RE - 34449 - Sessão: 21/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO TRAVESSEIRO NÃO PODE PARAR, QUEREMOS MAIS E MELHOR (PSB – PDT), PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB DE TRAVESSEIRO, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT DE TRAVESSEIRO, GENÉSIO ROQUE HOFSTETTER e VILSON NEITOR CORNELIUS em face da sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta contra RICARDO ROCKENBACH (Prefeito de Travesseiro, candidato à reeleição) e ARIBERTO QUINOT (Vice-Prefeito de Travesseiro), por prática de abuso de poder mediante entrega de brita, cascalho e prestação de serviços de retroescavadeira para os eleitores, às expensas da municipalidade, em troca de votos.

Em suas razões recursais, alegam que há nos autos provas capazes de ensejar a condenação dos representados por abuso de poder e a conduta vedada prevista no artigo 73, § 10, da Lei n. 9.504/97. Requerem a reforma da sentença com a procedência da representação, com a cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade dos recorridos (fls. 188-196).

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 204-214.

A Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo desprovimento do recurso (fls. 220-223).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece conhecimento.

De início, consigno que o feito já havia subido a esta Corte, obtendo decisão pela anulação da sentença de improcedência em razão da falta de abertura de prazo para alegações finais.

Com a baixa dos autos e a manifestação das partes, sobreveio nova sentença de improcedência da demanda consignando que, pelo que se evidencia dos documentos acostados pelos representados, os serviços questionados pelos representantes são fruto de atuação usual do Município, desde o advento da Lei Municipal de n. 125/95 até o atual diploma legal, qual seja, Lei Municipal de n. 920/2009, que disciplina a realização de serviços e fornecimento de materiais à população, de forma gratuita por estarem previstos como isentos na referida legislação (fl. 177).

Passo ao exame das razões de reforma.

Embora se trate de investigação judicial eleitoral, os fundamentos jurídicos apresentados remetem à representação por condutas vedadas a agentes públicos prevista no art. 73, incisos I, II, IV e § 10, da Lei 9.504/97, espécies de abuso de poder político, verbis:

Art. 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

[...]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

[...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

Nas razões recursais, os recorrentes afirmam que, em agosto de 2012, o candidato à reeleição como prefeito Ricardo Rockenbach e os demais recorridos praticaram abuso de poder econômico e condutas vedadas aos agentes públicos mediante fornecimento de brita ao eleitor Osvino Fach, brita e cascalho ao eleitor Adriano Mertz, bem como por meio da prestação de serviços com maquinário da prefeitura municipal nas moradias de Leila, servidora do município, Solano, Carlito Fucks, Marino Bettio e, também, Osvino Fach.

Os recorridos não negam a ocorrência dos fatos alegados, reconhecendo a cedência de máquinas de terraplanagem para as residências de Leila, Solano, Carlito Fucks, Marino Bettio e de Osvino Fach, e a entrega de cascalho e brita nas propriedades de Adriano Mertz e de Osvino Fach. Contudo, afirmam que tais serviços e doações ocorreram dentro dos ditames da legalidade, sustentando a alegação nas leis municipais juntadas aos autos. A tese defensiva é a de que as famílias foram assistidas com base na Lei Municipal n. 920/2009, do Município de Travesseiro, que regulamenta a realização de serviços com maquinário da prefeitura, fornecimento de materiais de construção para a população e prevê a possibilidade de concessão de isenção de pagamento pelos munícipes (fls. 44-47).

Os recorridos afirmam que todas as situações registradas pelas fotografias e declarações que acompanham a inicial estão amparadas em lei, não constituindo abuso de poder ou infração eleitoral.

Para explicar as fotografias e declarações acostadas na inicial, produzidas unilateralmente, prova que inclusive não foi judicializada porque os representantes não requereram dilação quando do ajuizamento da representação, os recorridos apresentaram defesa narrando, quanto aos serviços de terraplanagem, que o trabalho foi prestado à eleitora Leila para implementação de sua moradia, e que há previsão autorizadora na legislação municipal, o mesmo ocorrendo com os serviços prestados para Solano e Marino Bettio.

Em relação à terraplanagem realizada na propriedade de Adriano Mertz, afirmam que sua família tem como principal atividade a agricultura, tendo sido contemplada com verba para implementação de agroindústria no local através do Programa da Consulta Popular. Quanto aos serviços e materiais prestados a Osvino Fach, sustentam que o morador perdeu sua residência em uma enxurrada, razão pela qual recebeu uma nova moradia através da defesa civil do município. Por fim, afirmam que os serviços prestados para Carlito Fucks destinaram-se à implementação de projetos agropecuários estritamente ligados ao plantio.

Já os recorrentes afirmam que a conversa referida na inicial da representação, travada com a esposa de Adriano Mertz, comprovaria que a administração municipal entregou brita e cascalho à sua família sem prévia solicitação, porque era época de eleição. No entanto, conforme já referido, a prova não foi judicializada, não se sustentando a alegação.

De fato, na inicial os representantes não requereram a produção de provas, seja oral ou documental, elementos que fundamentariam a tese de abuso com viés eleitoral pela doação de bens e realização de serviços em troca do voto. Importante ressaltar que inclusive não há sequer a indicação do nome da eleitora que teria declarado a entrega de brita com intuito eleitoral.

Quanto à alegação de que os recorridos não comprovaram que assistiram famílias com base na legislação municipal e em programas sociais, observa-se que foram juntadas as autos cópias da Lei Municipal n. 920/2009, do Município de Travesseiro, que regulamenta a realização de serviços e fornecimento de materiais para a população com isenção de pagamento (fls. 44-47).

