RC - 1288 - Sessão: 26/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e por LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI contra sentença (fls. 447-461) do Juízo Eleitoral da 26ª Zona Eleitoral - Jaguari em caso que se apurou a prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Referida decisão absolveu os denunciados ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES, LUIZ ANTÔNIO HAUTH e HÉLIO GENÉSIO PIVETTA da denúncia, e condenou LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI a um ano de reclusão e multa de cinco dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo o dia-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direito – prestação de serviços à comunidade, pela duração da pena originariamente imposta.

O Parquet apresenta recurso, fls. 463-467, no qual defende haver elementos de materialidade e de autoria dos ilícitos também em relação a ANA MARIA e a LUIZ ANTÔNIO. Indica os testemunhos que dariam guarida a tal posicionamento, especialmente os das testemunhas Maria Zenaide e Vera Lúcia e, ao final, pugna pelo provimento recursal.

O condenado LEONEL VICENTE também interpôs recurso (fls. 469-476). Em suas razões indica a necessidade de reforma da sentença, uma vez que teria ocorrido uma “orquestração” por parte da coligação adversária. Colaciona jurisprudência e requer o provimento do recurso, a fim de que seja reformada a sentença de primeiro grau.

Apresentadas as contrarrazões de ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES (fls. 484-488) e LUIZ ANTÔNIO HAUTH (fls. 489-495), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 498-503v.), que opinou pelo desprovimento de ambos os recursos, mantendo-se a sentença nos exatos moldes em que proferida.

É o breve relatório.

 

VOTOS

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Os recursos merecem ser recebidos, pois interpostos no prazo de 10 dias previsto no artigo 362 do Código Eleitoral, conforme fl. 462 e verso, e interposições recursais, fls. 463 e 469.

Mérito

O presente recurso visa à condenação, por duas vezes, do recorrido pela prática do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral, que consiste em:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze-dias multa.

Muito embora com interesses diametralmente opostos, os recursos requerem a esta Corte, fundamentalmente, reexame da causa em idêntico ponto, qual seja, o sopesamento da prova colhida, totalmente testemunhal.

Serão, portanto, analisados em conjunto.

Aos fatos.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu denúncia originária contra ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE, CLÁUDIA PESSOTA MILITZ, LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI, ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES, EDI VANIR LENZ DE VARGAS, MARCOS KAISER ARAUJO, JOÃO MÁRIO CRISTÓFARI, EDSON ALMEIDA DOS SANTOS, LUIZ ANTÔNIO HAUTH, MARIA ZENAIDE DA SILVA CALIXTRO, HELIO GENÉSIO PIVETTA, TANISE MOREIRA DA SILVEIRA.

Operaram-se cisões processuais e restaram em julgamento o terceiro, quarto, sexto e oitavo fatos delituosos constantes na denúncia, envolvendo os réus LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI, ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES, LUIZ ANTÔNIO HAUTH e HELIO GENÉSIO PIVETTA como incursos nas sanções, em tese, do artigo 299, do Código Eleitoral.

Veja-se o teor dos fatos:

3º Fato: “No dia 05 de outubro de 2012, por volta das 15horas, na residência de ELZIRA DA ENCARNAÇÃO ERD, na Rua Ijucapirama, próximo ao Clube de Jucapirama, 3º Distrito, Jaguari/RS, o denunciado LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI, Secretário Municipal Adjunto de Obras, há época, na gestão do prefeito João Mário Cristófari, prometeu uma bomba para puxar água, fios e mangueiras para a instalação à ELZIRA, para obter voto desta para João Mário Cristófari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012.

Na ocasião, o denunciado LEONEL, tripulando um veículo com adesivo do “15” (Coligação Jaguari no Rumo Certo, do candidato João Mário Cristófari), compareceu na residência de ELZIRA e prometeu a ela que lhe daria uma bomba para puxar água, fios e mangueiras para instalação, para obter voto dela para João Mário Cristofari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012”.

