RE - 59175 - Sessão: 01/07/2014 às 14:00

RELATÓRIO

A Coligação Aliança Por Três de Maio (PT – PMDB – PSB) ajuizou, em 16.11.2012, perante a 89ª Zona Eleitoral – Três de Maio, ação de investigação judicial eleitoral contra a COLIGAÇÃO TRÊS DE MAIO NO RUMO CERTO (PP – PDT – PTB – PR – PPS - DEM-PSB- PSD), OLÍVIO JOSÉ CASALI, prefeito reeleito daquele município e ELIANE TERESINHA ZUCATTO FISCHER, vice-prefeita eleita, por suposta prática de abuso de poder político e econômico. Alegou que os representados, por intermédio de Olívio Casali, então prefeito, fizeram uso do maquinário da municipalidade em obras destinadas a particulares, com a finalidade de obter-lhes o voto (fls. 02-11).

Em sua defesa, a coligação representada suscitou, preliminarmente, a) a decadência do direito de ação, por entender configurado seu ajuizamento tardio, tendo em vista que a citação dos partidos integrantes da coligação deu-se em 18.01.2013, data posterior à diplomação dos representados, e b) má-fé na propositura da demanda, que teria sido manejada como estratégia de embate eleitoral. No mérito, defendeu a inexistência de provas fortes e induvidosas acerca do cometimento de ato ilícito, uma vez que as indigitadas obras fariam parte das atividades administrativas regulares, desenvolvidas habitualmente pela prefeitura e realizadas somente após solicitação formalizada pelos beneficiários (fls. 45-115).

Olívio José Casali alegou, em preliminar, a) a inépcia da inicial, por confusa, dificultando a sua defesa plena, tendo em vista que o representante apontou afronta ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, mas ingressou com ação de investigação judicial eleitoral, sob os ditames da Lei Complementar n. 64/90, e b) a decadência do direito de ação, aduzindo que os partidos políticos, litisconsortes necessários, não foram incluídos na ação quando de sua propositura. No mérito, afirmou que Ari Baldaz, um dos supostos beneficiados com os serviços ofertados, sequer possui propriedade rural na localidade relatada. Quanto aos demais favorecidos, asseverou que os serviços de maquinaria foram efetivamente prestados, mas que estes ocorreram de modo regular (fls. 116-196).

Eliane Teresinha Zucatto Fischer alegou que não pode responder pelos fatos decorridos no período da campanha eleitoral, pois ela, servidora pública municipal, desincompatibilizou-se em razão da sua candidatura, e estava, portanto, afastada de qualquer atividade da administração. No mérito, negou a ocorrência de qualquer prática ilícita (fls. 39-43).

Foram ouvidas oito testemunhas em audiência (fls. 201-204). Termos às fls. 216-248.

Com alegações finais (fls. 251-278, 279-84, 285-90 e 291-305), os autos foram com vista ao Parquet eleitoral, o qual opinou pelo não acolhimento das preliminares arguidas e, no mérito, pela improcedência da demanda (fls. 306-311).

Sobreveio sentença, na qual o magistrado afastou as preliminares suscitadas e, por entender regulares os serviços prestados pela administração municipal, julgou improcedente a ação (fls. 313-315).

Irresignada, a representante recorreu. Em suas razões, sustentou, em síntese, que o abuso de poder político e econômico ficou bem demonstrado por meio dos testemunhos colhidos em audiência. Pugnou pelo provimento do recurso, para o fim de cancelar os diplomas de Olívio Casali e de Elaine Fischer, com a determinação de que seja realizada nova eleição para os cargos majoritários (fls. 317-331).

Com contrarrazões (fls. 334-352), subiram os autos e, nesta instância, foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 355-359).

É o relatório.

 

 

 

 

 

VOTO

Admissibilidade

O procurador da recorrente foi intimado em 10.06.2013 (fl. 316) e a peça recursal aportou em cartório no dia 13.6.2013 (fl. 317), dentro do tríduo legal, portanto.

Presentes os demais pressupostos legais, conheço do recurso.

Mérito

Para apuração do abuso de poder, quer seja ele de autoridade, político ou econômico, faz-se necessário restar demonstrada, modo inequívoco, a violação do bem jurídico protegido, qual seja, a normalidade e legitimidade do pleito.

Acerca do alcance do termo abuso, colho da doutrina de Jairo Gomes (Direito Eleitoral. Del Rey, Belo Horizonte, 5ª Edição, 2010, p. 167):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

Ademais, é de ser referido que, nos termos da nova redação do art. 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90, para a configuração do abuso deve ser considerada a gravidade das circunstâncias em que envolto o ato, não se perquirindo a sua potencialidade para afetar o pleito.

No caso sob análise, resta incontroversa a realização de obras a particulares, por parte da administração municipal, durante o mandato do Prefeito Olívio Cassali, reeleito nas eleições de 2012. A finalidade, eleitoreira ou não, dessas obras é que constitui o cerne da contenda recursal.

Cumpre referir que o ônus probatório quanto à ilicitude da conduta incumbe à parte autora.