Para corroborar a tese defensiva, os recorridos juntaram aos autos os relatórios de despesas municipais do período compreendido entre os meses que antecedem as eleições, março a junho de 2012, e os meses posteriores, julho a outubro de 2012, em que se percebe não ter havido aumento de gastos, seja na Secretaria Municipal da Agricultura, seja na Secretaria de Obras e Viação (fls. 64-71).

Outra questão invocada em favor dos recorridos é a demonstração de que a receita com a prestação de serviços para particulares excedeu a previsão orçamentária dos dois anos anteriores ao pleito, conforme as fichas Razão de Receita juntadas aos autos, as quais indicam que em 2012 a prefeitura municipal esperava arrecadar R$ 15.000,00 com a prestação de serviços a particulares, mas arrecadou a quantia de R$ 29.537,18.

Porém, ainda que haja previsão na legislação municipal autorizando a prefeitura a efetuar a doação gratuita de material de construção aos moradores, bem como a realização de serviços de terraplanagem, a Lei das Eleições proíbe que no ano da eleição o administrador público efetue a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

No caso concreto, os recorridos reconheceram que a municipalidade realizou os serviços aos moradores no ano do pleito, porém não restou efetivamente demonstrado se os trabalhos ocorreram de forma gratuita ou onerosa, havendo afirmação de que Osvino perdeu sua casa devido a uma enxurrada e recebeu outra através da defesa civil, bem como que Adriano Mertz e Carlito Fucks são beneficiários de programas sociais ligados à agroindústria.

Se de um lado, as acusações estão amparadas unicamente em prova unilateral e não judicializada, de outro, há confirmação por parte dos recorridos acerca da ocorrência dos fatos, amparada na existência de lei municipal autorizadora, sem prova da ocorrência ou não de contraprestação pecuniária.

É de se referir que restou inconteste nos autos que é praxe no Município de Travesseiro a realização de obras com retroescavadeiras pertencentes ao município, as quais podem ser realizadas com ou sem o pagamento dos beneficiários.

A ressalva legal da conduta vedada para os programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior demonstra que o legislador dispensa um tratamento diferenciado ao administrador que possui um plano de governo de médio e longo prazo, em cujo projeto se inclui a prestação de serviços assistenciais aos necessitados, daquele administrador desprovido de uma estratégia governamental minimamente duradoura e que privilegia ações imediatistas, situação que dá ensejo à conotação eleitoral.

No caso concreto, tenho que a prova é fraca para a imputação de abuso ou intenção eleitoral por parte dos recorridos. O uso de maquinário da municipalidade para as melhorias das estradas e vias de acesso das propriedades privadas do interior tem evidente caráter de serviço público e é decorrente da própria característica econômica da região, calcada na produção agrícola.

Sem um conjunto probatório robusto e idôneo, mostra-se temerária a condenação com base em indícios e presunções, não tendo a acusação se desincumbido do ônus de provar suas alegações.

Apenas anote-se: ainda que haja lei municipal prevendo a execução de serviços com maquinário público e a doação de bens de forma gratuita aos munícipes, no ano da eleição, o chefe do executivo municipal, enquanto administrador público e candidato à reeleição, só pode beneficiar os eleitores de forma gratuita em regime de exceção, sob pena de flagrante violação à conduta vedada prevista no artigo 73, § 10. É dizer: no ano da eleição o serviço com maquinário da prefeitura deve ser cobrado pela administração pública. Confira-se:

RECURSO - REPRESENTAÇÃO ELEITORAL - ALEGADA UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA EM FAVOR DE CANDIDATO À REELEIÇÃO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE LIMPEZA DE TERRENO AUTORIZADA EM LEI E EM DECRETO E MEDIANTE PRÉVIO PAGAMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE - AUSÊNCIA DE PROVA DE CONOTAÇÃO ELEITORAL - IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO - DESPROVIMENTO DO RECURSO.

No presente caso, a prestação, mediante prévio pagamento, de serviços de limpeza de pequeno terreno urbano, não acidentado, autorizada em lei e em decreto e realizada sem prova de qualquer conotação eleitoral, não se insere no rol das condutas vedadas.

(TRE/SC, Recurso em Representação n. 1371, Acórdão n. 19283 de 09.09.2004, Relator Sebastião Ogê Muniz, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 09.09.2004.) (Grifei.)

Ao explicar a exceção relativa à autorização legal e ao programa social já instituído, Rodrigo López Zilio explica que programa social é aquele desenvolvido pela atividade governamental, de modo organizado, com cronograma específico e critérios objetivos, dirigido a pessoas hipossuficientes ou em vulnerabilidade social e que tem em vista o bem-estar da coletividade. A lei exige que o programa social tenha sido autorizado por lei, dando ênfase à necessidade de estrita observância ao princípio da legalidade pelo administrador público. […] Daí que o TSE assentou que “a instituição de programa social mediante decreto não atende à ressalva contida no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97.” (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 116967 – Rel. Nancy Andrighi). (Direito Eleitoral. 4 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014, p. 704.). (Grifei.)

Porém, as provas dos autos não são suficientes para demonstrar a efetiva ocorrência da prática de condutas vedadas, a finalidade eleitoral ou o abuso no agir dos recorridos, não havendo outro caminho que não a manutenção da sentença de improcedência diante da ausência de demais elementos de convicção.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.