RE - 238 - Sessão: 10/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JEFERSON FERREIRA SILVEIRA (fl. 20) contra decisão do Juízo da 49ª Zona Eleitoral de São Gabriel que, durante processo de revisão do eleitorado, indeferiu requerimento para manter o seu domicílio eleitoral no Município de Santa Margarida do Sul por entender que não restou comprovado o domicílio ou vínculo patrimonial com o referido município (fls. 08/08v.)

Em seu pedido de reconsideração, o recorrente sustenta que, apesar de trabalhar no Município de São Gabriel, reside na casa de seus tios no Município de Santa Margarida do Sul e recebe bolsa de estudos da prefeitura municipal para frequentar o Curso de Administração da Universidade da Região da Campanha, cuja percepção depende de comprovação do domicílio por meio de seu título eleitoral. Aduz, ainda, que seu pai, Gerson Silveira, possui imóvel no município, o que demonstra o vínculo patrimonial para fins de prova do seu domicílio eleitoral (fls. 02 e 20).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 23/24v.).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

Admissibilidade

Preliminarmente, noto que o recurso foi interposto pelo próprio eleitor, sem a constituição de advogado e quando já havia transcorrido o prazo recursal de 03 dias previsto no art. 80 do Código Eleitoral, à medida que o recorrente foi intimado da decisão em 11.04.2014 (fl. 18v.) e o recurso interposto somente em 25.04.2014 (fl. 20).

Todavia, em que pese a interposição do recurso desacompanhado de advogado, e a sua intempestividade, tenho que a irresignação merece conhecimento, uma vez que se trata de procedimento de natureza administrativa, versado em matéria de ordem pública, como é o caso do domicílio eleitoral.

Cito, nesse sentido, o seguinte precedente deste Tribunal:

Recurso. Decisão que determinou o cancelamento de filiações partidárias efetuadas em duplicidade. Matéria preliminar afastada. Prejudicada a aferição da tempestividade recursal diante da intimação, por meio do DEJERS, à parte sem representação por procurador habilitado. Flexibilização da obrigação de assistência por advogado aos eleitores em procedimentos de cunho administrativo, versados em matéria de ordem pública, na seara eleitoral. Inexistência de comprovação hábil da comunicação de desfiliação dirigida ao partido ou à Justiça Eleitoral. Descumprimento da exigência prevista no artigo 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 6071 RS, Relator: DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 124, Data 12/07/2012, Página 2, grifei.).

Superadas essas preliminares, passo ao exame do mérito.

Mérito

No mérito, o recurso merece ser acolhido.

Os artigos 42, parágrafo único, e 55, inciso III, do Código Eleitoral, assim dispõem sobre o domicílio eleitoral:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.
(...)


Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1° A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

(...)

III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

É pacífico o entendimento de que o referido conceito não se confunde com o de domicílio civil. Aquele é mais amplo, abrangendo situações em que haja vínculo patrimonial, profissional ou comunitário com a cidade, conforme leciona José Jairo Gomes:

No Direito Eleitoral, o conceito de domicílio é mais flexível que no Direito Privado. Com efeito, o artigo 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.996/82, dispõe que, `para efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas. É essa igualmente a definição constante do artigo 42, parágrafo único, do Código Eleitoral. Logo, o Direito Eleitoral considera domicílio da pessoa o lugar de residência, habitação ou moradia, ou seja, não é necessário haver animus de permanência definitiva, conforme visto.
Tem sido admitido como domicílio eleitoral qualquer lugar em que o cidadão possua vínculo específico, o qual poderá ser familiar, econômico, social ou político (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4ª. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 110-111).

A jurisprudência do TSE consolidou-se no mesmo sentido, de modo a flexibilizar a norma inserta nos artigos supramencionados, admitindo como domicílio eleitoral o local onde o eleitor possua vínculos familiares, afetivos, ou econômicos, como se extrai das seguintes ementas:

DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - RESIDÊNCIA - ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) - VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III.

(RESPE nº 23.721/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18.3.2005.)

 

DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - RESIDÊNCIA - ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) - VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antigüidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III. (AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 4769, Acórdão nº 4769 de 02.10.2004, Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 17.12.2004, Página 316 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 3, Página 263.)

