RC - 3561 - Sessão: 10/07/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença proferida pela MM. Juíza Eleitoral da 17ª Zona Eleitoral de Cruz Alta/RS, que julgou improcedente a denúncia para absolver ARI JOSÉ BONALDO PEGORARO da acusação de prática do delito de falsidade ideológica eleitoral, tipificado no artigo 350 do Código Eleitoral, mediante omissão de despesas com realização de comício na prestação de contas de campanha relativa a sua candidatura para prefeito, nas eleições municipais de 2008.

O fato delituoso foi assim descrito na denúncia (fls. 02-03):

Em 29 de dezembro de 2008, na sede da 17ª Zona Eleitoral, na cidade de Cruz Alta, às 18h02min, o denunciado omitiu declaração que devia constar, para fins eleitorais, referentes a despesas realizadas, por ocasião de um comício, na prestação de contas da campanha eleitoral de 2008, que é documento público.

Na oportunidade, o denunciado apresentou a prestação de contas à Justiça Eleitoral, sem a emissão do recibo eleitoral, nem qualquer referência a despesas realizadas com um comício que ocorreu no dia 25 de setembro de 2008, no salão do Bairro Nova Esperança.

A magistrada julgou improcedente a denúncia, entendendo pela inexistência do dolo específico do tipo penal atinente à finalidade eleitoral (fls. 287-293).

Nas razões recursais, o Ministério Público sustenta que restou sobejamente comprovado que o recorrido tinha plena consciência de que estava entregando a prestação de contas de campanha sem a integralidade dos gastos realizados, referentes à locação do salão e às despesas de sonorização para o comício em questão. Assim, a presença do dolo estaria perfeitamente demonstrada, mostrando-se imperativa a condenação (fls. 294-298).

Com as contrarrazões (fls. 301-325), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 330-332).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, com razão a douta Procuradoria Regional Eleitoral na manifestação pelo desprovimento, pois a bem lançada sentença não merece reforma.

Embora o recurso ministerial refira a comprovação, no curso da instrução, da materialidade e da autoria delitivas, porquanto o recorrido foi omisso ao declarar gastos de campanha sabidamente realizados, situação que demonstraria “que efetivamente, o acusado, dolosamente, praticou o delito pelo qual foi denunciado”, tais circunstâncias não se confundem com a caracterização do dolo específico do tipo penal descrito no artigo 350 do Código Eleitoral.

Transcrevo o dispositivo em comento:

Art. 350 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Segundo Suzana de Camargo Gomes: “o elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, expresso na vontade livremente dirigida à ação ou omissão prevista no art. 350 do Codigo Eleitoral, com o fim especial de afetar o processo eleitoral, em qualquer um de seus atos ou fases, seja no que concerne ao alistamento de eleitores ou registro de candidatos e filiados a partidos políticops, seja no que diz respeito à propaganda eleitoral, votação, apuração e diplomação dos eleitos. Ademais, somente resulta consumado o crime, se o documento falsificado ideologicamente contiver potencialidade lesiva. Deve, portanto, oferecer risco ao processo eleitoral, posto que, de outra forma, a falsidade é inócua e, neste caso, não h´de se cogitar de crime, face o que dispõe o artigo 17 do CP” (Gomes, Suzana de Camargo. Crimes eleitorais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 280).

Assim, explica a doutrina que a expressão “para fins eleitorais” refere-se especificamente ao resultado da eleição, e que se a declaração falsa está entre aquelas sujeitas à constatação de sua veracidade pela Justiça Eleitoral não haveria de se falar em crime de falsidade ideológica (Gomes, Op. Cit., p. 283).

Ainda que o recorrido tenha omitido despesas com realização de comício na prestação de contas de campanha relativa a sua candidatura para prefeito, nas eleições municipais de 2008, tal omissão não configura o crime de falsidade ideológica eleitoral, pois a sua caracterização requer a presença de específica motivação eleitoral e de potencial lesivo ao bem juridicamente tutelado pela norma, elementos que não estão presentes no caso dos autos, justamente porque as contas são prestadas após o pleito, conforme entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral que se vê pela ementa que segue:

CRIME ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. OMISSÃO. DECLARAÇÃO. DESPESA. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. - A rejeição da prestação de contas, decorrente de omissão em relação a despesa que dela deveria constar, não implica, necessariamente, na caracterização do crime capitulado no art. 350 do CE. - Não há como reconhecer, na espécie, a finalidade eleitoral da conduta omissiva, elemento subjetivo do tipo penal em apreço, porquanto as contas são apresentadas à Justiça Eleitoral após a realização do pleito. - Recurso especial conhecido e desprovido (TSE, RESP 26010. Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJ: 29.5.2008).

Nesse sentido, já decidiu este Tribunal que “A omissão de despesa na prestação de contas não configura justa causa a ensejar a deflagração de ação penal, porquanto ausente o dolo específico”.

Ação Penal. Eleições 2008. Oferecimento de denúncia pela prática de conduta prevista no artigo 350 do Código Eleitoral (falsidade ideológica para fins eleitorais).

Superadas as preliminares de excesso de prazo para conclusão do inquérito e de oferecimento da denúncia.

A omissão de despesa na prestação de contas não configura justa causa a ensejar a deflagração de ação penal, porquanto ausente o dolo específico.

Não comprovada a finalidade eleitoral.

Rejeição da denúncia.

(Ação Penal de Competência Originária n. 41861, Acórdão de 08.05.2012, Relatora DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data 10.05.2012, Página 04 )

 

Recurso criminal. Decisão que julgou denúncia improcedente. Alegada omissão de despesas em prestação de contas de campanha (artigo 350 do Código Eleitoral). Embora comprovada a falta de descrição dos gastos na demonstração financeira de campanha, não há como reconhecer, in casu, a finalidade eleitoral da conduta omissiva, já que as contas são apresentadas à Justiça Eleitoral após a realização do pleito. Necessidade de demonstração de potencialidade lesiva da conduta para fraudar a eleição. Provimento negado.

(RECURSO CRIMINAL n. 33, Acórdão de 25.08.2009, Relatora DRA. ANA BEATRIZ ISER, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 145, Data 01.09.2009, Página 1.)

 

É esse o entendimento que tem sido seguido por outros Tribunais Eleitorais do país.

Assim, no presente caso, não há como reconhecer o específico interesse eleitoral por parte do recorrido, pois a conduta, ao ser praticada após a realização do pleito, não atinge o processo eleitoral.

Diante do exposto, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença de improcedência da ação, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal.