HC - 4877 - Sessão: 24/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado por JORGE CLADISTONE POZZOBOM e PATRÍCIA ADRIANI HOCH em favor de DOUGLAS RAFAEL PEREIRA, pretendendo o trancamento de ação penal por atipicidade da conduta, vindo a ser intimado para se manifestar sobre as condições ofertadas para a transação penal.

Sustentam que o paciente foi citado nos autos do procedimento n. 58-32.2013.6.21.0041, pois teria, no dia 05/10/2012, “postado” na sua página pessoal do Facebook, ofensas direcionadas a Tiago Vasconcelos Aires, então candidato a prefeito de Santa Maria, restando incurso nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral, visto que teria chamado aquele concorrente de “mentiroso” na rede social. Aduzem que, em audiência preliminar, o paciente formalmente retratou-se de suas afirmações, uma vez que não visava ofender a pessoa de Tiago. Afirmam, ainda, que impetraram Habeas Corpus preventivo em favor do paciente, mas o magistrado afastou o pleito defensivo e determinou a instrução do feito. Argumentam que a conduta não se amolda ao tipo legal, pois o demandado não realizou propaganda eleitoral, considerando que a lesão à honra de Tiago Aires teria ocorrido na página pessoal do paciente na rede social Facebook, mostrando-se incompetente a Justiça Eleitoral para apreciar a questão. Requerem, ao final, a concessão da liminar para trancamento do expediente, pois ausente justa causa, ou, alternativamente, seja reconhecida a incompetência da Justiça Eleitoral ou a extinção do processo em virtude da retratação procedida pelo paciente.

O pedido liminar foi indeferido (fls. 89-90).

Com as informações prestadas pela autoridade coatora (fl. 95), os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela denegação da ordem (fls.97-99).

É o relatório.

 

VOTO

O impetrante postula o trancamento da ação penal que tramita perante a 41ª Zona Eleitoral – Santa Maria –, na qual figura como acusado DOUGLAS RAFAEL PEREIRA, a quem está sendo imputada a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 325 e 326 do Código Eleitoral.

Os impetrantes alegam que se mostra completamente desnecessária a instrução do feito, diante da inadequação/ilegalidade, atipicidade do fato impugnado ao Paciente, ausência de dolo específico e retratação formalizada em audiência preliminar. Aduzem, ainda, haver coação ilegal ao paciente, pois ausente justa causa para a ação.

Por ocasião da análise do pedido liminar, os fundamentos alinhados para o indeferimento da concessão foram assim expostos, os quais passam a integrar as razões deste voto:

A concessão de liminar em sede de Habeas Corpus para trancamento de expediente investigativo é admitido pelos Tribunais Superiores apenas em casos excepcionais, quando inexistam dúvidas acerca do constrangimento ilegal sofrido pelos pacientes, seja porque evidente a atipicidade, seja porque impossível atribuir-lhe a prática do delito, conforme se verifica pela seguinte ementa:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO E OCULTAÇÃO DE BENS E VALORES. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PELA POLÍCIA FEDERAL. CONDUTA QUE EM TESE CONFIGURA ILÍCITO PENAL.

INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PREJUDICADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.

1. O trancamento do inquérito policial pela via do habeas corpus representa excepcional medida, admissível tão-somente quando de pronto evidenciada a atipicidade dos fatos investigados ou a impossibilidade de a autoria ser imputada ao indiciado.

2. Não configura constrangimento ilegal a instauração de inquérito policial por autoridade competente para apurar suposta prática de crime de ação penal pública. Precedentes do STJ e do STF.

3. Revogada a prisão preventiva, resta prejudicado habeas corpus na parte em que se alegava ausência de fundamentos para manutenção da constrição cautelar.

4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

(HC 75.982/MS, Rel. Ministro Arnaldo Estaves Lima, Quinta Turma, julgado em 29/04/2009, DJe 25/05/2009)

No caso, Douglas Rafael Pereira foi citado em expediente instaurado para averiguar o cometimento de crimes tipificados nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral, visto que postou na rede social Facebook, no dia 5 de outubro de 2012, o seguinte comentário em relação ao candidato Tiago Vasconcelos Aires: Tiago Aires seu mentiroso!!! O Jorge Pozzobom saiu de dentro da prefeitura há muito tempo antes (que você disse há um mês), acho que você esqueceu, mas ele é Deputado Estadual desde o início de 2011. Meu colega de faculdade, não minta, por favor, os estudantes de Direito da UNIFRA não merecem fama de mentirosos. Abraços.

