HC - 9114 - Sessão: 24/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

De modo a evitar tautologia, valho-me do relatório da fl. 12, da lavra do Des. Marco Aurélio Heinz, produzido quando do enfrentamento do pedido liminar deduzido na inicial:

Vistos, etc.

Stephan Doering Darcie, Francis Rafael Beck e Débora Poeta Weyh impetram Habeas Corpus, em favor de Paulo Ricardo Beck, visando à concessão de ordem para que seja excluída da ação penal n. 26887, contra este intentada perante o juízo da 51ª Zona – por incurso no art. 39, § 5º, II e III, da Lei 9.504/97 –, uma das condições aceitas em audiência em sede de suspensão condicional do processo, consistente no pagamento de prestação pecuniária de meio salário mínimo à entidade beneficente local até o dia 26/05/2014.

Aduzem que a condição imposta é ilegal e inadequada, em razão da sua natureza de pena restritiva de direitos. Afirmam que o paciente é humilde, com percepção de rendimentos mensais não superior a R$ 955,00 (novecentos e cinquenta e cinco reais), a reforçar a incompatibilidade daquela condição. Sustentam violação aos arts. 89, §§ 1º e 2º, da Lei 9.099/95.

A caracterizar o fumus boni iuris, trazem jurisprudência e documentos, associados à alegação de possibilidade de imediata cognição. E o periculum in mora, vem embasado na proximidade do prazo final concedido para o pagamento da prestação pecuniária, considerando-se que, caso superado, o paciente teria a proposta revogada, sem obter manifestação desta Corte acerca da legalidade da condição.

Requerem a concessão de liminar, com a antecipação do provimento final almejado, ou, alternativamente, a dilatação do prazo a fim de ser adimplida a obrigação, para no mínimo 60 (sessenta) dias, prazo razoável ao julgamento definitivo desta ação (fls. 02-4). Anexam documentos (fls. 05-10).

É o relatório.

A liminar restou indeferida, sob o entendimento de que ausente um dos pressupostos para sua concessão, qual seja, o fumus boni iuris, uma vez que aceita, pelo paciente, a condição para a suspensão do processo e não evidenciada ilegalidade na decisão de piso (fls. 12v.-13).

O juiz da 51ª Zona Eleitoral prestou informações (fls. 17-19).

Os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pela denegação da ordem (fls. 21-24).

É o relatório.

 

VOTO

Estou denegando a segurança.

Não olvido que a data para adimplemento da condição imposta, consistente em pagamento, pelo paciente Paulo Ricardo Beck, de prestação pecuniária correspondente a meio salário mínimo à entidade beneficente local, expirou em 26.05.2014, pelo que teria perdido o objeto o presente writ. Todavia, entendo deva ser enfrentada a matéria, de modo a confirmar a solução adotada.

Paulo Ricardo Beck foi denunciado pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 39, § 5º, incisos II e III, da Lei n. 9.504/97. Proposta e aceita transação penal, o paciente a descumpriu, motivando o recebimento da denúncia e posterior proposta de suspensão condicional do processo, incluindo, dentre outras, prestação pecuniária no valor de meio salário mínimo nacional em favor de entidade, opção esta feita expressa e voluntariamente, em audiência, por Paulo e por seu procurador, em detrimento da prestação de serviços à comunidade.

No presente, os impetrantes alegam a ausência de condições financeiras para adimplemento do compromisso assumido, bem como que esse pagamento representaria antecipação de pena.

Não procedem as alegações, e desse entendimento comungo com o eminente relator da decisão liminar, cujas razões reproduzo (fls. 12v.-13):

Dispõe a legislação de regência:

Lei 9.099/95

Art. 89 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena ( art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
[...]

Denota-se que as condições impostas na suspensão condicional do processo consistem na garantia de que a medida terá a eficácia de prevenir eventual prática de novos delitos e de ressocializar o acusado, alcançando as finalidades que são próprias do direito penal.

Em razão disso é que a Lei expressamente previu, além das condições especificadas no art. 89, § 1º, outras medidas mais adequadas ao fato e às condições do acusado que podem ser fixadas pelo Juiz (§ 2º).

