RE - 566 - Sessão: 17/09/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da decisão do Juízo da 133ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente ação de impugnação de mandato eletivo movida contra ROSELI DE SOUZA, candidata eleita ao cargo de vereador do Município de Triunfo nas eleições municipais de 2012, entendendo não comprovada a prática de abuso de poder econômico e corrupção eleitoral alegada na inicial.

Em suas razões, o Ministério Público Eleitoral sustenta que a recorrida utilizou “caixa-dois” durante a sua campanha para vereadora, fato comprovado na Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 130-68, que tramitou perante o juízo a quo e apurou desvio de recursos por parte da Coligação Triunfo no Coração, sendo a recorrida uma das candidatas beneficiadas com os recursos oriundos do “caixa-dois”. Alega que juntamente com os candidatos a prefeito e vice-prefeito Marcelo Essvein e Telmo José Borba de Azeredo, a recorrida efetuou compra de votos mediante fornecimento de materiais de construção em troca da afixação de sua propaganda eleitoral nas residências dos eleitores. Além disso, a recorrida comprou o apoio eleitoral de um eleitor que, em troca de um sacolão de comida, fixou uma placa de propaganda em bem imóvel, conduta que infringiu o art. 37, § 8º, da Lei n. 9.504/97 e foi gravada em um programa televisivo quando o eleitor foi entrevistado, prova que não pode ser considerada ilícita. Requereu a reforma da sentença para o fim de ser desconstituído o mandato eletivo da recorrida (fls. 471-484v.).

Em contrarrazões, Roseli de Souza sustenta que não há provas que a vinculem com os atos praticados na AIJE 130-68, processo em que não figurou como parte, não tendo o recorrente se desincumbido do ônus de demonstrar o nexo de causalidade e qual conduta ilícita teria sido realizada. Alega que não se beneficiou de recursos oriundos de “caixa-dois”, nem tampouco realizou compra de votos durante a campanha, e que sua prestação de contas foi julgada aprovada pela Justiça Eleitoral. Assevera que todas as testemunhas ouvidas foram uníssonas em negar a realização de compra de votos. Aduz que não pode ser considerada como prova a conversa em que o eleitor afirmou ter ocorrido a compra do seu voto, uma vez que foi realizada sem prévia autorização da Justiça Eleitoral e sem requerimento do Ministério Público Eleitoral, situação que a caracteriza como prova ilícita. Requer o desprovimento do recurso (fls. 489-513).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento da preliminar de licitude da gravação e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 517-526).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Em que pese as partes não terem suscitado preliminares, a questão relativa à validade da reportagem filmada pela emissora RBSTV, em que o eleitor João Carlos dos Santos Nobre afirma ter recebido um “sacolão de comida” para colocar uma placa de propaganda eleitoral da recorrida em sua residência, é matéria preliminar que deve ser analisada inicialmente, conforme requerido pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Preliminar de licitude da gravação ambiental relativa à conversa entre o eleitor João Carlos e o repórter Giovani Grizotti

A filmagem foi acostada nas mídias das fls. 36 e 43 dos autos e demonstra a conversa entre o eleitor João Carlos dos Santos Nobre, o jornalista Giovani Grizotti e Jardel Palhano Barth, candidato a vereador pela oposição.

A posição do TRE-RS está consolidada no sentido de que é lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, uma vez que realizada em ambiente ao ar livre e que a conversa não estava acobertada por sigilo a justificar a restrição da prova, posição exarada em diversos precedentes, verbis:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Abuso de poder econômico. Candidatos à majoritária. Procedência. Inelegibilidade. Multa. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada. 1. Nulidade do processo por ausência de litisconsórcio passivo necessário não configurada. A demanda proposta contra o agente público responsável pela prática de captação ilícita de sufrágio não impõe a obrigatoriedade de integração da lide por eventuais beneficiários. 2. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, já que o caso não inspira proteção constitucional da intimidade a justificar a restrição da prova. 3. Suposições genéricas sobre a atuação do magistrado no procedimento de audiência não suportam a alegada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ausência de ilegalidade processual. 4. Suposto comprometimento político das testemunhas, matéria vinculada à análise do mérito.

