RE - 2412 - Sessão: 15/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo da 153ª Zona Eleitoral, que julgou extinta a representação por doação para campanha eleitoral acima do limite legal ajuizada contra ROBERTO CARLOS HOFFMANN SONORIZAÇÃO ME e ROBERTO CARLOS HOFFMANN.

Recorre o Ministério Público sob o argumento de que o empresário individual, nas eleições de 2012, fez doação a candidato a prefeito do município no valor de R$ 2.400,00, ultrapassando o limite legal. Isso porque, conforme apontado pelo cartório eleitoral, em não havendo declaração anual junto ao fisco, há presunção legal de que o rendimento bruto não ultrapassou o limite legal de R$ 23.499,15. Assim, a doação feita não poderia ter ultrapassado 10% desse valor, qual seja, a quantia de R$ 2.349,91.

Devidamente notificado, o recorrido apresentou contrarrazões afirmando que é proprietário de uma empresa de sonorização e que não realizou doações para a campanha eleitoral, apenas prestou serviço para um dos candidatos. Sustenta, também, que a ação foi ajuizada fora do prazo de 180 dias. Requer o desprovimento do recurso e a manutenção da decisão de primeiro grau (fls. 29).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso ministerial (fls. 62-70).

O Dr. Procurador manifestou-se, em sessão, pelo desprovimento do recurso, alegando o princípio da insignificância, tendo em vista que o valor de R$ 50,00 não chega a atingir o bem jurídico tutelado.

É o relatório.

 

 

 

VOTO

1. Admissibilidade

1.1 Tempestividade

O recurso é tempestivo. A parte recorrente foi intimada pessoalmente em 13.06.2013 (fls. 32), e o apelo interposto em 14.06.2013 (fls. 33), ou seja, dentro do tríduo legal. Assim, conheço do recurso interposto pelo Ministério Público.

1.2 Preliminar de decadência

A parte recorrida alega que houve decadência do direito do Ministério Público Eleitoral de representar.

No Município de Estância Velha, a diplomação ocorreu em 19.12.2012 (quarta-feira). Considerando-se que o dia 20.12.2012 (quinta-feira) foi o primeiro dia do prazo, o termo final do lapso temporal de 180 dias deu-se em 17.06.2013, sendo que a propositura da representação foi em 21.05.2013, conforme consignado na fl. 02 dos autos.

Assim, conclui-se que a representação foi ajuizada dentro do prazo de 180 dias a contar da diplomação dos eleitos, não tendo ocorrido a decadência. Esse tem sido o entendimento adotado nesta Corte. Colaciono duas jurisprudências nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRAZO DE 180 DIAS. DESNECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE ADSTRITOS AOS LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO ESTABELECIDOS EM LEI. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Especial nº 36.552/SP, decidiu que o prazo para a propositura de representação fundada em doações de campanha acima dos limites legais, por pessoa física ou jurídica, é de 180 dias a partir da diplomação dos eleitos.

2. Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97, sendo irrelevante a configuração do abuso de poder econômico ou potencialidade lesiva para influenciar no pleito.

3. Impossibilidade de aplicação de sanção em valor inferior ao mínimo legal. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade deve ser levada em consideração para fixação da multa entre os limites mínimo e máximo estabelecidos em lei.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 173726 – Araraquara/SP. Acórdão de 02.05.2013. Relator Min. José Antônio Dias Toffoli. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 108, Data 11.06.2013, Página 66-67.) (Grifei.)

 

Recurso. Doação acima do limite legal. Art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2010.

Procedência da representação no juízo originário, para aplicar sanção pecuniária ao representado, declará-lo inelegível, bem como proibir sua empresa de participar de licitações públicas e de celebrar contratos pelo prazo de cinco anos.

O termo inicial para ingressar com a representação é o dia imediatamente seguinte à diplomação, ainda que nesse dia não tenha havido expediente cartorário, em razão de dia não útil, de recesso forense ou feriado. Por se tratar de prazo decadencial, a regra insculpida no art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil é cabível tão somente para prorrogar o termo final, caso não haja expediente normal no cartório.

Reforma da sentença, para afastar as penalidades impostas, já que operada a decadência.

Extinção do feito, com apreciação do mérito.

(TRE-RS - RE - Recurso Eleitoral n. 1733 – Cachoeirinha/RS. Acórdão de 13.08.2013. Relator Dr. Ingo Wolfgang Sarlet. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 150, Data 15.08.2013, Página 6.) (Grifei.)

Rejeitada a prefacial.

2. Mérito

Os representados alegam que houve prestação de serviço para um dos candidatos e não doação para a campanha eleitoral, e que os recibos assinados são relativos aos pagamentos recebidos devido à prestação de serviços de sonorização.

Consultando o Sistema de Prestação de Contas Eleitorais disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral, consta Roberto Carlos Hoffmann Sonorização ME como doador do valor de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) em recursos estimáveis para José Waldir Dilkin, candidato ao cargo de prefeito do PSDB. E a presente representação foi ajuizada contra empresário individual Roberto Carlos Hoffmann Sonorização ME e Roberto Carlos Hoffmann (Pessoa Física). Entendo que em tais casos as pessoas física e jurídica representam um único patrimônio.

Esta Corte Regional, em decisão unânime e da qual participei, julgou a mesma questão no RE 76-55 da relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp, em 22 de novembro de 2012, cujo voto transcrevo a seguir, em razão conceituação de empresário individual que passou a ser adotada por esta Corte:

Quanto aos valores doados, pelos elementos dos autos verifica-se que Dagmar dos Reis Soares Vasconcelos é empresária, operando sob firma individual, como se extrai de sua qualificação na fl. 14 dos autos e como se depreende de sua própria denominação, idêntica ao nome da pessoa Dagmar dos Reis Soares Vasconcelos, como estabelece o art. 1.156 do Código Civil:

Art. 1156. O empresário opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade.

