RCAND - 98150 - Sessão: 07/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se do pedido de registro de candidatura de VALDIR SEVERO BORIN, candidato ao cargo de deputado estadual pela Coligação União Verde Ecológica Cristã (PSC-PV-PEN), e de impugnação proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, ao entendimento de que o mesmo se enquadra na hipótese prevista no art. 1º, inc. I, letra 'e' da Lei Complementar n. 64/1990, estando inelegível.

O Ministério Público noticia que VALDIR SEVERO BORIN foi condenado na ação penal n. 031/2.06.0000993-6 pela prática do crime previsto no art. 184, § 1º, do Código Penal, consistente na violação de direito autoral. Traz jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral a qual explicita que "embora o delito de violação de direito autoral esteja inserido no Título III - dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial do Código Penal, a circunstância de constituir ofensa ao interesse particular o inclui entre os crimes contra o patrimônio privado a que se refere o art. 1º, inc. I, letra "e", n. 2 da Lei Complementar n. 64/1990". Acrescenta que referida regra de inelegibilidade foi declarada constitucional, nos termos das decisões prolatadas na ADC n. 29 e n. 30 e ADI 4578, momento em que restou decidido que sua aplicação se impõe mesmo a condenações anteriores à vigência da Lei Complementar n. 135/2010.

Pela prática do crime do art. 184, § 1º, do Código Penal, VALDIR SEVERO BORIN foi sentenciado ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, a qual foi substituída por duas restritivas de direito, a saber: prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo prazo da pena privativa de liberdade fixada e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) dias-multa. Tal decisão restou mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em acórdão datado de 29.01.2009 (apelação crime n. 70027621838, fls. 22-23). Acrescentou que após o cumprimento integral da pena, esta foi declarada extinta no dia 19.08.2011 (fl. 21).

Ao final, requer o provimento da impugnação e o indeferimento do registro de candidatura VALDIR SEVERO BORIN.

Em contestação (fls. 31-37), o impugnado invoca o princípio da irretroatividade para justificar que a Lei da Ficha Limpa, sendo do ano de 2010, não pode ser aplicada a um delito que foi praticado em 2005.

O impugnado foi acusado por possuir em seu estabelecimento comercial, quantidade ínfima de compact disc (CD) e digital versatile disc (DVD) sem origem declarada, com o intuito de obtenção de lucro sem autorização expressa dos autores. Refere que a prática não é recorrente e que o fato ocorreu apenas uma vez, não existindo má-fé. Invoca o princípio do menor potencial ofensivo, o qual esta expresso na própria Lei Complementar n. 135/2010:

Art. 2º - [...]

§ 4º - A inelegibilidade prevista na alínea "e" do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada.

Conclui que "há extensão da aplicação do princípio do menor potencial ofensivo ao caso tratado, pois previstas todas as nuances delineadas pela Constituição Federal e legislação esparsa".

Quanto ao delito praticado pelo art. 184, 1º, do Código Penal, aduz que a violação ao direito autoral está prevista no Título III - Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial, não havendo que se falar em crime contra o patrimônio privado.

Ao final, requer a total improcedência da ação de impugnação e o deferimento de seu registro de candidatura.

Aberto prazo para alegações finais, o Ministério Público (fls. 47-55) e o impugnado (fls. 44-46) manifestaram-se reiterando os termos da inicial e da contestação, respectivamente. O Ministério Público, no mesmo prazo, manifestou-se acerca das demais condições de elegibilidade.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Tempestividade

Verifica-se que a impugnação e as respectivas contestações são tempestivas.

No tocante à impugnação, o art. 3º da Lei Complementar n. 64/1990 estabelece o prazo de impugnação de 5 dias contados da publicação do pedido de registro. No caso, a mencionada publicação se deu em 10.07.2014 (fl. 13), e o Ministério Público apresentou a impugnação em 14.07.2014 (fl. 14-27), sendo tempestiva a impugnação.

Quanto à contestação, o art. 4º da Lei Complementar n. 64/1990 prevê o prazo de sete dias para que o candidato conteste a impugnação. No presente caso, o candidato foi notificado em 16.07.2014 (fl. 28), tendo apresentado a contestação em 23.07.2010 (fl. 31-37), dentro, portanto, do prazo previsto em lei.

Mérito

Antes de adentrar na análise do caso concreto, analiso o argumento trazido pelo impugnado, o qual invocou o princípio da irretroatividade para justificar que a Lei da Ficha Limpa não seria aplicável a um delito que fora praticado em 2005, pelo fato de ter sido promulgada em 2010.

