RC - 45240 - Sessão: 14/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL com atuação perante a 52ª Zona Eleitoral – São Luiz Gonzaga ofereceu, em 04.10.2012, denúncia contra GORGE RENATO SILVEIRA BITENCOURT, nos seguintes termos (fls. 02-03):

No dia 14 de setembro de 2012, durante a transmissão do horário de propaganda eleitoral gratuita, via rádio 87,9 FM, em Bossoroca (RS), o denunciado GORGE RENATO SILVEIRA BITENCOURT injuriou a vítima Salomão Valença dos Santos, servidor público municipal, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro.

Na oportunidade, o denunciado, que é candidato a vereador no corrente pleito, disse (consoante termo de degravação em anexo): “Temendo que eu lhe perguntasse por que ele demitiu o secretário da educação, logo após o episódio da merenda e como prêmio de consolação, mandou um projeto para a Câmara, onde foi aprovado por todos os vereadores da situação, um cargo para o senhor secretário se esconder na Josefina Ferreira Aquino”.

Com tal afirmação, propalada via rádio, para toda a comunidade de Bossoroca/RS e região, o acusado ofendeu a dignidade e o decoro do ofendido, servidor público municipal, dando a entender a todos que estivessem ouvindo a propaganda eleitoral em questão, que a vítima é pessoa incapaz e covarde.

Assim agindo, o denunciado GORGE RENATO SILVEIRA BITENCOURT incorreu nas sanções do artigo 326, “caput”, combinado com o artigo 327, II e III, todos do Código Eleitoral. E, para que contra ele se proceda, o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, seja adotado o procedimento previsto no artigo 359 e ss. do Código Eleitoral, ouvindo-se o ofendido e interrogando-se o réu, com final julgamento de condenação.

Anexados documentos (fls. 05-27), em audiência o acusado recusou a proposta de transação penal a ele oferecida (fls. 29-30 e 33).

Recebida a denúncia em 09.10.2012 (fl. 31), em nova audiência o réu recusou a proposta de suspensão condicional do processo a ele oferecida (fl. 33).

Notificado, o réu apresentou defesa (fls. 34-37).

Em decisão interlocutória, foi afastada a tese defensiva pela absolvição sumária, oportunidade em que reiterado pela magistrada o recebimento da denúncia (fl. 53).

Ouvidas 02 (duas) testemunhas arroladas pela acusação e 01 (uma) pela defesa, bem como interrogado o réu (fls. 74-84), sobrevieram as alegações finais (fls. 86-87 e 88-89).

Em sentença, a ação foi julgada procedente, para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 326, caput, c/c art. 327, II e III, do Código Eleitoral, aplicando-lhe pena pecuniária de 40 (quarenta) dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (fls. 90-92v.).

Inconformado, o condenado interpôs recurso. Arguiu, em suma, a inexistência da ofensa a ele atribuída na exordial. Requereu a improcedência da demanda, com a sua absolvição (fls. 93-104).

Apresentadas contrarrazões (fls. 109-111), nesta instância os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 118-120).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois observado o decêndio legal (fls. 92v.-93).

Preenchidos, de resto, os demais pressupostos legais, conheço do recurso.

Mérito

À luz do art. 109 do Código Penal - CP, registro que não há ocorrência de prescrição do fato com a capitulação delitiva descrita na inicial.

Merece acolhimento a irresignação do réu Gorge Renato Silveira Bitencourt, candidato a vereador no pleito de 2012 em Bossoroca, que foi denunciado como incurso nas sanções do art. 326, caput, c/c art. 327, II e III, do Código Eleitoral - CE por injúria ao ex-Secretário de Educação e então professor da rede pública municipal, Salomão Valença dos Santos, durante transmissão da propaganda eleitoral gratuita concernente – em 14/09/2012 – junto à emissora de rádio local.