Alegado oferecimento de cargos públicos em troca de aliança política e de voto. Apoio à chapa majoritária e posterior assunção em cargos em comissão na prefeitura municipal. Não evidenciada a oferta de valores para que candidatos desistissem de suas candidaturas e apoiassem os representados, bem como não caracterizado o especial fim de agir para captar ilicitamente os votos dos apoiadores. Configurada a formação de aliança política e não a prática de ilicitude eleitoral. Reforma da sentença.

Provimento dos recursos.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 88479, Acórdão de 03.06.2014, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.06.2014, Página 6-7.) (Grifei.)

 

Recursos. Condutas vedadas. Art. 73, incs. II, IV e § 10, da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Parcial procedência. Multa. Eleições 2012.

Preliminares afastadas: 1. Reconhecida a ilicitude da gravação ambiental, diante da ausência de prova de que tenha sido realizada por um dos participantes da conversa; 2. Preenchidos todos os requisitos previstos no Código de Processo Civil, deve ser rejeitada a alegação de inépcia da inicial; 3. Regularidade da juntada de documentos durante a instrução probatória, ocasião em que devidamente oportunizada a análise das peças pelas partes; 4. A coleta de provas, de ofício, pelo magistrado, encontra amparo no art. 22, inc. VII, da Lei Complementar n. 64/90.

1. Insuficiência probatória quanto à alegada elevação de gastos pela municipalidade, em período eleitoral, decorrente da distribuição gratuita de medicamentos e prestação de serviços de saúde. Prova documental contrária às alegações do autor. Não caracterizada a conduta vedada disposta no inc. IV e § 10 do art. 73 da Lei das Eleições.

2. Configurada, entretanto, a ilicitude consistente na utilização indevida de serviço público destinado a transporte escolar. A alteração do itinerário em benefício de um munícipe, com o fim de obter vantagem eleitoral, ultrapassa o mero ato de gestão do prefeito candidato à reeleição, desequilibrando a disputa do pleito e, por consequência, conformando-se na vedação do inc. II do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Provimento parcial ao recurso da coligação e candidatos representados, para reduzir a multa aplicada ao patamar mínimo legal.

Provimento negado ao apelo da coligação representante.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 77729, Acórdão de 18.03.2014, Relator Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 53, Data 26.03.2014, Página 2.)

 

Recursos. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Vereador candidato à reeleição. Oferecimento de combustível em troca do voto. Representação julgada procedente no juízo originário. Cassação do registro de candidatura, imposição de penalidade pecuniária e declaração de nulidade dos votos recebidos pelo representado.

Matéria preliminar afastada. Inexistência do alegado litisconsórcio passivo necessário. Nenhuma prática foi imputada à coligação pela qual o candidato concorreu à vereança, sendo absolutamente desnecessária a sua citação. No mesmo sentido, é pacífico o entendimento de licitude da prova realizada através de gravação ambiental por um dos interlocutores.

Conjunto probatório que demonstra que o representado efetivamente ofereceu e entregou gasolina a eleitor em troca do voto. Multa fixada em patamar adequado, de forma próxima ao nível intermediário da pena pecuniária prevista.

O art. 222 do Código Eleitoral disciplina tanto o pleito majoritário como o proporcional. Impossibilidade de computar a votação viciada por prática ilegal em favorecimento da legenda.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 39175, Acórdão de 07.05.2013, deste relator, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 82, Data 09.05.2013, Página 3.)

Assim, reconheço a licitude da prova.

No mérito, a par das judiciosas razões trazidas no recurso ministerial, tenho que não restou suficientemente comprovada a compra de votos ou o abuso de poder capaz de ensejar o provimento do recurso.