 

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA. DOMICÍLIO ELEITORAL. CARACTERIZADO. APELO PROVIDO.

Tendo o eleitor demonstrado seu vínculo com o município, defere-se o pedido de transferência. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 21829, Acórdão n. 21829 de 09.09.2004, Relator Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 01.10.2004, Página 150.)

 

No mesmo sentido, é a jurisprudência desta Corte, consoante ementado:

Recurso. Decisão que julgou improcedente impugnação de transferência de domicílio eleitoral. Alegada residência temporária no município em que o eleitor presta serviço. Flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, identificado como lugar onde o eleitor tem vínculos patrimoniais, profissionais ou sociais. Desprovimento. (RE 46-81, Acórdão da sessão do dia 14.06.2012, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.)

 

Recurso. Decisão que julgou improcedente pedido de cancelamento de transferência e alistamento dos 57 eleitores recorridos.
Aludidos eleitores integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tendo instruído seus requerimentos de transferência com certidões de atendimento por agentes de saúde municipais.
Distinção entre os conceitos de domicílio eleitoral e domicílio civil. Amplitude maior daquele em relação a este, uma vez que abrange situações em que há vínculo profissional, patrimonial ou comunitário com o município, nos termos do art. 64 da Resolução TSE n. 20.132/98.
Condição especial dos recorridos como membros de movimento social desprovido de registros oficiais, chancelando o atendimento de saúde como única forma de evidenciar suas presenças na cidade para a qual requerem transferência eleitoral. Fragilidade, contudo, da referida prova - ante o caráter universal do atendimento médico -, que pode ser afastada pela comprovação da inexistência de ligação com a localidade. Provimento parcial, para cancelar o alistamento de 28 eleitores no tocante aos quais existem, nos autos, elementos que tornam duvidoso o vínculo por eles declarado com o município para o qual pretendem transferir-se. (RE 262008. Sessão do dia 29.07.2008, Relator Des. Federal Vilson Darós.)

No presente caso, a juíza sentenciante indeferiu o requerimento de revisão de dados cadastrais do eleitor, por entender ausente prova do seu domicílio no Município de Santa Margarida do Sul. Considerou existir contradição entre a certidão cartorária de fl. 14, em que consta que o recorrente declarou que residia e trabalhava no Município de São Gabriel (fl. 14), e as declarações prestadas quando do seu Requerimento de Alistamento Eleitoral (fl. 08) e do seu pedido de reconsideração (fl. 02).

Contudo, analisando os autos, verifico que, ao requerer a sua revisão cadastral, o eleitor declarou, sob as penas da lei, que residia no Município de Santa Margarida do Sul (fl. 08), circunstância que foi corroborada pela declaração de seu tio, Valdir Silveira, com firma reconhecida, constante do talonário de água de fl. 07, emitido em nome deste.

A certidão de fls. 03/04, emitida pelo Registro de Imóveis de São Gabriel, também constitui indício importante do vínculo familiar do recorrente com o Município de Santa Margarida do Sul. O seu pai, Gerson Silveira, possuía terras em condomínio com outros familiares na cidade, tendo, inclusive, bloco de produtor rural registrado na prefeitura do município (fl. 05). Daí ser oportuno referir que o recorrente mantém seu domicílio eleitoral no município desde 2011, conforme cópia de seu título eleitoral de fl. 13.

Além disso, o recorrente foi um dos beneficiados pelo Programa de Bolsas de Estudos para o 2º semestre de 2013, mantido pelo Município de Santa Margarida do Sul, para cursar Administração junto à Universidade da Região da Campanha (URCAMP), de acordo com a documentação de fls. 10/12, diante do que o indeferimento do seu pedido implicaria flagrante prejuízo à continuidade dos seus estudos.

Esse fato é decisivo no caso dos autos, porque demonstra que o eleitor efetivamente possui vínculo social com o Município de Santa Margarida do Sul, motivo pelo qual tem direito de ter reconhecido o seu domicílio eleitoral e participar das decisões políticas da localidade.

Pelo exposto, voto pelo provimento do recurso, para deferir o requerimento de revisão cadastral do recorrente, mantendo o seu domicílio eleitoral no Município de Santa Margarida do Sul.