E.Dcl. - 56760 - Sessão: 24/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

JOSÉ RODOLFO MANTOVANI, VINICIUS ANZILIERO e MARINES ROSA RONSONI opõem embargos de declaração (fls. 261-264) contra o acórdão das fls. 249 a 256, que deu parcial provimento ao recurso interposto contra a sentença do juízo monocrático, reconhecendo a prática da conduta vedada prevista no art. 77 da Lei 9.504/97, consistente no comparecimento dos candidatos à inauguração de obra pública nos três meses antecedentes ao pleito, e, por consequência, aplicando aos recorridos, de forma individual, multa de R$ 5.320,50, de acordo com o art. 73, § 4º, da Lei 9.504/97, c/c o § 4º, do art. 50, da Res. TSE n. 23.370/2011.

Em suas razões, alegam haver controvérsia na decisão, pois o art. 77 da Lei Eleitoral possui sanção própria e ínsita ao seu âmbito de valor normativo, razão pela qual a aplicação de sanção pecuniária não está expressamente prevista como reprimenda no parágrafo único do mesmo dispositivo legal. Aduzem ter havido ofensa ao princípio da reserva legal, que atribui à lei e somente à lei, a pena, através da prévia cominação legal. Sustentam não ser permitido ao intérprete criar sanção legal para o caso concreto que a própria lei, para o bem ou para o mal, deixou de criar. Por fim, postulam seja emprestado efeito modificativo aos embargos, de modo a manter íntegra a sentença de primeiro grau.

É o breve relatório.

 

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, não se verifica a presença das causas ensejadoras de embargos de declaração. Ao contrário, o recorrente busca claramente a reapreciação do caso por não concordar com a fundamentação exposta pelo Relator, a qual, cumpre ressaltar, foi acolhida de forma unânime pelo Órgão Colegiado.

Tal pretensão evidencia o simples intuito dos embargantes de ver rediscutida a matéria já apreciada por esta Corte, o que é inadmissível em sede de embargos de declaração, conforme ressaltado pela jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ARESTO ATACADO. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. A via aclaratória não se presta para rediscussão de teses desenvolvidas acerca do mérito e já apreciadas oportunamente. Os embargos de declaração utilizados para esse fim desbordam dos lindes traçados pelo art. 275 do Código Eleitoral.

2. Não está o magistrado obrigado a se manifestar acerca de todos os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos sejam suficientes para firmar a decisão.

3. Pretensão de rejulgamento do meritum causae. Impossibilidade.

4. Natureza protelatória do recurso (art. 275, § 4º, CE).

5. Embargos declaratórios rejeitados.

(TSE - ERO: 741 AC, Relator: José Augusto Delgado, Data de Julgamento: 18.05.2006, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 09.06.2006, Página 133.) (Grifei.)

Apenas para fins de registro, a seguir transcrevo excerto da decisão embargada, especificamente em relação à questão arguida pelos embargantes, no qual a fundamentação encontra-se exposta de forma clara, adequada e suficiente a firmar a decisão prolatada (fls. 254v., 255 e 256):

2.4. Não obstante o afastamento da severa sanção de cassação do diploma, entendo que deva ser imposta a multa do § 4º do art. 73 da Lei da Eleições, ainda que em seu patamar mínimo, pena de ineficácia do preceito legal:

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

O intérprete apressado poderia objetar a aplicação da sanção pecuniária à conduta prevista no art. 77, caput, da Lei 9.504/97, ao argumento de não estar ela expressamente prevista no parágrafo único do mesmo dispositivo legal.

Todavia, não me parece essa a melhor exegese sistêmica das regras atinentes às condutas vedadas.

O legislador prevê como condutas vedadas aos agentes públicos a infração aos artigos 73, 74, 75 e 77 da Lei 9.504/97.

Nessa ordem de considerações, não há como conferir tratamento diferenciado, no que refere à aplicação de sanções, a fatos que têm idêntico bem jurídico tutelado, qual seja, a isonomia entre os candidatos.

Proíbe-se, nos incisos do art. 73 da Lei 9.504/97, condutas com a mesma objetividade jurídica daquelas previstas nos arts. 74, 75, 76 e 77.

O fato de a multa vir disciplinada topicamente no art. 73 não significa dizer que só às infrações nele dispostas é aplicável.

Procedente esse argumento, na hipótese como a vertente, não haveria sanção a ser imposta, ainda que reconhecida a infração à regra, o que levaria ao esvaziamento absoluto da força imperativa das normas. Seria um convite à transgressão.

Na linha desse entendimento, a multa vem alcançar até mesmo os candidatos à majoritária não eleitos José Rodolfo Mantovani e Vinicius Anziliero, o primeiro por ter comparecido efetivamente na inauguração de obra pública, o segundo por ser beneficiário, a teor do disposto no § 8º do art. 73 da mencionada lei, reformando-se a decisão inclusive nesse ponto.

Com essas considerações, entendo que aos representados José Rodolfo Mantovani, Vinicius Anziliero e Marinês Rosa Ronsoni deva ser aplicada a pena pecuniária estipulada no § 4º do art. 73 da Lei da Eleições, em seu patamar mínimo, por incursos na vedação prevista no art. 77, caput, da Lei 9.504/97, condenando-os à multa, para cada um, de R$ 5.320,50 (art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, c/c o § 4º, do art. 50, da Res. TSE n. 23.370/2011).

