RC - 3535 - Sessão: 15/07/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por FÁBIO BARCELOS contra sentença proferida pelo Juízo da 155ª Zona Eleitoral – Augusto Pestana que julgou parcialmente procedente a denúncia pela prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), para o fim de absolver os demais denunciados e condenar o recorrente às penas de: 1 (um) ano de reclusão, substituída por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade pelo prazo fixado na pena e multa, em face do fato nº 4 da exordial acusatória; e em relação ao fato nº 5 da denúncia, 1 (um) ano de reclusão, substituída por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade pelo prazo fixado na pena e multa (fls. 143-150).

Os fatos tidos como caracterizadores de delito eleitoral pela sentença recorrida estão assim descritos na denúncia (fl. 03):

Fato 04:

No dia 01 de outubro de 2012, no turno da tarde, na Rua Cel. Antonio Soares de Barros, nas dependências da Loja Kronbauer, nesse município, o denunciado Fabio Barcelos ofereceu dois galões de tinta de 18 litros ao eleitor Leonildo Alves Ribas (título eleitoral n° 086163000400) no fito de obter o voto deste para os candidatos à majoritária Darci Sallet e Nelson Wille.

Na ocasião, o denunciado Fábio na condição de chefe do eleitor Leonildo, ofereceu os bens acima descritos em troca do voto do eleitor Leonildo, para os candidatos à majoritária pela Coligação "Augusto pestana Pode Mais".

O eleitor Leonildo Alves Ribas recusou a oferta.

Fato 05:

No dia 01 de outubro de 2012, no turno da tarde, na Rua Cel. Antonio Soares de Barros, nas dependências da Loja Kronbauer, nesse Município, o denunciado Fabio Barcelos ofereceu um galão de tinta de 18 litros ao eleitor Leandro de Aquinos (título eleitoral n° 083634600469) no fito de obter o voto deste para os candidatos à majoritária Darci Sallet e Nelson Wille.

O denunciado Fábio, valendo-se do fato de o eleitor ter ido até a Loja Kronbauer efetuar o pagamento de uma conta, ofereceu o bem acima descrito ao eleitor Leandro, para os candidatos à majoritária pela Coligação "Augusto pestana Pode Mais".

O eleitor Leandro de Aquinos aceitou a oferta, tendo levado para casa dois galões de tinta.

Nas razões de reforma o recorrente alega a inexistência de prova robusta acerca da conduta delitiva, e alega que a prova testemunhal não foi suficiente para formar juízo condenatório. Sustenta que existiam desavenças entre ele e o eleitor supostamente aliciado, Leonildo, não sendo crível que tivesse intentado comprar votos, uma vez que eram correligionários da mesma coligação. Assevera também que não restou demonstrado o dolo específico exigido para a configuração do tipo penal previsto no artigo 299 do Código Eleitoral (fls. 155-161).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 163-164), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

O recurso é regular, tempestivo e merece conhecimento.

Fábio Barcelos foi condenado como incurso nas sanções do delito de compra de votos – art. 299 do Código Eleitoral –, em função dos fatos 04 e 05 antes descritos, ocorridos no dia 01 de outubro de 2012, que acusam o oferecimento de dois galões de tinta de 18 litros ao eleitor Leonildo Alves Ribas e de um galão de tinta de 18 litros ao eleitor Leandro de Aquinos, tudo com o fim de obter o voto destes para os candidatos à majoritária Darci Sallet e Nelson Wille.

A sentença de procedência considerou que a prova dos autos confirma a oferta da tinta em troca de votos para a legenda “15”, tanto para o eleitor Leonildo Alves Ribas, quanto para o eleitor Leandro de Aquinos.