Não obstante as razões trazidas pelo Paciente, verifica-se que a concessão da liminar pleiteada seria antecipar um juízo de valor sobre a conduta, inclusive sobre o elemento do tipo referente à sua ocorrência, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda. Considerando que os acontecimentos ocorreram às vésperas do pleito, no calor do embate político, mostra-se prematuro estancar os procedimentos em marcha, não se podendo afastar, sem um maior aprofundamento, a intenção de ofender a dignidade e o decoro do ofendido.

Note-se, ainda, que a retratação verificada não possui a força de atrair a extinção da punibilidade, visto que se trata de ação pública incondicionada, infensa, portanto, a isentar de pena o ofensor por haver retirado a aleivosia lançada, pois o bem jurídico protegido se projeta para além da pessoa do ofendido, na medida em que busca resguardar a lisura e regularidade das eleições.

As circunstâncias dos autos, portanto, não permitem concluir pela atipicidade da conduta, não se mostrando adequado o trancamento do expediente neste momento, especialmente se considerarmos que na audiência de transação penal não existe um juízo acerca do fato delituoso, em que o julgador “apenas propõe às partes a composição do dano e a aplicação de medida alternativa, cabendo ao suposto agente aceitá-la ou não...” (HC 200702010169704, Desembargador Federal Guilherme Calmon, TRF2 - Primeira Turma Especializada, DJU – Data: 24/03/2008).

Assim, não se verifica nos autos, com a segurança necessária, a inocorrência dos delitos imputados ao investigado, não se afigurando possível a concessão da liminar pleiteada.

Diante do exposto, INDEFIRO a medida liminar.

Com efeito, o trancamento da ação penal por meio de Habeas Corpus é medida excepcional, somente admitida nas hipóteses de evidente falta de justa causa, consubstanciada na ausência de suporte probatório mínimo de autoria e de materialidade, ou presentes causas de extinção da punibilidade, ou verificada a atipicidade manifesta do fato.

Assim, não se sustenta a tese levantada pelo impetrante de que se mostra completamente desnecessária a instrução do feito, diante da inadequação/ilegalidade, atipicidade do fato impugnado ao Paciente, ausência de dolo específico e retratação formalizada em audiência preliminar, pois as circunstâncias dos autos não permitem concluir pela atipicidade da conduta, ausência de materialidade, bem como pela impossibilidade de a autoria ser imputada ao réu. Ademais, não se vislumbra causas de extinção da punibilidade.

Destaco que os autos trazem prova de que Douglas Rafael Pereira postou na rede social Facebook, no dia 5 de outubro de 2012, o seguinte comentário em relação ao candidato Tiago Vasconcelos Aires: Tiago Aires seu mentiroso!!! O Jorge Pozzobom saiu de dentro da prefeitura há muito tempo antes (que você disse há um mês), acho que você esqueceu, mas ele é Deputado Estadual desde o início de 2011. Meu colega de faculdade, não minta, por favor, os estudantes de Direito da UNIFRA não merecem fama de mentirosos. Abraços. Tal fato mostra-se incontroverso, pois admitido pelo paciente, cabendo ao juiz eleitoral competente, portanto, analisar o mérito da ação penal dentro de seu regular trâmite.

Por outro lado, a discussão acerca da existência ou não do dolo específico na conduta do paciente necessita de exame aprofundado de provas, o que não pode ser feito pela via sumária do Writ.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral se alinha ao entendimento aqui sustentado (fls. 97-99) concluindo que presentes estão os motivos para a manutenção da decisão que indeferiu a liminar, razão pela qual deve ser denegada a ordem pretendida.

À vista dessas considerações, não se vislumbram circunstâncias que descaracterizem o tipo penal e tampouco sustentem o pleito pelo trancamento da demanda.

Diante do exposto, VOTO pela denegação da ordem.