4º Fato: “No dia 20 de setembro de 2012, por volta das 16h30min, na residência de EDI VANIR LENZ DE VARGAS, na rua H, nº 140, Consolata, Jaguari/RS, a denunciada ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES, que trabalhava na Secretaria de Assistência Social, há época na gestão do prefeito João Mário Cristófari, deu a quantia de R$ 80,00 (oitenta reais), em moeda corrente nacional, à EDI e prometeu a esta materiais de construção, para obter voto desta para João Mário Cristófari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012.

Na oportunidade, a denunciada ANA MARIA, juntamente com outra mulher não identificada, compareceu na residência de EDI, sendo que, ao avistar uma placa do candidato à prefeito Ivo José Patias afixada na residência, deu a EDI a quantia de R$ 80,00 (oitenta reais), em moeda corrente nacional, para que retirasse a placa e, no lugar, colocasse a do candidato João Mário Cristófari, bem como, para obter voto da mesma para João Mário Cristófari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito de 2012.
A denunciada ANA MARIA também prometeu a EDI materiais de construção, para obter voto dela para João Mário Cristofari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012.

EDI utilizou quase que a totalidade da quantia recebida em dinheiro da denunciada ANA MARIA para efetuar compras de gêneros alimentícios no Mercado Minuzzi”.

6º Fato: “No dia 05 de outubro de 2012, por volta das 15horas, na residência de MARIA ZENAIDE DA SILVA CALIXTRO, na rua H, nº 70, Consolata, Jaguari/RS, o denunciado LUIZ ANTONIO HAUTH, que trabalhava para a Coligação Jaguari no Rumo Certo do candidato João Mário Cristófari, deu a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), em moeda corrente nacional, à MARIA ZENAIDE, para obter voto desta para João Mário Cristófari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012.

Na oportunidade, o denunciado LUIZ ANTONIO compareceu na residência de MARIA ZENAIDE, pediu a ela um chimarrão, tendo-lhe dado um santinho da Coligação do candidato João Mário Cristófari, dobrado, contendo no interior, a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), em duas cédulas de R$ 100,00 (cem reais), pra obter o voto dela para João Mário Cristofari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito municipal, nas eleições de 2012, tendo dito: “Votem no homem”.

O fato foi testemunhado por Vera Lúcia Pessota Militz, que se encontrava na residência de MARIA ZENAIDE, tomando chimarrão.

Com os valores entregues pelos denunciados, MARIA ZENAIDE adquiriu gêneros alimentícios no Mercado Rede Vivo e efetuou o pagamento de contas”.

8º Fato: “No dia 07 de outubro de 2012, por volta das 09horas10min, na estrada da Localidade de Boa Vista, próximo ao Clube Boa Vista, em via pública, Jaguari/RS, o denunciado HELIO GENÉSIO PIVETTA, candidato a vereador nas eleições municipais de 2012, deu a quantia de R$ 20,00 (vinte reais), em moeda corrente nacional, a MARCOS KAISER ARAUJO, para obter voto deste para si e para João Mário Cristófari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012.

Na oportunidade, o denunciado HELIO GENÉSIO, tripulando um veículo, encontrou-se com MARCOS, que tripulava uma motocicleta, tendo dado a este a quantia de R$ 20,00 (vinte reais), em moeda corrente nacional, para obter o voto de MARCOS para si e para João Mário Cristófari, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, no pleito municipal de 2012, tendo dito: “dá uma mão para nós”.

O fato foi testemunhado por Valcir Jose Del Agnese e José Luiz Bonotto, sendo que, após o denunciado HELIO GENÉSIO sair do local, Valcir, sogro de MARCOS, aproximou-se deste e disse: Parece que tá te comprando, ganhou um troco?”, tendo MARCOS respondido: “só uns vintão para a viagem”, negando, a seguir, ter recebido qualquer valor”.

Durante a instrução processual foram ouvidas as testemunhas e, ao final da audiência, interrogados os réus (fl. 397 e v). Encerrada a instrução processual, foram atualizados os antecedentes eleitorais dos acusados.

Houve memoriais do Ministério Público Eleitoral, fls. 429-433, de LEONEL VICENTE e ANA MARIA (fls. 436-440) e LUIZ ANTÔNIO HAUTH (fls. 441-445).

