RE - 1317 - Sessão: 14/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso contra sentença do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório que julgou improcedente a representação proposta contra Andrea Souza Teixeira Gonçalves, forte no § 3º do art. 23 da Lei 9.504/97, em virtude de suposta doação acima do limite legal efetuada à candidatura de seu marido ao cargo de vereador daquele município nas Eleições de 2012.

Em sua defesa, a representada alegou que teria feito uma doação no valor de R$ 195,00 (cento e noventa e cinco reais), bem como teria realizado uma cessão/locação de seu veículo, estimada em R$ 200,00 (duzentos reais), para a campanha de seu marido, mas que esta última deveria ser desconsiderada forte no § 7º do artigo 23 da Lei n. 9.504/97 (fls. 13-6). Aduziu deva ser aplicado o princípio da insignificância quanto aos valores doados (fl. 15).

A representada declarou o montante de R$ 2.170,00 (dois mil cento e setenta reais) no ano-base 2011 (fls. 27-9) e efetuou uma doação no valor de R$ 395,00 (trezentos e noventa e cinco reais) para a campanha em 2012, conforme a prestação de contas anexada aos autos (fls. 41-71). O magistrado considerou que houve doação acima dos 10% permitidos pela Lei das Eleições, art. 23, § 1º, inciso I, ultrapassado o limite em R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais), mas entendeu que o valor doado seria insuficiente para caracterizar o abuso do poder econômico, considerando que o TRE-RS teria se manifestado nesse mesmo sentido nos casos em que o valor excedente da doação fosse inferior a R$ 1.000,00 (um mil reais). Aplicou o princípio da insignificância, para tornar atípica a conduta da doadora. Julgou improcedente o pedido de representação eleitoral (fls. 83-91).

Nas suas razões de recurso, o parquet alegou que o ilícito foi devidamente identificado e exaustivamente comprovado, e requereu o provimento, a fim de que seja reformada a sentença, com a aplicação das cominações legais previstas no artigo 23 da Lei nº 9.504/97 e artigo 1º, inciso I, alínea p, da Lei Complementar nº 64/90 (fls. 94-103).

Com contrarrazões (fls. 107-11) os autos subiram a este Tribunal e foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, o qual opinou pelo provimento do recurso (fls. 114-20).

É o relatório.


 

VOTO

Admissibilidade

O parquet foi intimado da sentença em 17/07/2013, quarta-feira (fl. 92), e a peça recursal aportou em cartório em 19/07/2013. Tenho, assim, o recurso por tempestivo, porquanto observado o tríduo legal.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Adianto o entendimento de que o recurso seja desprovido.

A lei 9.504/97 aborda o tema da seguinte forma:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I – no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

(…)

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

A representada negou a prática da conduta imputada, qual seja, a de que efetuou doação acima do limite legal, no valor total de R$ 395,00 (trezentos e noventa e cinco reais), para a campanha de seu marido, candidato a vereador na cidade de Osório-RS, nas Eleições de 2012.

Tenho, contudo, que a doação acima do valor legal resta confirmada por meio da análise dos rendimentos, ano-base de 2011, da representada e do exame da prestação de contas do candidato em questão (fls. 41-71).

Com efeito, a representada teve o rendimento anual de R$ 2.170,00 (dois mil cento e setenta reais) em 2011, conforme informação fornecida pela Receita Federal (fls. 25-33). Na prestação de contas do candidato a vereador em questão, os dois valores doados pela representada foram informados como valores pagos em dinheiro para publicidade, sem trânsito pela conta do candidato (fl. 68v). Não resta dúvida quanto ao infringimento do § 1º, inc. I, do artigo 23 da Lei 9.504/97.

A representada alegou, ainda, erro na prestação de contas. Razão não lhe assiste. O parquet, em alegações finais assim também entendeu (fls.75v-76):

No caso dos autos, a demandada alega erro na prestação de contas, pretendendo, em sede de representação por doação acima do limite legal, retificar o suposto equívoco quanto ao declarado anteriormente à Justiça Eleitoral.

Razão não lhe assiste.

