RE - 374 - Sessão: 15/07/2014 às 14:00

RELATÓRIO

MARCELO ANDRADE MACHADO interpõe recurso (fls. 484-492) contra sentença do Juízo da 108ª Zona Eleitoral – Sapucaia do Sul – que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo proposta contra VILMAR BALLIN e ARLÊNIO DA SILVA, Prefeito e Vice de Sapucaia do Sul, respectivamente, sob o fundamento de inexistir prova suficiente da ocorrência de abuso de poder, corrupção ou fraude, decorrentes da alienação de bem imóvel do município.

Na inicial, o impugnante narrou os fatos nos seguintes termos e, ao final, postulou a cassação dos diplomas dos demandados:

Em 15.03.2011 o Requerido VILMAR BALLIN enviou para a Câmara de Vereadores um projeto de lei que autorizaria a venda de uma área de terras de propriedade do Município de Sapucaia do Sul para a empresa PROJELMEC VENTILAÇÃO INDUSTRIAL LTDA, com área de 16.629,10m², localizada no alinhamento da Estrada Estadual RS-118, lindeira com propriedade dessa empresa.

Face às dificuldades de aprovação do projeto de lei que autorizaria referida venda de bem público por um valor ínfimo (em torno de 20% do valor de mercado) no dia 06 de abril de 2011, o então vereador ARLENIO DA SILVA, ora co-requerido, entabulou a seguinte negociação: para garantir à aprovação daquele projeto de lei a empresa, além do preço ínfimo estabelecido no projeto de lei, pagaria mais R$ 80.000,00 ao próprio Vereador ARLENIO DA SILVA e este indicaria a destinação desse valor e outros R$ 50.000,00 para a campanha eleitoral, em 2012.

Com esses valores, R$ 80.000,00 o Vereador ARLENIO DA SILVA assegurou os votos do PMDB e com os R$ 50.000,00 para a campanha eleitoral de 2012, o Prefeito BALIN assegurou os votos do PT.

O Vereador ARLENIO DA SILVA indicou a destinação desse valor ao Grêmio Esportivo Sapucaiense.

A empresa cumpriu integralmente o acordo de compra de votos. Primeiro vem pagando em parcelas mensais os R$ 80.000,00 ao Grêmio Esportivo Sapucaiense. Segundo doou para a campanha eleitoral do então candidato a Prefeito Municipal, o Sr. VILMAR BALLIN, a quantia de R$ 50.000,00, em 06.08.2012.

O ato autorizado pela Lei Municipal nº 3.297, de 08.04.2011 foi altamente lesivo ao patrimônio público municipal, além de conter autorização para dispensa de licitação com base em fato inexistente.

Por sua vez, em sua defesa, os impugnados alegaram, em preliminar, decadência, e litispendência com ação popular em trâmite na 1ª Vara Cível da Comarca de Sapucaia do Sul, na qual está sendo analisada a regularidade da alienação do terreno à PROJELMEC, assim como inépcia da inicial. No mérito, aduziram que as alegações do impugnante carecem de embasamento jurídico, já que, pela análise do contexto probatório estar-se-ia diante de investigação de projeto de lei devidamente aprovado pela Câmara de Vereadores de Sapucaia do Sul, o qual preencheu os requisitos formais e legais ao autorizar a alienação do bem público à empresa PROJELMEC. Ainda, que não houve irregularidade na elaboração e/ou aprovação do projeto de lei. Alegaram que, a fim de salvaguardar os interesses do município, a administração designou comissão para quantificar o valor do imóvel; e que a Justiça Eleitoral não é competente para julgar tal matéria. Em relação às alegações de que a doação à campanha eleitoral do então candidato a prefeito Vilmar Ballin, no valor de R$ 50.000,00, seria parte de um acordo entre os impugnados e a empresa, disseram ser levianas, frágeis e carentes de provas. Ainda, que a empresa tem autonomia para decidir para quais candidatos quer contribuir, não havendo impeditivo legal para tal. Por fim, postularam o acatamento das preliminares com a extinção da demanda e, caso analisado o mérito, a improcedência da ação (fls. 96-107).

O feito foi regularmente instruído. Em audiência, foi colhida prova testemunhal, e pelas partes foram trazidos documentos (fls. 226-350). Atendendo à solicitação da magistrada, a Prefeitura de Sapucaia do Sul apresentou toda documentação referente ao projeto de lei de venda do terreno em questão (fls. 351-386), e o Clube Sapucaiense encaminhou a relação de todos os doadores dos exercícios de 2011 e 2012 (fls. 387-443).