Tratando-se de empresária, é pessoa que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”, nos termos do art. 966 do Código Civil. Como se vê, a sua qualificação como empresária define apenas a natureza de sua ocupação, não havendo que se falar em aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física tão somente pelo exercício de tal atividade, tanto que a figura do “empresário” não está elencada como pessoa jurídica no rol do art. 44 do Código Civil:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

Diante disso, impõe-se a consideração inicial de que, na verdade, a representada é uma só, eis que, como assinala RUBENS REQUIÃO,

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda. (Curso de Direito Comercial. 1º vol., 14ª ed., pág. 64).

Tais conclusões não são novas. Já CARVALHO DE MENDONÇA, no festejado Tratado de Direito Comercial Brasileiro, sustentava, em tempos, que:

As obrigações contraídas sob a firma comercial ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa. Se ele incide em falência, não se formam duas massas: uma comercial, compreensiva dos atos praticados sob a firma mercantil, e outra civil, relativa aos atos praticados sob o nome civil, mas uma só massa, à qual concorrem todos os credores.

A firma do comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa separação abstrata embora os dois nomes se apliquem à mesma individualidade. Se, em sentido particular, uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial. (Op. cit. vol. II, 3ª ed., pág. 166).

Elucidativa, nesse sentido, também é a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

É possível, porém, a exploração de atividade econômica por uma pessoa física. Normalmente, a atividade será de modesta dimensão, com pouquíssimos ou nenhum empregado, faturamento diminuto, pequena importância para a economia local. Se não for informal – traço, aliás, comum na hipótese –, o empresário pessoa física terá registro na Junta Comercial e nos cadastros de contribuintes como firma individual. Note-se que esta é apenas uma espécie de nome empresarial (Cap. 6, item 9.1) e não representa nenhum mecanismo de personalização ou separação patrimonial. O empresário individual, ao providenciar os registros obrigatórios por lei, não está constituindo um novo sujeito de direito, com autonomia jurídica, mas simplesmente regularizando a exploração de atividade econômica. Há uma grande confusão conceitual nesse campo, principalmente porque, sob a perspectiva do direito tributário, muitas vezes encontram-se sob o mesmo regime de obrigações instrumentais o empresário individual e algumas sociedades. É necessário, contudo, ressaltar que a firma individual não é sujeito de direito, mas categoria de nome empresarial. O sujeito – isto e, o credor, devedor, contratante, demandante, demandado, falido, concordatário etc. – será sempre a pessoa física do empresário individual, identificado pela firma que levou a registro. É erro técnico grosseiro dizer, por exemplo, que foi decretada a falência da firma individual ou propor ação individual contra a firma individual e pretender distinguir bens da firma. Como não se trata de sujeito de direito, mas simples categoria registrária, a firma não contrata, não pode falir, demandar ou ser demandada, titularizar domínio ou posse sobre coisas, nem exercer qualquer atributo próprio das pessoas ou dos entes despersonalizados. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Saraiva: São Paulo, 2002, p. 385-386)

No presente caso, não há distinção entre pessoa física e jurídica, sendo que também não haverá qualquer distinção entre obrigações ou responsabilidades. Sobre o tema, destaco o seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“[...] A empresa individual não tem personalidade jurídica própria, confundindo-se imediatamente com o empresário individual. O patrimônio da pessoa natural é o mesmo do empresário individual (antiga firma individual), que responde de forma ilimitada pelas dívidas. [...]

(Agravo de Instrumento n. 70057673386, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 02.12.2013.)

No mesmo sentido tem decidido o Tribunal Superior Eleitoral, cuja recente decisão colaciono a seguir:

ELEIÇÕES 2012. DOAÇÃO ELEITORAL. LIMITE. FIRMA INDIVIDUAL. PESSOA NATURAL.

1. A firma individual, também denominada empresa individual, nada mais é do que a própria pessoa natural que exerce atividade de empresa nos termos do art. 966 do Código Civil.

2. A equiparação do empresário ou da empresa individual a uma pessoa jurídica por ficção jurídica para efeito tributário não transmuta a sua natureza.

3. As doações eleitorais realizadas por firmas individuais devem observar os limites impostos às pessoas físicas de acordo com o art. 23, § 1°, I, da Lei n° 9.504/97.

Entendimento que não se aplica às “empresas individuais de responsabilidade limitada - EIRELI”, criadas pela Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que alterou a redação do art. 44 e introduziu o art. 890-A, ambos do Código Civil, as quais estão, em princípio, sujeitas aos limites impostos às pessoas jurídicas.

(TSE - REspe - Recurso Especial Eleitoral n. 33379 – Curitiba/PR; Acórdão de 01.04.2014; Relator Min. Henrique Neves da Silva; Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 13.05.2014, Página 66-67.)

No caso, o empresário Roberto Carlos Hoffmann realizou doação no montante de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) em recursos estimáveis em dinheiro, consistente na prestação de serviços de sonorização para o candidato.

Tratando-se de doação estimável em dinheiro feita, em última análise, por pessoa física, incide o permissivo do art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, que autoriza a doação de valor que não ultrapasse R$ 50.000,00.

Conclui-se, portanto, pela legalidade da doação efetuada por Roberto Carlos Hoffmann, considerando que não extrapolou o limite estabelecido na mencionada norma.

Ante o exposto, VOTO por afastar a preliminar e negar provimento ao recurso.