Adveio sentença, nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral para:

CONDENAR LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI, já qualificado, como incurso nas sanções do artigo 299, do Código Eleitoral, nas penas que passo a fixar; ABSOLVER ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES, LUIZ ANTÔNIO HAUTH e HÉLIO GENÉSIO PIVETTA, já qualificados, da imputação que lhes foi feita (artigo 299, do Código Eleitoral), o que faço com base no artigo 386, in ciso VII do Código de Processo Penal.

Dosimetria da pena de LEONEL VICENTE BOTEZELE MINUZZI: Considerando o que dispõe o artigo 59, do Código Penal, observo que o grau de reprovabilidade social é o comum para esta espécie de delito, pois o réu possuía consciência da ilicitude de sua conduta, o que denota culpabilidade em grau médio. O réu não possui antecedentes criminais. Não há elementos para análise de sua conduta social e personalidade. A motivação diz com a tentativa de angariar votos. Não há especiais circunstâncias ou consequências a serem consideradas. Não há que se falar em comportamento da vítima.

Fixo a pena-base em 01 (UM) ANO DE RECLUSÃO e 05 (CINCO) DIAS-MULTA, fixada em 1/30 do salário mínimo, o dia multa.
Não existindo outras causas modificadoras a serem consideradas, fixo a pena em definitivo em 01 (UM) ANO DE RECLUSÃO. Inalterada permanece a multa.

Merece relevo, como aliás já apontado por ocasião da prolação da sentença, de que o acervo probatório foi construído com base nos testemunhos colhidos, merecendo relevância os relatos colhidos na fase judicial.

E, dos fatos indicados, apenas relativamente ao terceiro fato é que há consistência probatória suficiente, de maneira que a sentença não merece reparos, quer para condenar também ANA MARIA, LUIZ ANTÔNIO e HÉLIO GENÉSIO, como pretende o Ministério Público Eleitoral; quer para absolver LEONEL VICENTE, como pretende a defesa do condenado.

Relativamente ao terceiro fato, a testemunha ELZIRA DA ENCARNAÇÃO ERD afirmou em juízo, de forma firme e coerente, o que já havia declarado em seara policial: o denunciado LEONEL VICENTE esteve na casa de sua filha, sozinho, em um carro com adesivos, e que lhe ofereceu uma bomba, mangueiras e fios para água, mas que em troca ela haveria de votar no candidato João Mário, o que não foi aceito pela depoente, eis que já tinha candidato, o adversário de João Mário - Ivo Patias.

Nessa linha, transcrevo trecho da sentença:

[...]

Além disso, é necessário observar que Leonel e Elzira não se conheciam, não havendo nenhum elemento que indique estar ela o acusando injustamente, ao passo que Leonel sequer era candidato no último pleito.

Nestas circunstâncias, destaco que o fato de Elzira apoiar o partido político opositor não determina que sua palavra não seja digna de fé, sendo inafastável a análise de suas condições pessoais, senhora simples, residente no interior do Município, que sequer água encanada possui em sua residência, mas que se mostrou firme e coerente em seus relatos.

No ponto, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, fl. 500, por elucidativo e por externar posicionamento ao qual me filio:

Observa-se nos autos que a versão apresentada em sede inquisitorial (fls. 28 e 36) por ELZIRA DA ENCARNAÇÃO ERD se encontra em perfeita harmonia com aquela declinada no curso da instrução processual (arquivo de vídeo KT_1082~2602_Video.wmv armazenado na mídia óptica acostada à fl. 410), a saber, a de que LEONEL VICENTE teria visitado sua casa em um veículo esverdeado com adesivos do 15, ocasião em que lhe prometeu os materiais descritos na denúncia (bomba de puxar água, os fios e mangueiras de instalação) caso votasse no então candidato João Mário.

Agregue-se ao exposto três circunstâncias para um juízo de credibilidade ao depoimento de Elzira. A primeira, a de que o recorrente LEONEL VICENTE ocupava na época o cargo de Secretário Municipal Adjunto de Obras na Gestão do então prefeito, candidato à reeleição João Mário Cristófari; a segunda, a da especificidade da oferta – equipamentos para ligação de abastecimento de água potável; e, mais importante, a terceira, de que antes do ocorrido Elzira e LEONEL não se conheciam pessoalmente.

