RE - 63448 - Sessão: 17/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO, TRABALHO E PROGRESSO (PMDB - PSB) contra sentença (fls. 820-825) que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada em desfavor de JOELCI DA ROSA JACOBS (Prefeito), SÉRGIO LUIZ MORSOLIN (Vice-Prefeito), LINDONES KONIG DOS SANTOS, MILTON DA SILVA QUADROS, SANLENARIA DA SILVA LOPES, MARIA ARLETE PAZZIN JACOBS, REJANI RODRIGUES DA ROSA, MARIA ANTONIA DE MATOS NEGRINI, SILVIO SANTANA MACHADO e COLIGAÇÃO UNIDOS FAREMOS MUITO MAIS (PRB - PP- PSDB). A sentença decidiu pela improcedência da ação, diante da ausência de provas de captação ilícita de sufrágio, bem como de condutas vedadas pelos agentes públicos em campanha (artigos 50, 51, 63, 67 e 69 da Resolução n. 23.370/2012 e os artigos 41-A, 73, 74, 78 da Lei n. 9.504/1997), no Município de Terra de Areia.

Em suas razões (fls. 829-830; 830v), os recorrentes alegam restar demonstrada nos autos a prática de condutas vedadas e a captação ilícita de sufrágio, através de condutas irregulares no cadastramento de beneficiários no Programa Bolsa Família, uma vez que haveria vinculação da concessão do referido benefício, ou promessa de concessão, ao voto nos candidatos e na coligação demandados. Também referem que parte dos candidatos teria recebido verbas de origem pública.

Com contrarrazões (fls. 833-841; 842-849; 850-858), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 861-865).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo.

A sentença foi publicada no DEJERS em 06.08.2013, uma terça-feira (fl. 828), e o recurso foi interposto no dia 07.08.2013 (fl. 829), uma quarta-feira. Observado, portanto, o prazo de 3 dias previsto na legislação eleitoral para o manejo do recurso.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Os fatos narrados na inicial consubstanciam-se, basicamente, em oferecimento de vantagem aos eleitores em troca de voto, os quais teriam sido praticados através de irregularidades na inclusão de beneficiários ao programa do Bolsa Família, quando teria ocorrido, também, a convocação para cadastramento no referido programa através de carro de som, na última semana da campanha eleitoral.

Os recorrentes afirmam que as condutas infringiram o art. 41-A da Lei das Eleições, o qual estabelece: "constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública […]".

O art. 73 do mesmo diploma legal também teria sido desrespeitado, uma vez verificada a participação de agentes públicos, cujas condutas teriam afetado a igualdade de oportunidades entre candidatos ao pleito.

Sobre o assunto, oportuna a lição do doutrinador Rodrigo López Zilio, o qual descreve as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/1997. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

(Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, pág. 502-503.)

Passo a análise dos fatos.

A Coligação representante sustenta que teria havido irregularidades no cadastramento do Programa do Governo Federal Bolsa Família, na medida que os representados Milton, Rejani, Maria Antonia e Silvio indicavam para cadastro pessoas de suas próprias famílias, que não cumpriam os requisitos exigidos, em troca de seus votos aos candidatos à majoritária, Joelci e Sérgio (reeleitos), bem como para que votassem em suas candidaturas à vereança. Destaca que a candidata à vereança, Sanlenaria, também foi beneficiária de verba do referido programa.

Conforme a representação, o suposto cadastramento irregular iniciava com a seleção de Lindones, funcionário da Prefeitura e candidato a vereador. Depois, Maria Arlete, Secretária Municipal da Assistência Social e esposa do então Prefeito candidato à reeleição, homologava os pedidos.

Acrescenta a recorrente que vários dos indicados possuiam empréstimos bancários junto ao Banco do Brasil pelo programa Pronaf. Outros, junto à Caixa Econômica Federal e ao Banrisul, o que os tornaria inaptos para integrar o Programa Bolsa Família.

Por fim, há o registro de que teria havido propaganda em carro de som na cidade de Terra de Areia, na segunda semana de campanha, convocando a população para recadastramento do Programa Bolsa Família.

Por oportuno, reproduzo texto sobre o Programa Bolsa Família, retirado do site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome:

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos.

Bolsa Família possui três eixos principais focados na transferência de renda, condicionalidades e ações e programas complementares. A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Já as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade.

O Programa atende mais de 13 milhões de famílias em todo território nacional de acordo com o perfil e tipos de benefícios: o básico, o variável, o variável vinculado ao adolescente (BVJ), o variável gestante (BVG) e o variável nutriz (BVN) e o Benefício para Superação da Extrema Pobreza (BSP).. Os valores dos benefícios pagos pelo PBF variam de acordo com as características de cada família - - considerando a renda mensal da família por pessoa, o número de crianças e adolescentes de até 17 anos, de gestantes, nutrizes e de componentes da família.

