RE - 1754 - Sessão: 14/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Os autos cuidam de recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 418-423), pelo POSTO DE SERVIÇOS MARILENE LTDA. e por TONY JUNIOR FERNANDES PEREIRA, sócio-gerente da empresa (fls. 427-439), contra decisão do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório –, que julgou parcialmente procedente a representação por doação para campanha eleitoral acima do limite legal, ajuizada pelo primeiro, condenando os representados ao pagamento de multa no valor de R$ 34.826,20 (trinta e quatro mil, oitocentos e vinte e seis reais e vinte centavos), nos termos do disposto no art. 81 da Lei n. 9.504/97.

O juízo sentenciante motivou sua decisão no fato de a representada ter realizado doação eleitoral estimável em R$ 6.965,24 (seis mil, novecentos e sessenta e cinco reais e vinte e quatro centavos) nas eleições municipais de 2012, valor superior a 2% (dois por cento) do faturamento bruto auferido no ano anterior, visto que declarou não ter obtido rendimentos no exercício financeiro de 2011 (fls. 406-412).

Em suas razões, o Ministério Público requer a aplicação integral das cominações legais previstas no art. 81 da Lei 9.504/97 e no art. 1°, inciso I, p, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 418-423).

Os representados, por sua vez, reconhecem a doação eleitoral estimável em R$ 6.965,24 (seis mil, novecentos e sessenta e cinco reais e vinte e quatro centavos) ao candidato a prefeito de Terra de Areia, Aluisio Curtinove Teixeira. No entanto, alegam estar a referida doação dentro do limite legal de dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição, posto pelo art. 81, § 1º, da Lei 9.504/97, pois a empresa teria auferido o total de R$ 3.469.663,04 (três milhões, quatrocentos e sessenta e nove mil, seiscentos e sessenta e três reais e quatro centavos) no exercício de 2011, valor que afirmam restar comprovado mediante declaração retificadora (fls. 248-314), cuja cópia foi igualmente juntada aos autos pela Receita Federal (fls. 316-388). Por fim, postulam a reforma da sentença a fim de que seja afastada a multa imposta (fls. 427-439).

Com contrarrazões de ambos recorrentes (fls. 441-446 e 448-451), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo não provimento dos recursos (fls. 454-458).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do tríduo legal.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, devem ser conhecidos.

2. Mérito

O art. 81 da Lei n. 9.504/97 assim dispõe:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa. (Grifei.)

Na espécie, restou incontroverso que a empresa representada efetuou doação em valor estimado no montante de R$ 6.965,24 (seis mil, novecentos e sessenta e cinco reais e vinte e quatro centavos) ao candidato a prefeito de Terra de Areia, Aluisio Curtinove Teixeira, operação por ela admitida nas alegações finais (fls. 241-243).

A controvérsia cinge-se, então, a verificar se tal doação encontra-se dentro do limite legal de dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição, estabelecido pelo art. 81, § 1º, da Lei 9.504/97, pois, conforme relatado pelo Ministério Público Eleitoral, na DIPJ 2012 (referente ao exercício de 2011) a empresa não teria declarado rendimentos.

Contudo, já na defesa prévia (fls. 16-94) os representados informaram que a empresa, de CNPJ n. 07.557.740/0001-72, obteve faturamento bruto de R$ 3.469.663,04 (três milhões, quatrocentos e sessenta e nove mil, seiscentos e sessenta e três reais e quatro centavos) no exercício financeiro de 2011, juntando, inclusive, o livro de registro de saídas com informações por ela prestadas à Receita Estadual (fls. 33-58).

Nas alegações finais (fls. 241-243), reiterou os termos da defesa prévia, no que tange ao faturamento de 2011, bem como informou que, “por ajustes contábeis a serem realizados, não foi apresentada declaração retificadora, referente ao ano de 2011”, mas que o faria até o dia 20.07.2013, motivo pelo qual requereu fosse deferido prazo para a juntada de tal documento. O pedido foi acatado pelo juízo eleitoral em 09.07.2013 (fls. 245). Em 19.07.2013, a representada juntou a declaração retificadora (fls. 248-314).

Por sua vez, aos trinta dias do mesmo mês, a Receita Federal juntou cópia do referido documento, no qual restou comprovado faturamento decorrente da venda de bens e serviços no valor de 3.607.383,29 (três milhões, seiscentos e sete mil, trezentos e oitenta e três reais e vinte e nove centavos) (fls. 315-388).