Ora, sendo Elzira pessoa simples, a ponto de não possuir em sua casa água encanada, a proposta de corrupção eleitoral absolutamente correlacionada ao cargo ocupado pelo réu LEONEL VICENTE, com o oferecimento dádivas tão específicas, tem força e coerência a indicar a condenação.

Quanto ao quarto fato narrado, EDI VANIR LENZ DE VARGAS, ouvida em juízo na condição de informante (também foi denunciada) narrou que ANA MARIA esteve em sua casa para que retirasse a placa do candidato Ivo Patias e colocasse a placa do candidato João Mário, em troca de R$ 80,00 (oitenta reais). Afirmou que Ana Maria também lhe prometeu material de construção.

Tudo faria supor, também aqui, pelo juízo de condenação; contudo, surgem contradições e vácuos de prova quanto aos fatos, que esvaziam o depoimento de EDI VANIR, mormente se considerada sua condição de informante.

Nessa linha, note-se que PEDRO ELOI MACIEL (companheiro de EDI VANIR) afirmou que não presenciou o fato, e que EDI lhe falou ter recebido dinheiro apenas por ocasião de sua oitiva na delegacia de polícia, mas que não havia indicado o nome de Ana Maria como a pessoa que lhe entregou o dinheiro. PEDRO também não soube indicar se EDI havia recebido o valor para votar no candidato João Mário. Ainda, relatou que em sua residência havia uma placa do candidato Ivo Patias.

E os demais testemunhos enfraquecem ainda mais o juízo de certeza acerca das circunstâncias havidas.

Veja-se, novamente, trecho da sentença:

[...]

Todavia, na fase policial, Edi Vanir prestou informações diversas destas, dizendo que Ana Maria esteve acompanhada de outra mulher naquela oportunidade e que seu marido Pedro Maciel chegou em casa e ficou bravo. Na fase policial ela referiu ainda que um senhor colocou um poste de madeira no pátio de sua casa para que votassem em João Mário, informações não confirmadas em Juízo.

ANA MARIA DE VARGAS GONÇALVES, interrogada em Juízo, negou a prática do fato narrado na denúncia, afirmando que não esteve na residência de Edi Vanir e a conheceu no fórum. Informou que na época sua filha sofreu um acidente doméstico e estava envolvida com os cuidados à filha e assim não saia de casa pois tinha que prestar cuidados a ela. Afirmou que trabalhou na campanha eleitoral até meados de setembro, quando ocorreu o fato envolvendo sua filha.

Ouvido em Juízo o médico VOLTER ROMIL MALGARIN DA ROSA confirmou ter realizado atendimentos à filha da ré Ana Maria de Vargas Gonçalves, nada sabendo sobre os fatos narrados na denúncia.

Diante das contradições existente entre a prova colhida na fase policial e judicial, bem como em face do álibi apresentado pelo denunciada Ana Maria, concluo que não existem provas suficientes sobre o fato narrado na denúncia.

Assim, havendo dúvida, inafastável que a mesma seja considerada em benefício da acusada.

No parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, fl. 501v, há exposição de razões que corroboram o juízo singular, as quais tomo como razões de decidir:

[…]

As discrepâncias, não se discute, são circunstâncias alheias à compra de voto propriamente dita (verbo nuclear do tipo); contudo, não se pode olvidar que as declarações acima não encontram suporte em qualquer outro elemento de prova nos autos, situação que impõe uma valoração orientada pelo princípio da cautela e necessariamente restritiva.

Além do mais, vem a enfraquecer ainda mais a carga probante das declarações de EDI VANIR e seu esposo Pedro Maciel o álibi apresentado pela ré ANA MARIA DE VARGAS em juízo (arquivo de vídeo KT_1098~2672_Video.wmv armazenado na mídia óptica acostada à fl. 423), segundo o qual se encontrava afastada de suas atividades ordinárias em virtude de tratamento médico pelo qual passava sua filha gabriela Gonçalves por ocasião da ocorrência dos fatos; em juízo, o médico Volter Romil Malgerin da Rosa confirmou o atendimento médico prestado à filha de ANA MARIA no referido período (arquivo de vídeo KT_1082~2606_Video.wmv armazenado na mídia óptica acostada à fl. 410).