O Ministério Público Eleitoral opinou pela improcedência da ação, entendendo que, embora as alegações mereçam ser elucidadas em via própria, não restou comprovada a captação de recursos de forma ilícita (fls. 472-474).

Após o regular processamento, sobreveio sentença julgando improcedente a ação (fls. 476-480).

Irresignados, os impugnantes interpuseram o presente recurso, alegando, em síntese, existir prova suficiente a comprovar a ocorrência de corrupção, fraude e abuso de poder decorrentes da alienação ilícita de bem imóvel municipal à empresa PROJELMEC LTDA., com o intuito de captar recursos de campanha e formar “caixa 2”, objetivando possibilitar a reeleição do prefeito Vilmar, garantindo a manutenção dos impugnados na administração pública municipal. A fim de sustentar suas alegações, narra que diversas irregularidades que teriam ocorrido na referida alienação: incorreta dispensa de licitação, valor irrisório, avaliação do imóvel realizada por pessoas inabilitadas, descumprimento do Regimento Interno da Câmara de Vereadores, bem como a ocorrência de crime ambiental, pois o terreno alienado seria uma APP – Área de Preservação Permanente. Alega que o então vereador Arlênio, com o intuito de garantir a venda do imóvel a preço irrisório, teria entabulado negociação na câmara municipal para a aprovação do projeto de lei autorizando a venda. Para concretizar o negócio, aduz que a empresa adquirente teria doado R$ 50.000,00 diretamente à campanha de Vilmar e R$ 80.000,00 ao Clube Grêmio Esportivo Sapucaiense, de cuja direção fazia parte o então vereador, agora vice-prefeito, Arlênio, caracterizando, em seu entender, abuso de poder, corrupção e fraude à eleição majoritária de Sapucaia do Sul. Por fim, requer a procedência da ação com a conseqüente cassação dos diplomas dos impugnados (fls. 484-492).

Por sua vez, em contrarrazões, os impugnados postulam pela manutenção da sentença de primeiro grau (fls. 495-506).

Nesta instância os autos foram remetidos ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 511-514).

É o relatório.

 

 

 

 

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

No mérito, adianto que o recurso não merece prosperar.

Inicialmente, cabe registrar que existem nos autos indícios de que o impugnado Vilmar Ballin, na condição de Prefeito do Município de Sapucaia do Sul e candidato à reeleição, teria beneficiado a empresa PROJELMEC com a venda de terreno público por preço irrisório, em troca de significativa contribuição financeira para sua campanha de reeleição.

Tal conduta, como bem pontuou a douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 512-512v.), poderia, em tese, configurar o abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político, porquanto estaria o candidato desbordando de suas atribuições de gestor municipal para obter recursos em seu favorecimento eleitoral.

No entanto, o conjunto probatório reunido nos autos foi incapaz de comprovar os supostos ilícitos eleitorais descritos na peça inaugural.

Como bem referido pela ilustre magistrada (fls. 478-478v.):

A prova coligida não induz ao liame necessário para se entender que houve captação ilícita de recursos a fim de ensejar a procedência da ação com a cassação de mandatos dos impugnados, ainda que possa se vislumbrar indícios de irregularidades na tramitação da aprovação do projeto de lei da venda do imóvel. Da documentação juntada não se pode concluir que a empresa PROJELMEC tenha sito instada (como se desume da inicial) a contribuir para a campanha eleitoral, pelo impugnado Arlênio, em troca da aprovação do projeto de lei e adquirido bem público por preço irrisório, bem como que em razão disto também tenha doado valores ao Grêmio Esportivo Sapucaiense, e este, ao que consta dos autos, não repassou valores à campanha, a alegação de que o vereador Arlênio teria exigido estes valores para a 'compra de vereadores', não restou comprovada. O valor doado pela empresa à campanha política dos impugnados consta da prestação de contas e, como bem destacado pelo Ministério Público Eleitoral sequer é expressivo, tendo em vista os gastos declarados (R$ 592.579,22). Ainda, a contribuição de empresas às campanhas eleitorais é autorizada pela legislação eleitoral. Ademais, outras empresas fizeram doações elevadas, inclusive pessoas físicas (fls. 14-18).