O fato de o sistema brasileiro, no tocante à suspensão condicional do processo, não se caracterizar pela admissão da culpa, não isenta o denunciado de submeter-se às condições impostas pelo juízo, sejam elas negativas ou positivas.

Assim, a prestação pecuniária imposta pelo magistrado como condição ao sursis processual terá a mesma natureza daquelas condições expressamente elencadas no art. 89, §2º, da Lei nº 9.099/95, sendo impróprio falar-se em caráter punitivo de umas e não de outras.

Colho do STF e do STJ:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. QUESTÃO NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. APRECIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.

CONDIÇÃO. IMPOSIÇÃO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. LEGALIDADE. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA A ORDEM.

I – [...]

II – Ambas as Turmas desta Corte já assentaram o entendimento de que a imposição de prestação pecuniária como condição para a suspensão condicional do processo é válida, desde que adequada ao fato e à situação do acusado, justamente como se observa no caso concreto.

III – Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem.

(STF – HC 115.721 – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – J. Em 18.06.2013.)

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E VIOLAÇÃO DE SUSPENSÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR (ARTIGOS 306 E 307 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONDIÇÕES. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.

1. Além das condições obrigatórias previstas nos incisos do § 1º do artigo 89 da Lei 9.099/1995, é facultada a imposição, pelo magistrado, de outras condições para a concessão da suspensão condicional do processo, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado, em estrita observância aos princípios da adequação e da proporcionalidade.

2. A prestação pecuniária constitui legítima condição que pode ser proposta pelo Ministério Público e ser fixada pelo magistrado, nos termos do artigo 89, § 2º, da Lei 9.099/1995.

3. Recurso improvido.

(STJ – RHC 46382 / RS – 5ª Turma – Rel. Min. JORGE MUSSI – J. Em 15.05.2014 – DJE de 21/05/2014.)

 

Também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306, DA LEI Nº 9.503/97). O presente habeas corpus visava a concessão de liminar para fins de excluir da proposta de suspensão condicional do processo, oferecida pelo Ministério Público, parte das condições, impugnada especificamente a que lhe impunha o pagamento de dois salários mínimos à Pastoral do Menor, ou prestação de serviços comunitários pelo período de três meses, por 07 horas semanais, pretendendo, assim, a sua exclusão ou, alternativamente, a readequação de referida condição, de modo proporcional ao fato e às condições pessoais do denunciado. […] Antecipo que afigura-se viável a estipulação do pagamento de prestação pecuniária como condição para a suspensão do processo, ao contrário do alegado pela defesa. Ordem denegada.

(TJ/RS – HC 70059159558 – 2ª Câmara Criminal – Rel. José Antônio Cidade Pitrez – J. em 08.05.2014.)

A seu turno, não há como me imiscuir na apreciação da autoridade apontada como coatora acerca da alegada onerosidade do valor em causa, meio salário mínimo, em face da remuneração mensal do paciente – R$ 955,00 (novecentos e cinquenta e cinco reais). Inexistente evidente ilegalidade a ser afastada, agiu o juiz eleitoral de piso dentro dos limites impostos pelo princípio do livre convencimento do juízo, sopesando as circunstâncias do caso concreto.

Ao passo que a aceitação da condição em destaque pelo paciente prejudica a tese dos impetrantes, mormente porque, perante o juízo da 51ª Zona Eleitoral, não apresentou resistência à proposição da prestação pecuniária (termo de audiência de fl. 05).

Em decorrência, tenho que igualmente não procede o pedido alternativo de prorrogação do prazo para o respectivo adimplemento.

Agrego a esses motivos o entendimento de que o habeas corpus não é a sede própria para apuração das condições financeiras do paciente, como bem aponta o douto Procurador Regional Eleitoral (fl. 23v.).

Também aduzo a convicção de que, efetivamente, não há ilegalidade forte a ensejar a excepcional medida ora veiculada.

Diante do exposto, VOTO pela denegação da ordem.