RC - 2566 - Sessão: 25/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

CELSO SOTTILI interpõe recurso (fls. 370-382) contra decisão do Juiz da 88ª Zona Eleitoral, que condenou o recorrente às penas do artigo 299 do Código eleitoral em razão da prática do delito de corrupção eleitoral, cujo fato foi assim descrito na inicial:

No dia 3 de outubro de 2008, em horário não precisado nos autos, durante à tarde, na Av. Visconde de Pelotas, 241, Fagundes Varela-RS, o denunciado CELSO SOTTILLI ofereceu quantia de R$ 300,00, em espécie, à denunciada Vilma Testa, em troca de votos para o denunciado e para seu filho Jean, candidato a Prefeito. Ainda, prometeu que, se fosse eleito, entregaria mais dinheiro à denunciada.

Recebida a denúncia no dia 25 de outubro de 2010 (fl. 12), os réus foram citados (fls. 41, 45 e 47). Os denunciados Vilma Testa e Daniela Cativelli aceitaram proposta de suspensão condicional do processo (fl. 50), e os acusados Vilson de Almeida Couto e Celso Sotilli ofereceram resposta (fls. 87 e 89-91).

O juízo de primeiro grau absolveu o acusado Vilson de Almeida Couto, condenando Celso Sottili pela prática de corrupção eleitoral, aplicando-lhe sanção de 1 ano de reclusão e multa no valor de 5 dias-multa, à base de 1/30 do salário mínimo, substituindo a privativa de liberdade pela prestação de serviço à comunidade e pelo pagamento de 10 salários mínimos a entidade de interesse social (fls. 254-261).

O réu Celso Sotilli apelou requerendo a reforma da decisão a fim de que fosse julgada improcedente a denúncia (fls. 265-271).

Este Tribunal negou provimento ao recurso (fls. 297-300).

O réu opôs embargos declaratórios, por meio dos quais alegou ofensa, devido à falta de aplicação, pelo juízo sentenciante, da sistemática da Lei n. 11.719/08 ao contraditório prévio (arts. 396 e 396-A do CPP) e ao interrogatório como último ato da fase instrutória (art. 400 do CPP), o que teria acarretado prejuízo à ampla defesa (fls. 304-306).

Ao acolher os embargos, este Tribunal reconheceu a nulidade do interrogatório do réu realizado no início da instrução, bem como dos atos posteriores ao encerramento da mesma, e determinou ao juízo de primeiro grau que fosse extraído dos autos o depoimento do réu, realizado novo interrogatório como último ato da instrução, bem como fosse renovada a oportunidade para as partes apresentarem alegações finais (fls. 326-331).

Realizado novo interrogatório do réu (fl. 344), e apresentadas alegações finais pelas partes (fls. 347-349 e 353-357), sobreveio sentença reconhecendo a prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE) por Celso Sotilli, condenando-o à pena de 1 ano de reclusão e multa no valor de 5 dias-multa à base de 1/30 do salário mínimo, substituindo a pena privativa de liberdade pela prestação de serviço à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e pelo pagamento de 10 salários mínimos a entidade de interesse social e coletivo (fls. 359-362).

Opostos embargos de declaração pela defesa (fls. 365-366), foram rejeitados pelo juízo sentenciante (fl. 368).

Irresignado, por meio do presente recurso, o réu sustenta que as testemunhas ouvidas não confirmaram a prática do delito, pois tinham envolvimento com o adversário da oposição e não presenciaram o fato. Argumenta que o testemunho da eleitora cooptada é inconsistente, restando evidente que os candidatos da oposição articularam falsamente a situação criminosa. Requer a reforma da decisão, a fim de julgar improcedente a denúncia (fls. 370-382).

Com contrarrazões (fls. 385-386), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 390-392).

É o relatório.

 

 

 

 

 

VOTOS

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Em 11.04.2014 o recorrente foi intimado da decisão que rejeitou embargos declaratórios (fl. 369) e interpôs o recurso no dia 15 do mesmo mês, ou seja, dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

 

Mérito

Inicialmente, cumpre registrar que o interrogatório do réu Celso Sottili foi renovado pois, ao acolher embargos de declaração (fls. 326-331), este Tribunal reconheceu a nulidade do interrogatório do réu realizado no início da instrução, bem como dos atos posteriores ao encerramento desta, e determinou ao juízo de primeiro grau que fosse extraído dos autos o depoimento do réu, realizado novo interrogatório como último ato da instrução, bem como fosse renovada a oportunidade para as partes apresentarem alegações finais.

No mérito, por meio do presente apelo Celso Sottili busca a reforma da sentença de primeiro grau, pela qual restou condenado pela prática de corrupção eleitoral, crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Tal preceito normativo tutela o livre exercício do sufrágio, tendo como objetivo reprimir o comércio de votos, a troca de favores entre candidatos e eleitores.