O egrégio TSE, em sessão realizada ainda no ano de 2010, respondendo à Consulta n. 1120-26.2010.6.00.0000, entendeu possível a aplicação da Lei Complementar n. 135/2010 já naquelas eleições, por não haver ofensa ao art. 16 da Constituição Federal.

Firmou aquela Corte entendimento de que as inovações trazidas têm natureza de norma eleitoral material, em nada alterando o processo eleitoral, assim entendido apenas como as normas instrumentais relativas às eleições, mantendo orientação já firmada quando da entrada em vigor da Lei Complementar n. 64/1990.

De igual forma, as causas de inelegibilidade podem - e devem - levar em consideração fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Conforme reconheceu o TSE ao julgar a Consulta n. 1147-09.2010.6.00.0000. Tais causas não constituem pena, mas restrições temporárias ao exercício do mandato, não havendo que se falar, portanto, em irretroatividade da lei penal no tempo, nem em necessidade de trânsito em julgado das decisões judiciais.

Nesse diapasão, não há falar em ofensa à irretroatividade da lei penal no tempo para fundamentar a impossibilidade de se considerar condenações sofridas anteriormente à vigência da nova lei, pois, como já bem destacou o Ministro Sepúlveda Pertence, “a inelegibilidade não é pena e independe até de que o fato que a gere seja imputável àquela a que se aplica; por isso, à incidência da regra que a estabelece são impertinentes os princípios constitucionais relativos à eficácia da lei penal no tempo” (TSE, RESP 9797, julgamento em 19.09.1992).

Ademais, a questão envolvendo a aplicação da Lei da Ficha Limpa restou superada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar as ADCs 29 e 30 e a ADI 4578. Naquela ocasião, o Ministro Luiz Fux ponderou: "o indivíduo que tenciona concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral", ou seja, deve se adequar às exigências existentes ao tempo de seu pedido de registro de candidatura.

Trago aos autos a ementa de decisão do TSE que bem definiu a questão:

INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO CRIMINAL.

1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/DF, relator o Ministro Luiz Fux, de 16.02.2012, declarou a constitucionalidade da LC nº 135/2010 e reconheceu a possibilidade da sua incidência em fatos pretéritos.

2. A presunção de inocência, consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, não pode "frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal", tampouco configurar óbice à validade da Lei Complementar nº 135/2010, conforme decidido nas ADC's 29 e 30 e na ADI nº 4.578/DF.

3. A Justiça Eleitoral não tem competência para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva de crime em sede de processo de registro de candidatura.

4. É inelegível, nos termos do art. 1º, I, e, 4, da Lei Complementar nº 64/1990, o candidato condenado pela prática de crime eleitoral, para o qual a lei comina pena privativa de liberdade, por meio de decisão colegiada, desde a condenação até o prazo de oito anos após o cumprimento da pena.Agravo regimental não provido.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14952, Acórdão de 27.09.2012, Relator Ministro ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicada em sessão em 27.09.2012). (Grifei.)

Cumpre referir, ainda, que o egrégio TSE firmou entendimento especificamente sobre a incidência da inelegibilidade prevista na alínea 'e' levando-se em consideração condenações anteriores à sua vigência, quando se manifestou acerca da edição da Lei Complementar n. 64/1990, como se verifica pela seguinte ementa:

A inelegibilidade prevista no art. 1º, I, "e", da lei complementar n. 64/1990, aplica-se às eleições do corrente ano de 1990 e abrange as sentenças criminais condenatórias anteriores a edição daquele diploma legal.(Recurso Ordinário nº 8818, Relator Ministro LUIZ OCTÁVIO p. ALBUQUERQUE GALLOTTI: DJ 14.08.1990).

Com essas considerações, afasto o argumento do impugnado de que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada a um delito que foi praticado em 2005.

No que se refere à incidência do art. 1º, inc. I, alínea 'e', da Lei Complementar n. 64/1990, com a redação a ele atribuída pela Lei Complementar n. 135/2010, caso dos autos, tal dispositivo estabeleceu as seguintes hipóteses de inelegibilidade:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

3. contra o meio ambiente e a saúde pública;

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. de redução à condição análoga à de escravo;

9. contra a vida e a dignidade sexual; e

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; (Grifei.)

Pertinente, ainda, à matéria o disposto no § 4º introduzido pela Lei Complementar n. 135/2010 ao aludido art. 1º:

“§ 4º. A inelegibilidade prevista na alínea “e” do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada.”