Com efeito, a prestação de contas consiste em procedimento de caráter jurisdicional através do qual os candidatos e comitês financeiros apresentam à Justiça Eleitoral os valores arrecadados na campanha, demonstrando as respectivas fontes e indicam o destino dos gastos eleitorais.

A responsabilidade pela elaboração da prestação de contas é do próprio candidato, seja majoritário ou proporcional (artigo 35, §3º, da Resolução nº 23.376/12), sendo o responsável, portanto, pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha (artigo 35, §2º, da Res. nº 23.376/12).

Assim, uma vez apresentadas as contas à Justiça Eleitoral e julgadas pelo órgão jurisdicional, ocorre a impossibilidade de alteração de seus dados, por força do princípio de preclusão.

Ademais, caso contrário, restaria inócua a norma sancionadora em questão eis que a pessoa jurídica ou física flagrada em doação acima do limite legal poderia eximir-se das consequências do ato mediante mera retificação da prestação de contas.

Portanto é inadmissível a argumentação defensiva da representada, de que não houve transparência na prestação de contas, visto que esta é declarada à Justiça Eleitoral e passa por exame para ser aprovada.

Como apontado pelo magistrado, não houve menção à cessão/locação de veículo quando oportunizados esclarecimentos e/ou complementação pelo candidato, marido da representada, na prestação de contas. Pelo contrário, o candidato apontou que as doações da ora representada se referiam a publicidade por jornais e revistas pagas por ela (fl. 68v).

Nesse cenário, afasto a aplicação do § 7º do supracitado artigo, o qual abriga a doação de bens e serviços, por restar comprovado não se tratar desse tipo de doação.

Assim, tenho por comprovada a doação acima do limite legal no valor excedente de R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais).

Neste ponto, a magistrada concluiu pela aplicação do princípio da insignificância, dado o baixo valor do montante excedente, com lastro em decisões anteriores desta Corte. Todavia, em julgados recentes, o TSE decidiu em sentido oposto, como se vê no acórdão exarado no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 713-45.2011.6.05.0013, de relatoria do Min. Dias Toffoli, assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.

ELEIÇÕES 2010. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL.

PESSOA FÍSICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO. MULTA APLICADA NO PATAMAR MÍNIMO. INOVAÇÃO RECURSAL.IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. DESPROVIMENTO.

1. Indevida inovação recursal e preclusão quanto a temas suscitados no agravo regimental.

2. Não há falar em aplicação do princípio da insignificância no âmbito da representação por doação de campanha acima do limite legal, incidindo a penalidade simplesmente em razão do desrespeito, pelo doador, aos limites objetivamente expressos na lei, sendo irrelevante o fato de ser ínfimo o valor excedido na doação, bem como a verificação de boa-fé.

3. Agravo regimental desprovido.

Filio-me a esse entendimento, em face da relevância dos bens jurídicos tutelados. Ao não coibir doações “insignificantes”, está-se incentivando os candidatos a captaram recursos por meio de diversas pequenas doações ilegais impunes que, somadas, podem acarretar desequilíbrio ao pleito. A análise dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade só tem lugar, nesta senda, quando da fixação da multa.

Assim, há de ser observada a legislação em sua integralidade, não havendo fundamento à mitigação, de modo que impende reformar a sentença para que, reconhecido o excesso na doação, surta os efeitos legais previstos.

Prevê o supracitado § 3º a aplicação de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso. Não vejo, no caso, razões à aplicação da penalidade em seu patamar máximo; ao revés, entendo razoável a cominação de multa no seu mínimo legal, qual seja, no valor de cinco vezes o excedente doado, perfazendo o total de R$ 890,00 (oitocentos e noventa reais).

Todavia, deixo de aplicar a sanção relativa à inelegibilidade, porque esta Corte sedimentou o entendimento de que a aferição da incidência da hipótese é matéria da competência do juiz responsável pelo registro de candidatura, a ser verificada nessa ocasião.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso e pelo seu provimento, reformando a sentença para julgar procedente a ação e cominar multa no valor de R$ 890,00 (oitocentos e noventa reais) à representada ANDREA SOUZA TEIXEIRA GONÇALVES.