Este Tribunal possui precedente nesse sentido, em acórdão da eminente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, cuja ementa a seguir transcrevo:

Representação. Prática de conduta vedada. Comparecimento de candidato em ato de inauguração de obra pública (artigo 77 da Lei n. 9.504/97). Alegada quebra de igualdade de oportunidades entre candidatos e violação à lisura da eleição.
Incontroversa a inauguração de ponte de madeira custeada pela municipalidade e a presença do representado. Compreensão, contudo, do escopo da norma, que é o de evitar o desequilibro entre os participantes do pleito. Mera presença discreta e silenciosa em cerimônia, considerado o pequeno público presente, ausência de pedido de votos ou promoção pessoal, não é conduta capaz de alterar significativamente o processo eleitoral. Aferição da relevância jurídica do ato praticado pelo candidato para atribuição da sanção. Ainda que reconhecida a tipicidade da conduta descrita no artigo 77 da Lei das Eleições, desproporcional a cassação do registro de candidatura. Aplicação da multa prevista no artigo 73, § 4º, da mesma norma, destinada a coibir todas as condutas vedadas.

Procedência parcial. (TRE/RS. RP 572797. Acórdão de 05-10-2010) (grifei)

A Procuradoria Regional Eleitoral também comunga desse entendimento:

(…) Em face disso, e empreendendo uma interpretação sistemática dos preceitos relativos às condutas vedadas na Lei n.º 9.504/1997, requer-se a condenação dos recorridos à multa prevista no § 4º do artigo 73 da Lei n.º 9.504/9710, para que a vedação prevista no artigo 77 do mesmo diploma legal não se torne inócua e, por consequência, seja incitado o descumprimento da legislação eleitoral.

(…)

Ante tais razões, não há como deixar de reconhecer a prática de conduta vedada pelos representados, tendente, por si mesma, a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito eleitoral, motivo pelo qual se impõe a condenação, mostrando-se suficiente a imposição da penalidade pecuniária, pela interpretação sistemática dos dispositivos relativos a conduta vedada.

Para além da linha argumentativa vinculada ao princípio da isonomia e da interpretação sistemático-teleológica que há de presidir a aplicação do regramento incidente na espécie, outro argumento pode ser colacionado a reforçar o entendimento aqui adotado, qual seja, o de que a ausência de sanção, a despeito da prática de atos que configuram ilícito eleitoral, tende a violar aquilo que se tem designado de uma segunda dimensão (ou segunda "face") do princípio e correspondente dever de proporcionalidade, qual seja, o da proibição de proteção insuficiente ou proibição de insuficiência de proteção, o que de resto, em diversas situações, já tem sido objeto de reconhecimento pelo próprio STF (por exemplo, embora em outro contexto, na STA 175, março de 2010) e em sede doutrinária (entre outros, v. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo G. Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, 8 ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 227 e ss, bem como Ingo Wolfgang Sarlet, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, in: Ingo Wolfgang Sarlet; Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero, Curso de Direito Constitucional, 3 ed, São Paulo: RT, 2014, p. 350 e ss.; no plano monográfico, v. Luciano Feldens, A Constituição Penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, bem como Lenio L. Streck, "A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais", in: (Neo)constitucionalismo - Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica nº 2, 2004).

Aqui, diferentemente da perspectiva adotada quando da análise da ocorrência de eventual excesso de intervenção, no caso, a aferição da proporcionalidade de medida restritiva de direitos, que resultou no afastamento da pena de cassação do diploma, está em causa a não-satisfação em níveis mínimos de deveres constitucionais de proteção estatais a direitos fundamentais e outros valores de matriz constitucional. Como já salientado, se a cassação do diploma resulta manifestamente excessiva, pois representa grave intervenção no direito de sufrágio, a ausência de sancionamento, mormente existente multa compatível a ser aplicada mediante o recurso a uma interpretação sistemática e sem que se possa falar aqui de substituição do legislador pelo Poder Judiciário, implica vazio que sugere mesmo um convite à infração e de uma premiação ao infrator. Dito de outro modo, a ponderação (mediante um juízo de proporcionalidade informado pelas circunstâncias e peculiaridades do caso) não se poderá aqui resolver por uma "lógica do tudo ou nada" (Ronald Dworkin), pois em jogo estão simultaneamente a proteção dos direitos e garantias relativos ao sufrágio passivo e a preservação da isonomia e moralidade do pleito, esteios de uma concepção forte de democracia constitucional, tal como projetada pela Constituição Federal de 1988. Não se pode olvidar que por força dos seus deveres de proteção e do monopólio do exercício do poder o Estado não tem propriamente um direito de punir, mas sim um dever (e poder) de punir (na esfera administrativa ou penal), desde que tal poder-dever seja presidido pelos critérios da proporcionalidade e também da razoabilidade. Entre o excesso de intervenção e a insuficiência de proteção existem alternativas legítimas a serem consideradas, o que, no caso em tela, se manifesta pelo afastamento da cassação do mandato e imposição da sanção pecuniária.

Assim, ausentes omissão, obscuridade ou contradição no acórdão recorrido, merecem ser rejeitados os embargos declaratórios interpostos, os quais evidenciam propósito infringente e desbordam dos lindes traçados pelo art. 275 do Código Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento e pela rejeição dos embargos.