pelo sistema bancário. Precedente.5. Agravo em recurso especial não provido.

(TSE; Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060034745, Acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 30.08.2022.) Grifei.

Assim, não há como afastar a irregularidade, devendo ser mantida a sentença também quanto ao ponto.

2.2. Da Omissão de recursos financeiros

Consoante apontou a sentença, os prestadores de contas realizaram impulsionamento de propaganda eleitoral por meio da rede social FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., com a aquisição de créditos no valor de R$ 900,00, a serem utilizados posteriormente. Entretanto, ao final da campanha, apurou-se que o total gasto foi de apenas R$ 586,47, conforme nota fiscal emitida pelo prestador (ID 45823086), restando uma sobra de créditos pagos e não utilizados de R$ 313,53.

Nos termos do art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, os créditos de impulsionamento de campanha contratados e não utilizados até o final do período eleitoral devem ser transferidos como sobras, sendo devolvidos ao respectivo órgão partidário quando adquiridos com recursos não provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), tal como ocorre na hipótese em tela.

Em suas razões, o recorrente assevera que (ID 45823139, fl. 8):

[…].

Ocorre que a nota correspondente ao valor de R$ 586,47, conforme menciona o próprio documento, diz respeito tão somente aos gastos do mês de setembro de 2024. Nesse sentido, o restante do valor pago foi utilizado no início do mês de outubro, tendo a nota sido emitida pelo Facebook tão somente em momento posterior.

Além disso, mesmo que o valor não tivesse sido utilizado em sua integralidade, todo o valor despendido com o Facebook é retido pela empresa e não pode ser devolvido. Logo, não há irregularidades

[…].
 

Contudo, nenhuma comprovação documental foi apresentada em relação ao alegado uso dos créditos remanescentes no mês de outubro.

No tocante à suposta retenção dos valores pela empresa contratada, de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte Regional, a responsabilidade pela gestão dos recursos financeiros da campanha recai exclusivamente sobre o candidato e o partido, a qual não é reduzida ou transferida em razão da eventual omissão de fornecedor no ressarcimento dos valores, consoante a ementa havida daquele aludido julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. NÃO UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO OBTIDO COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FACEBOOK. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Persistência de irregularidade quanto à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Sobra de valores públicos, relativos a montante despendido em impulsionamento no Facebook, os quais devem retornar ao erário, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Responsabilidade do candidato pela gestão dos recursos destinados à própria campanha eleitoral, não cabendo à Justiça Eleitoral oficiar à empresa que detém o crédito impugnado para que restitua os valores, como pretendido pelo prestador.

3. Falha que representa 2,37% da arrecadação, permitindo a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Aprovação das contas com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603167-16.2022.6.21.0000, PORTO ALEGRE - RS, Relator: Desa. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 19.06.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Edição 111/2023, Data 22.06.2023.) (Grifei.)

 

Possíveis conflitos ou danos havidos na relação contratual devem ser resolvidos posteriormente, na instância comum, uma vez que a conduta dos fornecedores não exime o candidato de sua responsabilidade pela regularidade das contas prestadas à Justiça Eleitoral, especialmente em relação ao destino dos recursos de campanha não utilizados.

Logo, deve ser mantida a sentença também nesse tópico.

3. Do Juízo de Proporcionalidade e Razoabilidade

As irregularidades verificadas totalizam R$ 12.313,53 (R$ 12.000,00 + R$ 313,53), cifra que corresponde a 23,73% das receitas declaradas (R$ 51.880,00), configurando significativo impacto financeiro sobre a regularidade e transparência das contas e impedindo a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, em conformidade com a jurisprudência pacífica do TSE (AREspEl n. 0600397-37, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 29.8.2022).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.