Em relação à prática de caixa-dois, conforme bem delineado na sentença recorrida, não foi comprovado nestes autos que os fatos apurados na AIJE 130-68 tiveram relação com a recorrida. O fato de que a coligação pela qual a recorrida concorreu foi condenada por captação e gastos ilícitos de recursos não conduz à direta conclusão de que a candidata se beneficiou com recursos obtidos de forma ilícita. Nesse sentido, transcrevo o seguinte excerto da sentença, sem grifos no original (fl. 464):

No atinente ao abuso de poder econômico, mediante “caixa dois”, não evidenciado na prova carreada aos autos. Embora constitua matéria já apurada na AIJE 130-68.2012.6.21.0133, cuja sentença de procedência transitou em julgado ao efeito de cassar os registros de Marcelo Essvein e de Telmo José Borba de Azeredo, assim como de declarar a inelegibilidade deles e de Pedro Francisco Tavares, integrantes da Coligação Triunfo no Coração, encabeçada pelo PDT, partido que apresentou vultosa movimentação financeira nas eleições de 2012, havendo remessa de cópias ao Ministério Público Eleitoral, ex vi do art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/90, nada consta dos autos no sentido de que a representada Roseli de Souza tivesse sido beneficiada com tais recursos, quanto mais dele feito uso, mediante abuso do poder econômico, para obtenção ilícita de votos dos eleitores.

Além disso, conforme acurada análise realizada pela Procuradoria Regional Eleitoral ao julgar caso análogo, nos autos do RE 4-81, de relatoria da Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, julgado na sessão de 27.05.2014, este Tribunal considerou que somente o fato de o candidato pertencer à Coligação Triunfo no Coração não é prova suficiente de que o candidato tenha recebido recursos ilícitos durante a campanha, e que, mesmo o candidato integrando o partido que realizou o "caixa-dois", no caso, o PDT, ao qual a candidata é filiada, se faz necessário demonstrar a posição ocupada pelo candidato dentro da agremiação, sua capacidade de ingerência.

Transcrevo, por oportuno, excerto do parecer (fl. 522v.):

Em que pese o argumento de pertencer a mesma Coligação (Triunfo no Coração), porém a partido diverso do PDT não socorra a recorrida, como ocorreu na hipótese acima transcrita, o fundamento de que Roseli não ocupa posição junto a cúpula do partido deve ser visto a seu favor.

Isto porque, a composição do Diretório Municipal do PDT de Triunfo não conta com a participação da recorrida, conforme certidão anexa obtida no site do TSE. Do mesmo modo, as testemunhas relataram que a vereadora trabalhava como professora, não tendo notícia de que tenha ocupado cargo de confiança junto à administração municipal.

Ademais, inexiste evidência capaz de relacionar Roseli aos valores provenientes do “caixa-dois” levado a efeito pelo PDT.

De igual modo, não restou demonstrada a alegada compra de votos mediante fornecimento de materiais de construção e demarcação de território.

A par da alegação de que eleitores venderam seu voto em troca de materiais de construção e da colocação de propaganda eleitoral em suas residências, nenhuma prova foi produzida neste sentido.

Considerando o contexto da campanha eleitoral de Triunfo e as ações já julgadas nesta Corte envolvendo a eleição municipal de 2012, é bem possível que se estivesse realizando a aventada demarcação territorial de eleitorado com colocação ostensiva de propaganda em residências que estavam com material de construção no pátio, conforme afirmado nas razões recursais. No entanto, as fotografias das fls. 56, 60-69 e 76 e os documentos juntados aos autos não comprovam a alegação de que houve prática ilícita por parte da recorrida.

Além disso, a prova oral produzida durante a instrução, consistente na oitiva dos proprietários das residências retratadas nas fotografias acostadas com a inicial, foi uníssona no sentido de que as propagandas foram colocadas espontaneamente, sem o auxílio da recorrida. Com este entendimento, colho as razões da decisão recorrida (fl. 464v.):

De outra banda, a propalada compra de votos mediante fornecimento de materiais de construção e demarcação de território não restaram demonstradas no acervo probatório. É certo que a compra de espaço para veiculação de propaganda eleitoral constitui abuso de poder econômico, contudo, no caso, não há prova sequer da venda de espaço físico para fins de veiculação de publicidade política, prática que não configura ilícito na legislação eleitoral, quanto mais de autêntico propósito de comprar votos, ônus do qual não se desincumbiu o Ministério Público Eleitoral. Depois, inexiste prova alguma de que os eleitores, supostamente cedentes dos espaços físicos, tivessem prometido votar na representada, signatária das propagandas.