Trata-se de crime formal, pois sua consumação independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente.

É tipo penal que se reveste de extrema gravidade, pois sua consumação pode vir a alterar os resultados das eleições, ferindo, sobremaneira, o Estado Democrático de Direito.

Pois bem. De acordo com a denúncia, o vereador Celso Sottili teria oferecido R$ 300,00 a Vilma Testa em troca de votos para ele e seu filho Jean, então candidato a prefeito de Fagundes Varela. A oferta teria ocorrido na residência de Vilma, em 03.10.2008. Celso ainda teria prometido que, caso fosse eleito, daria mais dinheiro a Vilma.

Em recurso contra o juízo condenatório de primeiro grau, o apelante alicerça suas razões para reforma da decisão basicamente na alegação de ausência de provas da materialidade do delito, pois as testemunhas que supostamente teriam presenciado o ato criminoso estariam totalmente comprometidas. Alega que as declarações de Vilma Testa não podem servir de prova, pois ela integrou o polo passivo da ação, motivo pelo qual, no entendimento da defesa, estaria impedida de testemunhar. Sustenta o comprometimento do testemunho de Rosimeri Teresa de Moraes – que teria visto os R$ 300,00 em cima da mesa de sua vizinha Vilma – pois se trata da esposa do então adversário político do acusado, bem como amiga íntima de Vilma, visto que costumava entrar na casa desta sem necessidade de bater à porta (fls. 370-382).

Apreciando as provas produzidas, tendo em vista as circunstâncias nas quais os fatos foram evidenciados, entendo subsistir dúvida a respeito da efetiva ocorrência do delito de corrupção eleitoral.

A prova ensejadora da condenação, nos termos da sentença (fls. 359-362), está baseada unicamente nos testemunhos de Vilma Testa, Rosimeri de Moraes e Alberto Bassani. No entanto, tenho que não se afiguram suficientes ao juízo condenatório.

Não se desconhece a relevância da prova testemunhal para a comprovação do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), tipo penal cujos vestígios são de difícil constatação – muitas vezes são promessas feitas de forma oral, verbal, restando apenas os respectivos interlocutores como testemunhas do crime, sendo comuns, por exemplo, o adiantamento de valores, as ofertas de empregos, de cargos públicos, a influência política.

Portanto, não tenho qualquer objeção a uma sentença condenatória baseada unicamente em prova testemunhal.

Todavia, para que se imponha a condenação criminal com base em prova exclusivamente testemunhal, exige-se que esta seja isenta, livre de comprometimentos políticos ou pessoais, o que não ocorre na espécie.

Das nove testemunhas ouvidas durante a instrução, apenas Vilma Testa – a qual ostenta também a condição de corré, pois denunciada por corrupção eleitoral passiva – afirmou ter ocorrido a oferta de compra de voto por parte de Celso Sottili. Em seu testemunho, Vilma relatou que recebeu a visita de Celso em sua casa na sexta-feira anterior ao dia das eleições de 2008, por volta das 13h30min ou 14h, quando este teria lhe oferecido o valor de R$ 300,00 para que votasse nele e no seu filho Jean Sottili, então candidato a prefeito de Fagundes Varela. Informou que Celso Sottili lhe deu o dinheiro, mas ela não aceitou a oferta. Disse que, diante da recusa, o candidato teria deixado os valores em cima da mesa e que, naquele momento, a testemunha Rosimeri de Moraes, vizinha de Vilma, teria adentrado na residência e visto o réu. Afirmou que, após a saída do acusado, relatou a Rosimeri o ocorrido. Informou que Rosimeri é esposa do então candidato da oposição, Alberto Bassani. Este, portanto, é o principal testemunho sobre o qual se baseia a condenação.

Por sua vez, Rosimeri de Moraes, esposa de Alberto Bassani, adversário político do réu, afirmou ter entrado na residência sem bater na porta – o que comumente ocorria entre as duas testemunhas, pois eram vizinhas – encontrando Celso Sottili no local. Relatou que Vilma lhe pediu para ficar, pois a visita já estava de saída. Informou que, após Celso ter deixado a residência, Vilma mostrou o dinheiro deixado sobre a mesa e lhe disse que Celso teria dado para comprar seu voto. Frisou que não viu Celso dando o dinheiro para Vilma. Informou que Vilma morava sozinha e não fazia campanha eleitoral para ninguém. No entanto, não tendo a testemunha presenciado os fatos, seu depoimento carece de força para o juízo condenatório.

Ao seu turno, a testemunha Alberto Bassani informou que teve notícia do acontecido e, encontrando Vilma, aconselhou-a a denunciar o fato ao promotor eleitoral. Trata-se de testemunha não presencial dos fatos, e evidentemente comprometida com o resultado do julgamento, pois adversário político do réu.

