RE - 77559 - Sessão: 14/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA DE CHAPADA contra sentença do Juízo da 15ª Zona Eleitoral – Carazinho que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta em desfavor de CARLOS ALZENIR CATTO, prefeito de Chapada, eleito em 2012, e LOIVA MIRNA GAUER, respectiva vice-prefeita, não reconhecendo o alegado abuso de poder consubstanciado na prática da conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 (fls. 169-170).

Em suas razões (fls. 173-178), sustenta que restaram comprovados nos autos fatos que incriminariam os recorridos, pois existiriam vários vídeos, juntados aos autos, que demonstrariam claramente a prática de “boca de urna” e “abuso de poder econômico com compra de votos” no dia da eleição municipal de 2012. Requer a procedência do recurso, para que seja reformada a sentença.

Apresentadas contrarrazões (fls. 180-185).

Nesta instância, opinou a Procuradoria Regional Eleitoral pelo desprovimento do recurso (fls. 187-189.).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto no prazo de três dias, conforme estabelece o art. 31 da Resolução TSE n. 23.367/2011.

No mérito, cuida-se de suposta prática de boca de urna, abuso de poder e captação ilícita de sufrágio, os quais teriam sido perpetrados pelos representados CARLOS (atual prefeito de Chapada) e LOIVA (atual vice-prefeita de Chapada) no dia da eleição municipal de 2012, naquela localidade, visto que, conforme a inicial, fl. 04:

[…] existem vários vídeos onde demonstram que correligionários e parentes próximos do candidato eleito a prefeito de Chapada/RS CARLOS ALZENIR CATTO, passam todo o dia das eleições em frente a principal seção eleitoral do centro da cidade de Chapada, no pavilhão católico, fazendo compra de votos, atacando carros que passam pela rua em flagrante “boca de urna”. Nos vídeos, pode-se ver claramente a participação de fiscais (devidamente identificado por crachá) e comissários da coligação do candidato eleito.

Em relação ao tema, importa mencionar que o art. 14, § 9º, da Constituição Federal assegura a defesa da normalidade e legitimidade das eleições, dele defluindo a Lei Complementar n. 64/1990, na qual se encontra a Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Nessa linha, lição de Rodrigo López Zilio (ZILIO, Rodrigo Lópes. Direito Eleitoral. 3. ed. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico,  pág. 441.) sobre as hipóteses de cabimento da AIJE:

São hipóteses materiais de cabimento da AIJE a prática de abuso do poder econômico, abuso do poder de autoridade (ou político), utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e transgressão de valores pecuniários. O abuso de poder é conceituado como qualquer ato, doloso ou culposo, de inobservância das regras de legalidade, com consequências jurídicas negativas na esfera do direito.

Ou seja, nítido que a AIJE é o meio processual indicado para combater, em sentido largo, as práticas de abuso de poder, como as narradas no presente recurso.

Todavia, pela gravidade em tese dos atos em si, das sanções também em tese cominadas, e sobretudo por se tratar da imputação mais frequentemente realizada, na espécie, pelo recorrente aos recorridos, mister sejam esclarecidas algumas circunstâncias da captação ilícita de sufrágio.

Francisco Sanseverino (SANSEVERINO, Francisco. Compra de Votos: análise a partir dos princípios constitucionais. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2007, p. 274) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 protege, de forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, de maneira mais específica, resguarda o direito de votar do eleitor e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações. Assevera o autor, ainda, que, para o enquadramento da conduta na moldura legal, deve haver a compra ou negociação do voto, com promessas de vantagens que corrompam o eleitor.

Ao caso dos autos, contudo, não há prova da ocorrência da suposta prática de captação ilícita de sufrágio, conforme bem apontado na sentença recorrida, cujo excerto abaixo se transcreve:

Merece guarida, desde logo adianto, o pleito Ministerial, por inexistir prova robusta para a procedência da ação.

Com razão a nobre Promotora, pois o caderno probatório é insuficiente para respaldar juízo condenatório.