No caso, as 05 (cinco) fotografias, no universo de 162 (cento e sessenta e duas), acostadas às fls. 60/69, além de sugerirem o retrato do mesmo local, nada provam no sentido da captação ilícita de votos pela impugnada, prática vedada pelo art. 237 do Código Eleitoral: “A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso de poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos”. Ademais, as testemunhas ouvidas, pessoas que teriam disponibilizado espaços para colocação de propaganda, não confirmaram a cessão onerosa daqueles em troca dos votos em prol da demandada.

Por fim, resta o exame da prova de compra do voto do eleitor João Carlos dos Santos Nobre, gravada nas mídias das fls. 36 e 43 dos autos.

O vídeo demonstra que o jornalista Giovani Grizotti realizou a gravação com câmera escondida e estava acompanhado do candidato a vereador da oposição Jardel Palhano Barth.

O conteúdo da conversa foi degravado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, merecendo transcrição (fl. 525v.):

2m 26s - Um dos interlocutores pergunta: de quem é a placa que o eleitor colocou?

João: da Roseli.

Um dos interlocutores pergunta: o que ela te deu em troca?

2m 31s – João: Ela me deu um sacolão de comida.

Aos 4m e 39s o eleitor reafirma que a Roseli lhe deu o sacolão de comida.

A corroborar a alegação, foi colhido o depoimento de Jardel Palhano (mídia à fl. 515), ouvido na condição de informante. Jardel não indicou o nome do eleitor, apenas mencionou que durante a reportagem feita por Giovani Grizotti, uma pessoa teria dito que colocou a placa da candidata Roseli em troca de um “sacolão de comida”.

No entanto, apesar do que João disse na conversa, registrou o boletim de ocorrência policial que está acostado à fl. 264 dos autos, afirmando que foi procurado por Jardel e pelo coordenador de campanha da oposição, João Meireles de Souza, que em uma conversa lhe ofereceram R$ 200,00 em troca do voto e efetuaram gravações sem o seu consentimento, prestadas quando se encontrava “meio embriagado”.

Entendo que o boletim de ocorrência, embora registrado após a conversa ter ido ao ar em programa televisivo, retira em muito a força da prova, e que não tendo sido ouvido o eleitor em juízo, mostra-se temerária a condenação com base no depoimento do informante, uma vez que a outra testemunha ouvida para comprovar o fato, Giovani Grizotti, prestou depoimento cujo áudio está inaudível, não sendo possível se considerar a prova uma vez que não foi repetida.

Com este entendimento, cito excerto do parecer ministerial (fl. 526):

Todavia, o fato narrado é corroborado apenas pelo depoimento de Jardel Palhano Barth, ouvido como informante por ser suplente de vereador. Além disso, seu relato foi bastante superficial, apenas referindo que, durante a reportagem de Giovani Grizotti, um eleitor teria dito que colocou a placa da candidata Roseli em troca de um “sacolão de comida”. Já o depoimento de Giovani Grizotti restou inaudível (fl. 321), não tendo ocorrido a reinquirição da testemunha (fl. 343v.).

Soma-se a isso o fato de que o eleitor João Carlos dos Santos Nobre sequer foi ouvido em juízo.

Deste modo, unicamente a gravação do depoimento de João Carlos dos Santos Nobre, realizada de modo unilateral, não se demonstra capaz de ensejar condenação por abuso de poder econômico.

Embora se considere que o abuso do poder econômico se constitui quando há a utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos financeiros ou patrimoniais buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando, assim, a normalidade e a legitimidade das eleições, o exame acurado dos autos demonstra que a prova foi bem aquilatada pela sentença, que embora tendo considerado ilícita a gravação ambiental, entendeu pela ausência de provas do abuso ou da compra de votos.

Assim, não existindo prova suficiente da perpetração das condutas imputadas aos recorridos, não merece qualquer reforma a sentença de improcedência ora atacada.

Tem-se, ainda, por prequestionados todos os dispositivos mencionados e correlatos à matéria, dispensando-se o manejo atípico de outras vias para alcançar tal efeito.

Diante do exposto, acolho a preliminar suscitada, reconhecendo a licitude da gravação ambiental juntada aos autos e VOTO pelo desprovimento do recurso.