O acervo dos autos conta com prova testemunhal que, ao meu sentir, não só não é suficiente para confirmar as afirmações da parte autora como, ao revés, oferece suporte à tese da defesa.

Colho da sentença do juiz eleitoral de Três de Maio as razões pelas quais me convenci pela improcedência da demanda. O magistrado, após análise detida da prova produzida e dos depoimentos prestados, entendeu não haver comprovação dos fatos descritos na preambular (313-315):

No caso dos autos, não vislumbro o abuso de poder referido na petição inicial. As obras de encascalhamento, abertura de valas, açudes, etc., prestados a particulares, enquadram-se na competência constitucional do ente público (serviços locais – art. 30, V, da CF/88), especialmente em municípios cuja receita provém, em grande parte, da atividade agropecuária. As mais diversas situações e dificuldades dos moradores da zona rural do município não podem esperar o término do período de campanha para que sejam sanadas, mediante o uso imprescindível de maquinário da administração pública, adquirido pelo município também para tais finalidades (serviços particulares de encascalhamento, abertura de valas, fossas, etc.).
Assim, conforme já salientei linhas acima, não há empecilho na prestação de tais serviços, desde que sem cunho eleitoreiro e de forma a atender normalmente a demanda existente. Nos autos não há qualquer evidência de que tenha havido incremento na realização destes serviços no período eleitoral, sendo que a regularidade na prestação dos serviços vai corroborada pelo relatório de horas do maquinários e operadores no ano de 2012 (fls. 208/211).
A maioria das testemunhas ouvidas, inclusive as arroladas pela autora, não apontaram qualquer captação de sufrágio ou finalidade eleitoreira na realização dos serviços. Somente a testemunha Blondina (fls. 216/219) referiu que o cascalho em sua propriedade foi trazido para que a eleitora votasse no candidato réu, o que teria sido dito pelo então vice-prefeito à época, Sr. João Mella.
Na seara eleitoral a prova testemunhal ganha cuidados extras aos já dispensados em julgamentos da seara cível. Com efeito, especialmente em municípios com população reduzida, pequenas cidades, o acirramento de ânimos e engajamento de simpatizantes na época de campanha é bastante notada. Assim, no mais das vezes, não há como saber se o relato da testemunha ouvida é realmente verossímil ou tendencioso. No cotejo de análise da prova testemunhal há que se considerar que a mesma, isolada e por vezes colidente com outros depoimentos, não tem o condão de ensejar as consequências nefastas da procedência total de uma ação eleitoral, com a cassação de registros/diplomas e declaração de inelegibilidades. Em suma, além da idoneidade do relato, devem haver outros elementos de prova além da testemunhal, salvo se esta, de forma inconteste, refletir ao julgador a realidade dos fatos de forma imparcial.
No caso dos autos a prova testemunhal é isolada, mostrando-se frágil para a imputação aos requeridos da prática de captação de sufrágio. Outrossim, mesmo admitindo-se como verdadeiro tal fato relatado pela testemunha Blondina, o que se faz a mero título argumentativo, o mesmo cingiu-se ao conhecimento da depoente, sem qualquer outro reflexo, havendo dúvida (pelo relato da depoente) se ocorreu a captação de sufrágio ou se houve somente pedido de voto por cabo eleitoral, inexistindo por tais razões indicativos da gravidade necessária à cassação e inelegibilidades requeridas, consoante análise em conformidade com o art. 22, inc. XVI, da LC 64/90.
Esclareça-se que não há, para as obras em comento, incidência das condutas vedadas do art. 73, IV e § 10 da Lei das Eleições. Assim prevêem tais preceitos legais:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
(...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006.)
Os serviços públicos em tela caracterizam-se como direitos fundamentais de segunda geração (prestações positivas), e não como programas sociais e muito menos doação aos particulares. Esses serviços mostram-se necessários à atividade rural e são prestados regularmente pela Administração de forma contínua.
A questão pertinente a cobrança de munícipes, posteriormente à eleição, de horas de trabalho das máquinas do município, restou esclarecida pelo documento de fl. 173 e depoimento do informante Edelmar (fls. 242/246). Com efeito, restou comprovado que a cobrança ocorreu em momento posterior à realização dos serviços considerando a ausência de previsão legal à época estabelecendo os respectivos valores da hora de trabalho do maquinário.

Como visto, não só não ficou demonstrada a ilicitude das obras, como revelou-se plausível a tese defensiva.

Assim, analisando o carreado aos autos, entendo, tal como o magistrado de origem, bem como ambas as instâncias do Ministério Público Eleitoral, que os fatos alegados na representação são desprovidos de suporte probatório suficiente para comprovar o ilícito apontado, não se tendo desincumbido a Coligação Aliança Por Três de Maio, portanto, do encargo que lhe cumpria.

Por fim, não há falar em abuso de poder, vez que não houve violação do bem jurídico tutelado pela norma de regência.

Dessarte, não comprovada a prática de ilícito eleitoral, deve-se manter a bem lançada sentença de improcedência.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pela COLIGAÇÃO ALIANÇA POR TRÊS DE MAIO (PT – PMDB - PSB), mantendo a sentença de improcedência da ação em seus integrais termos.