Por força do mencionado dispositivo, são inelegíveis os candidatos que tenham sofrido condenação criminal transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, relativa aos crimes ali especificados, desde que não sejam culposos, de menor potencial ofensivo nem de ação penal privada.

Entendo que o candidato impugnado enquadra-se precisamente na hipótese de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, letra 'e' da Lei Complementar n. 64/1990, estando inelegível. Isso porque há uma condenação, há o trânsito em julgado e o crime praticado é um crime contra o patrimônio privado, pois a violação ao direito autoral do art. 184, § 1º do Código Penal, está prevista no Título III - Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial. Aliás, há nos autos a comprovação do cumprimento integral da pena, o qual serve de marco inicial para a contagem do prazo de oito anos de inelegibilidade, nos termos do art. 1º, inc. I, letra "e" da Lei Complementar n. 64/1990. Conforme certidão de fls. 20-21, a pena foi declarada extinta em 19.08.2011, o que demonstra estar inelegível o impugnado VALDIR SEVERO BORIN.

Quanto a argumentação trazida aos autos de que o crime previsto no art. 184, § 1º, do Código Penal, é crime de menor potencial ofensivo, também não procede. O parágrafo único do art. 2º da Lei n. 10.259/2001 (que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal) assim conceitua os crimes de menor potencial ofensivo: “Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”. A pena máxima referida no dispositivo é a pena abstratamente cominada.

Nesse sentido decidiu o Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. REGISTRO. VEREADOR. INDEFERIMENTO. CONDENAÇÃO CRIMINAL Arts. 289, 350 e 354 do CÓDIGO ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. Art. 1º, inciso I, alínea e, item 4, da LC nº 64/1990. INCIDÊNCIA.

1. A conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos não afasta a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990, porquanto a lei estabelece como requisito da inelegibilidade a condenação por crime que preveja cominação de pena privativa de liberdade.

2. A definição do crime como de menor potencial ofensivo leva em conta o limite máximo da pena previsto em lei. Agravo a que se nega provimento.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 364-40, Acórdão de 14.02.2013, Relator Ministro HENRIQUE NEVES DA SILVA). (Grifo nosso.)

E o art. 184, § 1º, do Código Penal explicita:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.07.2003)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.07.2003)

Desta forma, resta afastado também este argumento do impugnado.

Por fim, a alegação trazida por VALDIR SEVERO BORIN de que o crime de violação autoral não estaria previsto no art. 1º, inc. I, letra 'e' da Lei Complementar n. 64/1990 deve também ser rechaçada, uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou a respeito e entendeu que se trata de crime contra o patrimônio privado, previsto na alínea 2.

INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO AO DIREITO AUTORAL.

1. Nos termos do art. 1º, I, e, 2, da LC no 64/1990 torna-se inelegível, pelo prazo de oito anos, contados do cumprimento da pena, o candidato condenado por crime contra o patrimônio privado.

2. Embora o delito de violação de direito autoral esteja inserido no Título III - dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial - do Código Penal, a circunstância de ele constituir ofensa ao interesse particular o inclui entre os crimes contra o patrimônio privado a que se refere o art. 1º, I, e, 2, da Lei Complementar n° 64/1990.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 20236, Acórdão de 27.09.2012, Relator Ministro ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicada em sessão em 27.09.2012). (Grifo nosso.)

Finalizando, trago a lição de Rodrigo López Zílio:

"Em suma, pois, para o fim almejado pelo legislador, ao editar a Lei Complementar nº 135/2010, a proteção da normalidade e legitimidade do pleito consolida-se ao impedir que o condenado, seja definitivamente ou por órgão colegiado, possa ser afastado da pretensão de concorrer a mandato eletivo, justamente porque a lógica de proteção dos bens jurídicos na esfera eleitoral tem um objetivo específico e peculiar: propiciar que o eleitor faça a escolha de mandatários investidos de uma dignidade mínima à altura do cargo representativo que desejam obter." (Direito Eleitoral, 2ª ed. Verbo Jurídico, 2010, p. 599). (Grifo nosso.)

Assim, entendo que o registro de candidatura de VALDIR SEVERO BORIN resta obstaculizado pelo seu enquadramento na hipótese do art. 1º, inc. I, alínea 'e', número 2, da Lei Complementar n. 64/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 135/2010.

Por todo o exposto, VOTO pela procedência da impugnação ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e consequente indeferimento do registro do candidato VALDIR SEVERO BORIN.

É como voto.