Pelas razões acima expostas e em virtude da impossibilidade da formação de um juízo suficientemente seguro acerca da autoria delitiva, o recurso ministerial não merece acolhido no ponto.

O sexto fato narrado talvez seja, dentre todos, o que possui circunstâncias probatórias mais nebulosas, pois não há depoimentos convergentes nem mesmo no que diz respeito aos fatos centrais. Note-se que MARIA ZENAIDE DA SILVA CALIXTRO, ouvida na condição de informante, afirma (em juízo) que LUIZ ANTÔNIO chegou em sua residência e pediu um chimarrão. Ao receber a cuia, LUIZ ANTÔNIO teria repassado à depoente um santinho, dentro do qual havia duas notas de R$ 50,00 (cinquenta reais). LUIZ ainda teria dito para “votar no homem” e “confiar nele”. MARIA ZENAIDE ainda informou que VERA LÚCIA estaria junto a ela, tendo visto o ocorrido. Ainda referiu que, após a saída de LUIZ ANTÔNIO, VERA LÚCIA comentou que era errado pegar dinheiro, mas como precisava, pegou e comprou alimentos.

Reproduzo trecho da sentença recorrida, mais uma vez:

Na fase policial, no que interessa, Maria Zenaide narrou que Luizinho chegou em sua casa, sentou, tomou chimarrão e disse: vou te dar um santinho. Que pegou o referido santinho que era um panfleto de propaganda eleitoral e dentro dele havia duzentos reais, duas notas de cem reais. Narrou que Vera Lúcia estava junto e disse que iria contar e Luizinho disse: “fica quieta que o teu vem depois”.

No entanto, VERA LÚCIA PESSOTA MILITZ, em Juízo, disse que estava na residência de Maria Zenaide quando o réu Luiz Antônio esteve na residência dela. Disse que ela recebeu dinheiro, mas não ouviu ninguém falar em compra de voto ou em política, nem o termo “votem no homem”. Confirmou que Luiz entregou duzentos reais para Maria Zenaide. Confirmou que Maria Zenaide tinha placa do candidato Ivo em sua residência e que não a retirou. Referiu que trabalhou na campanha eleitoral do candidato Ivo Patias, sendo que sempre foi do PDT.

LUIZ ANTÔNIO HAUTH, interrogado na fase judicial, confirmou que esteve na residência de Maria Zenaide, pois trabalhava como plaqueiro do PMDB. Referiu que Maria começou trabalhando com o PMDB e depois saiu para o outro partido. Disse que em certa oportunidade Maria Zenaide passou no comitê do PMDB e pediu que fosse colocada uma placa na sua residência. Em função disso, por ser o plaqueiro, foi até a casa de Maria Zenaide, bateu palmas em frente, ela o recebeu e saiu da casa, tanto que quem assinou o termo de autorização de colocação da placa não foi ela e sim um homem. Afirmou que não viu Vera Lúcia na residência de Maria e quem estava lá era um homem que conhece por Alcenir. Disse que colocou a placa em frente a casa, mas não entrou e não tomou mate, nem entregou santinho do candidato a ela, apenas colocou a placa.

No que tange a este fato, igualmente, em pese exista indícios de que tenha ocorrido, tenho que a prova produzia não traz certeza, uma vez que as contradições verificas nos depoimentos na fase policial e judicial afastam credibilidade do relatos dos depoentes.

Em consequência destas contradições, tenho que não há prova segura para embasar a condenação, sendo a absolvição, por insuficiência de provas, medida que se impõe. 

As contradições são claras. Nenhuma circunstância resta suficientemente firme em relação ao sexto fato narrado, de forma que não há reparos a serem feitos na decisão de 1° grau.

Mais uma vez, igualmente, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

[…]

Ainda que as declarações de MARIA ZENAIDE e Vera Lúcia tenham se revelado harmônicas entre si em sede inquisitorial, subsistem nos autos pontos de divergência que infirmam sensivelmente o juízo de convicção acerca do ocorrido.