Eis o teor da degravação de fl. 05, ipsis litteris (mídia à fl. 17):

- Alô amigos, aqui quem fala é o Gorge, 15640, andando pelo nosso município, interior e cidade, ainda me questione porque o outro candidato não quis ir ao debate, deve ser de medo que eu lhe perguntasse por que motivo ele mandou arrancar o tanque de diesel da prefeitura, será que estava furado ?

- Temendo que eu lhe perguntasse por que ele demitiu o secretário da educação, logo após o episódio da merenda e como prêmio de consolação, mandou um projeto para a câmara, onde foi aprovado por todos os vereadores da situação, um cargo para o senhor secretário se esconder na Josefina Ferreira Aquino.

- Temendo que eu lhe perguntasse por que que o controle de tuberculose, brucelose, que era feito gratuito do gado leiteiro dos pequenos agricultores, não são feitos mais pela secretaria municipal de agricultura de Bossoroca, gratuitamente.

- Temendo que eu lhe perguntasse coisas que ele não pudesse responder, pois ele não fala com a alma e nem com o coração, fala apenas o que os outros escrevem, e lê muito mal por sinal, “fonodólogo” nele.

- Temendo que eu lhe perguntasse do hospital de primeiro mundo que ele abriria em janeiro de 2009, que até agora não abriu, e volta com as mesmas promessas mentirosas e eleitoreira.

Reza a norma de regência:

CE:
Art. 326 Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Pena - detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.
[...]
Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.

Art. 327 As penas cominadas nos artigos 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I - [...]
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa. (Grifei.)

A sentença pontuou que o réu […] ofendeu a dignidade de funcionário público (fl. 61), ao referir que ele fora defenestrado da função de Secretário Municipal de Educação pelo Prefeito Municipal por suposto envolvimento em irregularidades (desvio) de merenda escolar, além de estar ‘escondido’ em cargo para ele ‘criado’ em escola do Município, excedeu-se no seu direito de manifestação do pensamento, atingindo bem juridicamente tutelado pelo ordenamento jurídico, qual seja, a honra de Salomão Valença dos Santos (fls. 90-92v.).

Sem razão, contudo, a magistrada de primeira instância.

Preleciona Suzana de Camargo Gomes (Crimes Eleitorais, 4ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 187-189):

Outro delito tipificado no Código Eleitoral é o descrito em seu art. 326 e consiste em 'injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro'.

[…]

O elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, ou seja, há necessidade de estar presente a vontade consciente e deliberada no sentido de ofender a dignidade ou o decoro da vítima com a injúria assacada.

[...]

A mera crítica, ainda que se aproxime da linguagem deselegante, não caracteriza o tipo penal.

Reconhece-se, pois, como necessário à configuração da injúria eleitoral o mesmo elemento subjetivo específico presente no tipo penal da injúria do art. 140 do CP. E, consoante a majoritária doutrina e jurisprudência, tal elemento é a especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia.

Esse elemento intencional está implícito no tipo. É possível que uma pessoa ofenda outra, embora assim esteja agindo com animus criticandi ou até animus corrigendi, ou seja, existe a especial vontade de criticar uma conduta errônea para que o agente não torne a fazê-la.

Embora muitas vezes quem corrige ou critica não tenha tato para não magoar outra pessoa, não se pode dizer que tenha havido injúria. O preenchimento do tipo aparentemente pode haver (o dolo existiu), mas não a específica vontade de macular a honra alheia (o que tradicionalmente chama-se “dolo específico”) (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: RT, 4ª ed. 2003, p. 140).

Deve-se perquirir, assim, se existente o dolo específico, o qual não se identifica com a mera crítica, ainda que em linguagem deselegante. Até porque a tipicidade do delito de injúria exige a avaliação do contexto fático-probatório quanto ao tempo e lugar de ocorrência dos fatos e as peculiaridades pessoais de cada acusado (STJ, Ação Penal 568, rel. Min. Eliana Calmon, julgada em 17-12-2009).