Todavia, a magistrada de primeiro grau entendeu que a declaração retificadora de imposto de renda, entregue depois da intimação do representado para apresentar defesa, não seria documento hábil a fazer prova do faturamento, motivo pelo qual julgou procedente a representação (fls. 406-412).

Em que pese a respeitável argumentação da magistrada, ressalto que o Tribunal Superior Eleitoral, a partir do julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1475-36, de relatoria do Min. Dias Toffoli, em 23.04.2013, pacificou entendimento no sentido de que a declaração retificadora de imposto de renda constitui documento hábil a comprovar a observância do limite de doação de 2% previsto no artigo 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Por oportuno, transcrevo a ementa do precedente e dos seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. DECLARAÇÃO. RECEITA FEDERAL. RETIFICAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A retificação da declaração de rendimentos consubstancia faculdade prevista na legislação tributária, cabendo ao autor da representação comprovar eventual vício ou má-fé na prática do ato, haja vista que tais circunstâncias não podem ser presumidas para fins de aplicação da multa prevista no art. 23, § 1º, I, da Lei nº 9.504/97.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-AI 1475-36/CE , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 23.04.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 104, Data 5.6.2013, Página 44-45.)

 

ELEIÇÕES 2006. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ARTIGO 81, § 1º, DA LEI Nº 9.504/97. APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO RETIFICADORA DE IMPOSTO DE RENDA PARA COMPROVAÇÃO DA OBSERVÂNCIA DO LIMITE LEGAL. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Esta Corte já pacificou o entendimento no sentido de que a declaração retificadora de imposto de renda constitui documento hábil a comprovar a observância do limite de doação de 2% previsto no artigo 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97. 2. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe: 6667 RN , Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Julgamento: 05.11.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 226, Data 27.11.2013, Página 25/26)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO RETIFICADORA DE IMPOSTO DE RENDA. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Esta Corte, no julgamento do AgR-AI 1475-36/CE (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 4.6.2013), decidiu que a declaração retificadora de imposto de renda constitui documento hábil a comprovar a observância do limite de doação de 2% previsto no art. 81, § 1º, da Lei 9.504/97.2. Cabe ao Ministério Público Eleitoral comprovar a existência de má-fé - que não pode ser presumida - quanto à apresentação da declaração retificadora. Incidência, nesse ponto, da Súmula 7/STJ.3. Agravo regimental não provido.

(TSE - AgR-REspe: 113787 BA , Relator: Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 01.08.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 160, Data 22.08.2013, Página 31) (Grifei)

Somado a isso, destaco que o faturamento bruto registrado na declaração retificadora apresentada pela empresa é cerca de dez vezes superior ao que autorizaria a doação, motivo pelo qual não vislumbro má-fé na apresentação extemporânea de tal documento.

Oportuno o registro de que cabe ao Ministério Público Eleitoral comprovar a existência de má-fé – que não pode ser presumida – quanto à apresentação da declaração retificadora.

Entendo, portanto, que a documentação ofertada pelos recorrentes encontra consonância com pacífico entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, constituindo documento hábil a comprovar a observância do limite de doação de 2% previsto no artigo 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Assim, haja vista que a doação respeitou o limite legal, deve ser provido o recurso interposto pelo POSTO DE SERVIÇOS MARILENE LTDA. e por TONY JUNIOR FERNANDES PEREIRA, julgando-se improcedente a representação.

Por outro lado, quanto à irresignação do Ministério Público Eleitoral, no sentido de que sejam aplicadas integralmente as cominações legais previstas no art. 81 da Lei 9.504/97 e no art. 1°, inciso I, p, da Lei Complementar n.64/90 (fls. 418-423), penso que não merece prosperar.

Explico.

Em relação à proibição de participação em licitações públicas e de celebração de contratos com o Poder Público, entendo que são penas que devem ser reservadas aos casos de grave extrapolação dos limites, não sendo a hipótese dos autos.

Nesse sentido decidiu este Tribunal no julgamento da RP 992, em junho de 2010, da relatoria da Desa. Marga Tessler:

Representação. Pessoa jurídica. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal, contrariando o disposto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2006.

Evidenciados a identificação da empresa demandada e o valor excedente ao limite legal, critérios objetivos na aferição da regularidade da doação impugnada, insuscetíveis de relativizações.

Interpretação sistemática da legislação disciplinadora das doações eleitorais, a revelar que o espírito da lei é evitar o abuso de poder econômico, tornando democrático, transparente e legítimo o financiamento de campanha proveniente da iniciativa privada. Aplicação da sanção pecuniária em seu patamar mínimo, afastada a incidência das demais penalidades previstas no art. 81, § 3º, da Lei das Eleições.