A gestão do Bolsa Família é descentralizada e compartilhada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Os entes federados trabalham em conjunto para aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução do Programa, instituído pela Lei 10.836/2004 e regulamentado pelo Decreto nº 5.209/2004.
A seleção das famílias para o PBF é feita com base nas informações registradas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento de coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de baixa renda existentes no Brasil.
Com base nesses dados, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) seleciona, de forma automatizada, as famílias que serão incluídas no PBF. No entanto, o cadastramento não implica a entrada imediata das famílias no Programa e o recebimento do benefício. (Grifei.)

Com base nas informações acima, resta claro que a renda tomada em conta pelo programa é a familiar. Assim, com o fim de pesar a regularidade da distribuição do auxílio, seria necessário analisar este tipo de rendimento dos beneficiados. Contudo, não existem nos autos elementos suficientes para tanto.

Ademais, é claro que a seleção, ainda que feita com base em cadastro elaborado com auxílio dos municípios, é de responsabilidade de vários entes da federação, sendo finalizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, tendo a municipalidade o papel estrito de coleta de dados dos interessados.

Outrossim, a alegação de que em período de campanha eleitoral o recorrido Lindonês Koning dos Santos gerenciava a seleção e contemplação das pessoas, resta esvaziada pelo ofício que consta na fl. 470, dirigido ao gerente da Caixa Econômica Federal, contendo, no teor, a exclusão do referido servidor da coordenação do Programa Bolsa Família. O documento é datado de 06.07.2012, momento anterior ao próprio período eleitoral.

No mesmo sentido é a manifestação do Promotor Eleitoral no Expediente de n. 01211.00051/2012, cujo objeto se identifica com o do presente feito – uso irregular do programa Bolsa Família (fl. 626v.):

Frise-se, outrossim, que as supostas irregularidades no recadastramento das famílias beneficiárias do Bolsa Família já foram objeto de investigação por esta Promotoria Eleitoral, com apoio do Cartório Eleitoral, em expediente próprio, sendo que nenhum ilícito foi apurado.

Ademais, nos autos não há comprovação de que tenha ocorrido a doação, o oferecimento, a promessa de inclusão do nome de pretendente no programa governamental em em troca de votos.

Há elementos que evidenciam que a gestão municipal não tinha (e não tem) o poder de garantir a qualquer inscrito o recebimento da benesse.

Com relação ao carro de som que conclamava os cidadãos ao cadastramento no programa em questão, não vislumbro a presença de qualquer irregularidade. Isso porque o chamamento para a inscrição e o recadastramento ao programa não se apresentou vinculado à alegada interferência no resultado das eleições.

Por todo o exposto, não reconheço a prática de condutas vedadas e nem a captação ilícita de sufrágio, uma vez que o conjunto probatório se afigura frágil, incapaz de lastrear as graves alegações que poderiam ensejar tão severa sanção.

Ademais, o TSE tem decidido que, "para caracterizar a captação ilícita de sufrágio, exige-se prova robusta de pelo menos uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997, da finalidade de obter o voto do eleitor e da participação ou anuência do candidato beneficiado" (Recurso Especial Eleitoral n° 36335 – Rel. Aldir Passarinho – julg. 15.02.2010).

Nesse sentido:

Recursos. Decisões no juízo originário que julgaram improcedentes representações por captação ilícita de sufrágio e por arrecadação e gastos ilícitos de campanha. Reunião de ambas irresignações, para julgamento conjunto, diante da relação de dependência entre as demandas. Partes e suporte fático comum a ambas as ações.

Fragilidade do acervo probatório, formado por testemunhos inconsistentes e aparentemente comprometidos com os candidatos da coligação adversária. Inexistência de prova judicial segura para demonstrar a alegada captação ilícita de sufrágio e, por consequência, a ocorrência de gasto ilícito de recursos. Provimento negado a ambos os recursos. (TRE/RS, Representação nº 527823, Acórdão de 22.11.2011, Relator(a) DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 203, Data 24.11.2011, Página 06.)

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ART. 22 LC 64/1990. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SULFRÁGIO. PROVA ROBUSTA. INEXISTENCIA. ART. 41-A LEI 9.504/1997. NEGADO PROVIMENTO. 1. Pelo rito do art. 22 da Lei Complementar nº64/1990 o momento oportuno para o autor apresentar o rol de testemunhas é na petição inicial sob pena de preclusão. 2. Para a configuração da captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença de prova robusta e inconteste, além da comprovação da participação direta ou indireta do candidato nos fatos tidos por ilegais, bem como da benesse ter sido ofertada em troca de votos. 3. Em face da inexistência de prova robusta nos eventos delatados, e a existência de contrato de serviços eleitorais, deve-se afastar a captação ilícita de sufrágio. 4. Negado provimento. (TRE-TO. RECURSO ELEITORAL nº 40694, Relator(a) JOSÉ RIBAMAR MENDES JÚNIOR, DJE 21.11.2012.) (Grifei.)

À vista dessas ponderações, VOTO no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo sentença exarada pelo Juízo da 77ª Zona Eleitoral.