Nesse contexto, trago precedente paradigma desta Corte, da lavra do Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha:

Recurso criminal. Condenação por injúria em propaganda eleitoral (artigo 326 da Lei n. 4.737/65). Distribuição de panfletos ofensivos a candidato a prefeito. Fixação de penalidade pecuniária.
[...]
Para a tipificação do crime, exige-se dolo específico, caracterizado pela vontade consciente e deliberada de ofender a dignidade ou o decoro da vítima. Teor da publicidade demonstra a realização de mera crítica, destituída de caráter ofensivo. Insignificância do tempo de distribuição do material discutido, incapaz de comprometer a imagem pública do candidato.
Provimento.
(TRE/RS – RC 1000001-72 – J. Sessão de 1º.10.2010.)

Já o TSE assim se manifestou sobre a natureza eleitoral do ilícito de injúria:

HABEAS CORPUS. CRIME ARTS. 325 E 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. OFENSA VEICULADA NA PROPAGANDA ELEITORAL. TIPICIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL.

1. Para a tipificação dos crimes de difamação e injúria eleitorais, previstos nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral, não é preciso que a ofensa seja praticada contra candidato, uma vez que a norma descreve as condutas de difamar e injuriar alguém, sem especificar nenhuma qualidade especial quanto ao ofendido.

2. O que define a natureza eleitoral desses ilícitos é o fato de a ofensa ser perpetrada na propaganda eleitoral ou visar a fins de propaganda.

3. Na espécie, as ofensas foram veiculadas na propaganda eleitoral por rádio, o que determina a competência da Justiça Eleitoral para apurar a prática dos delitos tipificados nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral.

4. Ordem denegada.

(TSE – HC 187635 – Rel. Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR – DJE de 16.02.2011.)

Na espécie, não vejo como admitir-se a subsunção do fato narrado à norma eleitoral em destaque à vista da referência temendo que eu lhe perguntasse por que ele demitiu o secretário da educação, logo após o episódio da merenda e como prêmio de consolação, mandou um projeto para a câmara, onde foi aprovado por todos os vereadores da situação, um cargo para o senhor secretário se esconder na Josefina Ferreira Aquino.

Primeiro, porque nela não vislumbro injúria, tal como concebida pelo ordenamento jurídico, com ofensa à dignidade ou ao decoro, ausente no texto palavra ou expressão injuriosa.

Segundo, porque mesmo que admitida intenção implícita do interlocutor de aludir a fato depreciativo à pessoa do ora ofendido, estar-se-ia, em tese, consideradas as acepções jurídicas destes institutos, diante de difamação, ou calúnia, mas não de injúria.

Em terceiro, porque, dos documentos que compõem os autos, verifica-se que, realmente, o servidor público Salomão Valença dos Santos veio a se desligar da Secretaria de Educação municipal e a novamente exercer, em escola pública local, a atividade docente – remanescendo a interpretação jurídica e/ou política desse fato que cada um possa fazer, mormente no âmbito do cenário eleitoral e com inevitável repercussão junto à comunidade local.

E em quarto, porque a veiculação, em verdade, dirigiu-se ao adversário político e então prefeito candidato à reeleição Ardi Jaeger, sem referência ao nome de Salomão, demonstrando que a mensagem foi produzida no contexto do período eleitoral, como bem frisado pelo Procurador Regional Eleitoral em seu parecer (fls. 118-120):

Examinado-se a propaganda eleitoral realizada pelo recorrente na rádio 87, 9 FM, de Bossoroca-RS, não é possível verificar que a intenção do réu era a de atingir SALOMÃO VALENÇA DOS SANTOS, atribuindo a ele qualidades negativas ou defeitos capazes de ferirem a sua dignidade ou decoro.

O que se depreende é que as declarações, aparentemente, são direcionadas ao então candidato a Prefeito da cidade de Bossoroca-RS, ARDI JAEGER, o qual foi, inclusive, ouvido na condição de informante no presente feito. Com a leitura da degravação da propaganda eleitoral do réu (fl. 05), observa-se que o objetivo dele era cobrar a ausência do prefeito no debate realizado durante as eleições de 2012, tanto que as falas são possíveis perguntas às quais ARDI, presumivelmente, não gostaria de responder.