Procedência. (Grifei.)

Quanto à declaração de inelegibilidade dos dirigentes da pessoa jurídica recorrente, entendo incongruente com o sistema eleitoral brasileiro. A suspensão dos direitos políticos transcende – em muito – ao sancionamento econômico que já se estabeleceu. Por isso, a declaração judicial de inelegibilidade não pode ser considerada sem relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente a pessoa vier a se candidatar.

Assim prescreve o § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/97:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

A questão foi bem analisada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, cujo trecho do parecer a seguir transcrevo:

Por fim, quanto à inelegibilidade do sócio-administrador da pessoa jurídica, cumpre observar que se trata de consequência prevista em lei, sendo um efeito reflexo da própria condenação pela doação ilegal.

Ainda que venha a ser declarada no acórdão, sabe-se que ela não possui natureza jurídica de pena/sanção, tratando-se, pois, de um requisito, ou seja, de uma condição para que o cidadão possa se candidatar a ocupar cargos eletivos da maior relevância para a sociedade, visando, dessa forma, a proteger e assegurar a própria legitimidade do sistema democrático e a probidade administrativa, na linha do que impõe o § 9º da Constituição Federal.

Nesse ponto, cabe transcrever o voto do Ministro Arnaldo Versiani, do E. Tribunal Superior Eleitoral, nos autos da Consulta nº 114709, julgada em 17 de junho de 2010:

“A inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si, acarreta a inelegibilidade. uma vez que a inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si, acarreta a inelegibilidade.

A decisão, por exemplo, de Tribunal de Contas que rejeita as contas de determinado cidadão não o declara inelegível. A inelegibilidade advém do disposto na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. E é o que ocorre com todas as demais inelegibilidades, inclusive com que não se está diante de perda de direitos políticos, nem de punição, respondo a pergunta afirmativamente.”

Assim, a novel legislação prevê uma consequência reflexa da condenação da pessoa jurídica, que atinge os seus administradores, a qual será aferida no momento oportuno, qual seja, em eventual pedido de registro de candidatura feito pelos ora responsáveis.

A propósito, leia-se o precedente:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE DOAÇÃO - PESSOA JURÍDICA - ARTIGO 81, §1º, DA LEI N.º 9.504/97 - DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL VERIFICADO - SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA NO MÍNIMO LEGAL - AUSÊNCIA DE QUEBRA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO - DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE DOS DIRIGENTES DAS PESSOAS JURÍDICAS DOADORAS - ARTIGO 1º, I, "P", DA LEI COMPLEMENTAR - INELEGIBILIDADE REFLEXA - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA A DECLARAÇÃO DA INELEGIBILIDADE - INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL NESTE PONTO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUANTO A ESTE TÓPICO - RECURSO PREJUDICADO.

1. Verificado o excesso de doação não atenta contra o princípio da proporcionalidade a aplicação de sanção pecuniária em seu grau mínimo.

2. A inelegibilidade das pessoas físicas dirigentes das pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais não é sanção prevista no artigo 81 da Lei n.º 9.504/97, mas efeito reflexo, previsto no artigo 1º, I, "p", da Lei Complementar n.º 64/90, da declaração de ilegalidade da doação por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral.

3. Neste contexto, é inadequado o pedido de declaração de inelegibilidade no bojo desta representação, uma vez que o pressuposto da referida inelegibilidade é a decisão confirmada por órgão colegiado, sendo impossível ao juízo de primeiro grau conhecer deste pedido.

4. Recurso principal desprovido.

5. Recurso adesivo conhecido. Extinção do feito sem resolução do mérito quanto a declaração de inelegibilidade de ofício. Recurso prejudicado.

(TRE/PR, RECURSO ELEITORAL nº 8210, Acórdão nº 46778 de 09/12/2013, Relator MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 08/01/2014 ) (Grifou-se)

Com efeito, a mencionada causa de inelegibilidade em apreço deverá ser aferida por ocasião de eventual candidatura em pleito futuro, uma vez que, a teor do § 10 do art. 11 da Lei das Eleições “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura”, princípio, aliás, reafirmado pela Suprema Corte quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.ºs 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4578, que declararam a compatibilidade material da Lei Complementar n.º 135/2010 com a Constituição brasileira.

Assim, deixo de acolher a irresignação do Ministério Público Eleitoral.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto pelo POSTO DE SERVIÇOS MARILENE LTDA. e por TONY JUNIOR FERNANDES PEREIRA, e pelo desprovimento do recurso ofertado pelo Ministério Público Eleitoral, reformando-se a sentença para julgar improcedente a representação.