O primeiro deles está com a própria versão, no mínimo suspeita, apresentada por MARIA ZENAIDE DA SILVA CALIXTRO de que LUIZ ANTÔNIO HAUTH teria lhe oferecido o valor de R$ 200,00 (duzentos reais) para que votasse no então candidato João Mário, quando abertamente declarado por aquela o seu apoio político à candidatura deste, mediante a afixação de uma placa defronte ao seu imóvel.

Além do mais, note-se que, inquirida, MARIA ZENAIDE declinou em juízo o recebimento de valor diverso daquele participado à autoridade policial por ocasião da sua oitiva (arquivo de video KT_1098~2670_Video.wmv armazenado na mídia óptica acostada à fl. 423).

Aliado a tudo isso, não se pode ignorar a razão pela qual MARIA ZENAIDE registrou a ocorrência policial que deflagrou a investigação do fato; como se observa de sua oitiva às fls. 57-58, a comunicação do suposto crime à autoridade policial decorreu da alegada negativa de auxílio junto à Assistência Social, circunstância que, evidentemente, fragiliza suas declarações.

A título de desfecho, e relativamente ao oitavo fato constante na denúncia, oportunidade na qual o denunciado HELIO GENÉSIO PIVETTA teria dado a quantia de R$ 20,00 (vinte reais) a MARCOS KAISER ARAUJO para obter voto deste para si e para João Mário Cristófari, VALDIR JOSÉ DEL AGNEZE, sogro de Marcos, narrou em juízo que estava a aproximadamente cinquenta metros quando viu Hélio Genésio parar sua camionete junto à motocicleta de Marcos. Disse que não ouviu o que eles conversaram, mas viu Hélio colocar a mão no bolso, afirmou não ter visto o que Hélio retirou do bolso, se era dinheiro ou outra coisa. Disse que tirou fotos do ocorrido pois era o dia da eleição, e JOSÉ LUIZ BONOTO afirmou que não sabe se Marcos recebeu dinheiro de Hélio, tendo visto apenas a conversa entre Hélio e Marcos, sem todavia ter escutado o teor da conversa.

O eleitor supostamente objeto da compra de voto, MARCOS KAISER ARAÚJO, ouvido como informante, narrou que HÉLIO parou para conversar, mas que não lhe pediu voto, ofereceu ou repassou valor algum. Disse que o fato se deu no dia da eleição, pela manhã, afirmação corroborada pelo candidato e réu HÉLIO, que quando interrogado negou a acusação, aduzindo que encontrou Marcos apenas para “dar adeus”.

A sentença assim sopesou a prova:

[...]

Como se verifica pela leitura dos depoimentos, Marcos nega que tenha recebido valores de Hélio Genésio, ao passo que Valdir e José não puderam tomar conhecimento da conversa pois estavam distantes do local.

No entanto, há que se considerar que o fato ocorreu na manhã do dia das eleições, sendo o réu candidato a vereador, trafegando no interior do Município “para dar uma volta”, sendo consabido que é proibido realizar campanha eleitoral neste dia, assim como transportar eleitores, ao passo que a fiscalização dos trabalhos eleitorais devem ser promovidos pelos respectivos fiscais dos partidos políticos.

Logo, não é improvável que o fato tenha ocorrido, mas para uma decisão condenatória o provável não é suficiente. É necessário que o fato seja provado, pois a dúvida reverte em favor do réu.

Assim, embora de forma limítrofe, há que se atribuir o benefício da dúvida em favor do réu, tendo em vista a ausência de elementos consistentes de prova.

Não há reparos a serem feitos na bem lançada sentença, que analisou adequadamente o contexto probatório constante nos autos, de modo que VOTO pelo desprovimento de ambos os recursos, para manter integralmente a sentença de 1º grau.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

A manifestação de Alzira contém contradições que tiram a confiabilidade do testemunho para condenar Leonel Vicente, razão pela qual, divirjo quanto à condenação do  mesmo. Relativamente ao restante, voto de acordo com a relatora.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Voto com a relatora.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Com a relatora.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho a divergência. Não estou colocando em cheque a testemunha, mas cada vez mais, nesse tipo de delito, tenho dúvidas quanto a condenar alguém baseado em apenas uma testemunha.