Note-se que a fala em que SALOMÃO é referido é totalmente dirigida ao prefeito: […]

Ora, o que se verifica é que o recorrente acusa o candidato a Prefeito de ter demitido o secretário da educação e de ter criado um cargo na Escola Josefina Ferreira Aquino para escondê-lo em razão de possíveis irregularidades envolvendo merendas escolares, as quais, de acordo com as declarações de GORGE, poderiam prejudicar a reeleição de ARDI.

Nesse sentido, as declarações prestadas por ARDI JAEGER nas fls. 79-80:

[...] eu ouvi esse programa também, do que ele se referiu nesse horário gratuito, que eu tinha criado um cargo e escondido ele como ex-secretário […] então essas coisas assim Meritíssimo, eu acho que certas pessoas as vezes se transformam em momentos, porque inclusive naquele mesmo programa ele se referiu a mim, que eu tinha que ir num...então eu acho assim um tanto vulgar em momentos as pessoas se transformam e querem eu não sei se aproveitar de que, porque não traz a nada[...]

[…]

O que se observa é a tentativa do recorrente, durante campanha eleitoral, de indicar fatores que deveriam ser levados em consideração pelos eleitores para não reelegerem ARDI JAEGER, sendo esse seu objetivo, mesmo que tenha envolvido a pessoa de SALOMÃO.

Não ignoro que a opinião particular de alguém sobre determinada pessoa não autoriza que ofensas sejam irrogadas com a especial intenção de magoar ou macular a honra alheia. Mas aqui há sérias dúvidas de que o recorrente efetivamente buscou, em período próximo ao pleito, ofender a honra subjetiva de funcionário público, em razão de suas funções, por intermédio de meio que facilitasse a divulgação da ofensa.

O caderno probatório, por sua vez, não permite conclusão em contrário, isto é, de que a conduta é típica, consubstanciando injúria, pois dele não se extrai, modo inequívoco, a propalada intenção de ofensa, senão mera crítica à atuação do então prefeito, estranho à presente lide – destaque para a prova coligida:

(a) a sedizente vítima declarou que se sentiu ofendida em sua dignidade, porque em programa de rádio o réu disse que o prefeito o havia demitido e como prêmio de consolação teria criado um cargo para o ofendido se esconder na escola Josefina. Disse que a afirmação não corresponde à verdade, porque de fato é professor concursado, trabalha há 42 (quarenta e dois) anos, e atua em escola municipal ocupando cargo previsto na legislação (fls. 76-78);

(b) o réu, quando interrogado, alegou que disse apenas a verdade a respeito de episódio envolvendo a merenda escolar distribuída em Bossoroca, contemporâneo ao exercício do cargo de Secretário da Educação pela vítima, sem objetivo de atingir a moral de Salomão Valença dos Santos (fls. 83-84);

(c) a testemunha Ardi Jaeger, então prefeito de Bossoroca, confirmou as declarações da vítima de que ela ocupa cargo para o qual foi admitida mediante concurso público, bem como que ouviu no programa de rádio as afirmações feitas pelo acusado em face do ofendido (fls. 79-80); e

(d) a testemunha de defesa Anderson da Silva Espíndola disse ter conhecimento de que as referências têm relação com episódio de supostas irregularidades relativas à merenda escolar (desvio) no município de Bossoroca envolvendo Salomão Valença dos Santos (fls. 81-82).

Evidente, assim, que os termos utilizados não caracterizaram o alegado crime eleitoral, apesar de representarem crítica à postura de terceiro, adversário político do ora recorrente, na condução de questões afetas à municipalidade.

Logo, por todos esses fundamentos, a reforma da decisão combatida, com o provimento do recurso e a consequente absolvição do réu, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para, reformando integralmente a sentença, absolver GORGE RENATO SILVEIRA BITENCOURT da imputação delitiva descrita na denúncia, fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.