Nota-se, portanto, que os testemunhos não são completamente descomprometidos e isentos.

O testemunho de Vilma deve ser recebido com reservas, pois, além de ser parte no processo, restou clara sua amizade com Rosimeri, que, por sua vez, é esposa do então adversário político do réu.

Assim, embora possa haver indícios de que Celso tenha, de fato, oferecido alguma vantagem indevida a Vilma, as provas não corroboram a imputação contida na denúncia, pois não vejo como considerar o depoimento de sua vizinha Rosimeri. Primeiro, em razão de sua estreita ligação com Vilma, a qual, se não é sua amiga íntima, é, ao menos, muito próxima, pois, como demonstrado pelos depoimentos, costumava entrar na casa desta sem necessidade de bater à porta; e, segundo, e a meu ver o mais relevante, porque Rosimeri reconhece, e frisa em seu depoimento, não ter presenciado a oferta.

Do mesmo modo, deixo de considerar o depoimento de Alberto Bassani, visto que, além de não ter presenciado os fatos, é evidentemente comprometido com o resultado do julgamento, pois adversário político do réu.

Portanto, é de se reconhecer a existência de fundadas dúvidas sobre a isenção das três testemunhas que deram suporte exclusivo à condenação, duas delas – Alberto e sua esposa Rosimeri – com evidente interesse no desfecho do processo, e a terceira, Vilma, intimamente a estes relacionada, situação que afasta a certeza necessária para que se dê a condenação na esfera penal.

Assim, subsistindo a dúvida, e diante da necessidade de um quadro probatório robusto, apto a gerar a certeza da responsabilidade criminal do acusado, tem-se que a acusação não se desincumbiu do ônus que lhe cabia, restando inafastável a absolvição do réu, já que, sem demonstração cabal de sua culpa, prevalece a inocência com base no in dubio pro reo, dada a gravidade dos seus efeitos.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para o fim de absolver o réu da imputação da prática do delito do art. 299 do Código Eleitoral, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Com a vênia do eminente relator, divirjo de seu voto. Neste processo, teremos aqui, em vingando o voto do eminente relator, uma situação estranhíssima: o corruptor, absolvido, e a vítima, com o benefício da suspensão condicional do processo; isto é, respondendo por um ato que, segundo o réu, não existiu. Portanto, se não há corrupção ativa, também não poderia haver a corrupção passiva.

O segundo aspecto que levanto é que Vilma não é corré,  visto que a suspensão condicional do processo é ato anterior ao recebimento da denúncia. O que não pode ocorrer - e a jurisprudência tem estabelecido - é que o corréu sirva, ao mesmo tempo, como réu e testemunha, não sendo esse o caso dos autos.

Por fim, só há uma única testemunha pelo fato de Vilma Testa morar sozinha. O acusado esteve na sua residência, conforme admite em um primeiro momento, mas nega o fato posteriormente em juízo. Há duas testemunhas que mencionam o fato, a própria Vilma Testa e sua vizinha Rosimeri, a qual  não menciona ter visto o momento em que Celso entregou o dinheiro, apenas menciona tê-lo visto na residência, fato confirmado por Vilma. Pergunto: o que Celso teria ido fazer na residência de D. Vilma, que terminou beneficiada com a suspensão condicional do processo, e o Sr. Celso Sotilli na iminência de ser absolvido da imputação? Corrupção ativa e passiva, ambos previstos no art. 299 do Código Eleitoral.

Tenho algumas restrições quanto ao depoimento da segunda testemunha, Rosimeri, esposa do então candidato a prefeito. O depoimento de Vilma é seguro, afirma que Celso Sotilli lá esteve e fez a proposta para que votasse nele e no seu filho, que era candidato a prefeito. Entendo que a alegação da testemunha única já vai longe do episódio que se considerava testis uno, testis nullus. Se a testemunha é segura e informa o fato, é o suficiente para ensejar o juízo de reprovação.

 Entendo que a prova dos autos é segura, o juízo de primeiro grau, que tem contato direto com a prova, elaborou uma sentença bem fundamentada e condenou Celso Sortilli. Divirijo do eminente relator e mantenho a sentença de primeiro grau.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho o relator, pois a prova não alimenta suficientemente um juízo condenatório.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Peço vista dos autos.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Temos, em repetidos processos, entendido que uma testemunha apenas não é suficiente para comprovar a incidência do art. 299 do Código Eleitoral. Por mais que a testemunha pareça convincente, é amiga íntima da esposa do candidato a prefeito; portanto, não possui a isenção necessária para se apresentar como testemunha. Dessa forma, acompanho o voto do eminente relator.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Aguardo a vista.