Ainda, de acordo com a douta decisão (fl. 478):

Ao que se tem na prova coligida, as alegações de favorecimento na venda do imóvel e inobservância das disposições legais na tramitação do Projeto de Lei já é objeto de uma Ação Popular em tramitação nesta Comarca de Sapucaia do Sul, a ilegalidade na tramitação e valorização do bem alienado deverá ser analisada no feito referido, descabendo à Justiça Eleitoral esta análise, mesmo porque, ao que consta, o Projeto foi aprovado pelos vereadores de Sapucaia do Sul, por unanimidade, e tal análise não é da justiça eleitoral, devendo as alegações serem devidamente esclarecidas, como referido pelo Ministério Público em seu parecer, na seara própria.

Nesta AIME o que deve ser analisado é se o invocado ato de corrupção efetivamente ocorreu, havendo o abuso de poder entrelaçado com o abuso do poder político caracterizando a corrupção invocada, não vinculado ao resultado das eleições, o que originou a captação irregular de recursos para a campanha eleitoral, não se podendo confundir com eventual improbidade ou mesmo corrupção desvinculada das eleições, deve restar comprovado o liame da conduta com os fins eleitorais, capaz de influenciar os resultados das eleições, vez que a vontade popular sempre deverá ser respeitada, somente sendo passível de ser afastada com a prova inconteste da corrupção, abuso de poder econômico ou fraude, objeto da AIME.

Por sua vez, o recorrente é enfático ao alegar que [...] é fato conhecido, notório e incontroverso que existiram irregularidades e ilicitudes na alienação de bem público pertencente ao Município de Sapucaia do Sul, em pleno período eleitoral, com provas documentais incontestáveis, inclusive reconhecidas pelo próprio Parquet como ensejadoras de atos de improbidade administrativa [...] (fl. 488).

No entanto, a confirmação da ilegalidade de tais atos ainda pende de decisão judicial nos autos de ação popular que tramita da Comarca de Sapucaia do Sul.

Ademais, quanto ao mencionado reconhecimento da ilicitude por parte do Ministério Público, cumpre esclarecer, tal como pontuou a douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 513), que na manifestação da Promotora Eleitoral não houve juízo conclusivo a respeito dos fatos. Transcrevo excerto da referida manifestação (fl. 473):

Importa salientar que a questão levantada pelo impugnante, em verdade, merece detalhada e profunda investigação a ser feita pelo Ministério Público, tanto que cópia integral deste processo será enviada ao Promotor de Justiça com atribuições perante a Promotoria de Justiça Especializada desta Comarca, para adoção das providências eventualmente entendidas cabíveis.

Quanto à prova testemunhal, em nada contribuiu para o deslinde do feito.

Em relação ao testemunho de Ibanor Catto, cumpre reproduzir a ressalva levantada pelo Ministério Público atuante na 108ª Zona Eleitoral:

O depoimento de Ibanor Catto, aliás, merece ressalva. Não tivesse sido ouvido como informante, deveria responder pelo crime de falso testemunho, tendo em vista a flagrante e inexplicável contradição entre sua negativa de ter assinado contrato de publicidade com a empresa e o documento das fls. 238/239, que é justamente uma cópia de contrato de publicidade celebrado entre o G.E. Sapucaiense e a PROJELMEC, no valor de R$ 80.000,00, no qual consta a assinatura do Presidente (vide assinaturas nas fls. 231 v. e 239). Mais uma ressalva se impõe: R$ 80.000,00 é exatamente o valor alegado pelo impugnante como parte do pagamento da propina para a aprovação do Projeto de Lei para alienação do imóvel público em questão.

O depoimento da testemunha Delmo Gomes da Silva, além de não colaborar para a elucidação dos fatos, também apresenta inconsistências.

Diz-se isso especialmente com relação ao valor repassado pela PROJELMEC ao G.E. Sapucaiense, o que causa estranheza, pois ele mesmo serviu de testemunha da celebração do contrato de publicidade juntado nas fls. 238-239.

Assim, bem agiu a magistrada ao concluir pela improcedência da ação, pois ausente conjunto probatório suficiente a ensejar a cassação dos mandatos em sede de ação de impugnação de mandato eletivo.

Portanto, concluo que as provas carreadas aos autos não se fizeram aptas a demonstrar a prática de abuso de poder, corrupção ou fraude pelos candidatos recorridos, devendo ser mantida a bem lançada sentença de primeiro grau que julgou improcedente a Ação de Impugnação do Mandato Eletivo em face de VILMAR BALLIN e ARLÊNIO DA SILVA.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.