Ao valorar a prova, na senda da manifestação do Ministério Público e apreciando as gravações de imagens constantes dos autos, decorrentes de filmagens efetuadas, o que se vê são pessoas e veículos trafegando normalmente, coerente com o dia de eleições. Inexiste nitidez suficiente nas imagens a fim de esclarecer a natureza dos objetos supostamente passados nas mão de outra pessoa.

Logo, no mérito, é de ser acolhida, na íntegra, a promoção do Ministério Público eleitoral, da lavra da Promotora de Justiça Eleitoral, cujas razões reporto-me, a fim de evitar tautologia, fazendo parte integrante desta decisão, visto que de forma irrefutável apreciou a prova produzida e aplicou o melhor direito, não havendo reparos a serem feitos, ou análise a ser somada.

Nesse sentido, os demandantes não se desincumbiram do ônus de demonstrar os fatos constitutivos do seu direito, oitivas e gravações de imagens que integram os autos – cujos fundamentos adoto como razões decidir. (Grifei.)

Note-se que a caracterização da captação ilícita de sufrágio vem definida por Zilio (Op. cit., p. 490-491) nos seguintes termos:

Captação ilícita de sufrágio, em verdade, é uma das facetas da corrupção eleitoral e pode ser resumida como ato de compra de votos. Tratando-se de ato de corrupção necessariamente se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido. Em síntese, a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição). (Grifei.)

Nessa linha, a alegada captação ilícita de sufrágio não se configurou sob quaisquer dos supostos supra elencados, visto que os elementos que informam a demanda não tiveram o condão de (1) comprovar a compra ou negociação de votos; (2) demonstrar qualquer espécie de dolo específico para a compra ou a negociação de votos de parte dos representados e, também, (3) não se identificando eleitores que supostamente tiveram seus votos comprados.

Ainda, e já adentrando às acusações de “boca de urna” e abuso de poder, a grei recorrente sustenta que os vídeos “comprovam verdadeiros ataques dos correligionários do prefeito eleito a veículos e pessoas que circulavam nas proximidades da secção eleitoral, inclusive dando certamente panfletos, “santinhos” e ainda dinheiro, como é o caso do vídeo onde aparece o senhor Paulo Catto e um fiscal do PDT devidamente identificado pelo crachá em atitudes muito suspeitas, atacando um casal e passando ao homem dinheiro, depois de um verdadeiro “balé de roda”, para evitar que fossem flagrados, como o foram” (fl. 174).

Não se pode chegar a tanto. O que os vídeos demonstram são abordagens, aproximações de pessoas a veículos, não se podendo afirmar veementemente quais atitudes foram tomadas, o teor das conversas e, muito menos, tenham sido praticados ilícitos eleitorais, seajm a prática de boca de urna, de abuso de poder ou de captação ilícita de sufrágio.

Evoca-se, aqui, o parecer do Ministério Público Eleitoral atuante na origem, fl. 167:

Com efeito, as imagens constantes no CDs trazidos com a inicial, por si só, não trazem provas conclusivas sobre a compra de votos. O que se vê são pessoas e veículos transitando normalmente, próprios em dia de eleições, sendo que ausente nitidez suficiente nas imagens para esclarecer a natureza dos objetos porventura passados nas mãos de uma pessoa e outra. (Grifei.)

A reforçar o exposto, manifestação do d. Procurador Regional Eleitoral, fl. 188, no sentido de que “com a devida vênia dos recorrentes, não se observam elementos probatórios suficientes a suportar um juízo de procedência da ação”, trazendo inclusive precedentes deste Regional na linha de que a condenação como a pretendida há de ser amparada em prova judicial classificada como “segura e consistente” (RP 527823, acórdão de 22.11.2011, rel. Dr. LEONARDO SALDANHA, DEJERS de 24.11.2011) ou “robusta, estreme de dúvidas” (RE n. 274462, acórdão de 14.06.2011, rel. Dr. EDUARDO WERLANG, DEJERS de 16.06.2011).

À vista das considerações traçadas, verifica-se a ausência de certeza quanto à prática das condutas apontadas, capaz de trazer desequilíbrio entre os concorrentes ou ofensa à normalidade e legitimidade do pleito, não se podendo atrair um juízo condenatório aos representados.

Desse modo, deve ser mantida a sentença exarada pelo julgador de primeiro grau.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.