Quanto ao fato 04, o termo de declarações prestado pelo eleitor aliciado Leonildo Alves Ribas perante a Promotoria de Justiça de augusto Pestana (fl. 12) e o seu depoimento judicial (fl. 97) apontam que, após receber a oferta de Fábio, Leonildo ficou em dúvida. Fábio então ligou para a sua esposa, Marilei Costa Alves Ribas, e em seguida passou o telefone para Leonildo, a fim de que  conversassem sobre a possibilidade de aceitação da oferta. Foi Leonildo quem fez a proposta, sendo que Marilei não aceitou, explicando que era partidária do “11” e não queria colocar a propaganda do adversário em sua casa. Em juízo, Marilei confirmou ter recebido a referida ligação telefônica que tratava da oferta do galão de tinta em troca do voto (fl. 14 e CD à fl. 97).

No interrogatório judicial (CD da fl. 65), Fábio negou os fatos e afirmou não possuir vinculação política. Disse que Leonildo devia dinheiro à empresa Kronbauer, de propriedade dos sogros de Fábio, e que por conta disso acordaram que Leonildo trabalharia na loja para pagar a dívida. Também afirmou que, embora fosse chefe de Leonildo, não tinha autonomia para efetuar doações de produtos vendidos pela empresa, e que a acusação de compra de voto provavelmente teria sido motivada por vingança.

A prova relativa à autoria e à materialidade está baseada nos depoimentos de Leonildo e de Marilei. No entanto, tenho que não se afiguram suficientes ao juízo condenatório.

Nesse tipo de delito, que normalmente ocorre tão somente na presença do eleitor a quem se oferece a vantagem indevida, o depoimento deste é válido como prova da materialidade delitiva, porém é preciso que esteja associado a outros elementos de provas.

No caso dos autos, Marilei afirmou em juízo que não recebeu a proposta de compra de votos, tomando conhecimento do fato apenas através de Leonildo, em uma conversa telefônica (CD à fl. 100). Não há prova de que a ligação tenha sido feita, em que pese terem sido colhidos os números de telefone durante a instrução. O que se tem são os testemunhos do casal Leonildo e Marilei, sendo que ela assume sequer ter recebido a oferta por parte de Fábio.

Recebo com reservas, porém, o depoimento de Leonildo, que afirmou em juízo ter ligado para Marilei para ver se ela aceitava a suposta oferta. Leonildo, ao que tudo indica, tinha intenção de aceitar a tal proposta, porquanto afirmou que precisou pedir uma autorização. Tanto é assim que menciona Marilei ter afirmado que, quando tivesse a sua casa, poderia colocar a propaganda do 15, mas que, como a casa era dela, não podia (CD à fl. 100).

Embora possa haver indícios de que Fábio tenha, de fato, oferecido alguma vantagem indevida a Leonildo, as provas não corroboram a imputação contida na denúncia, pois não pode ser considerado o depoimento de sua esposa Marilei, já que ela mesma reconhece não ter presenciado ou recebido a oferta.

Ainda que apta a um decreto condenatório, a prova testemunhal deve apresentar consistência suficiente para formar o convencimento do magistrado. Não é o que ocorre no presente caso, uma vez que a prova da acusação está fundada exclusivamente em dois testemunhos, e que inexiste vultosa e harmoniosa cadeia indiciária capaz de demonstrar a materialidade do crime de corrupção eleitoral, situação que coloca em dúvida a apresentação dos fatos na forma como narrados na denúncia.

De igual modo, tenho que não restou suficientemente comprovado o fato 05, relativo ao oferecimento de um galão de tinta de 18 litros ao eleitor Leandro de Aquinos.

A par da inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade da ação à ação penal eleitoral, uma vez que as infrações penais definidas no Código Eleitoral são públicas incondicionadas, sendo desnecessário que os sujeitos ativo e passivo do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral sejam denunciados conjuntamente, tenho que a condenação não pode se basear apenas em depoimento colhido na fase extrajudicial, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa.

No termo de declarações prestado perante a Promotoria de Justiça de Augusto Pestana (fl. 13), em que Leandro reconhece ter aceitado a tinta em troca da venda do voto, sequer está mencionada a advertência de que poderia incidir nas mesmas penas do acusado, o que depõe contra a higidez de tal depoimento, mormente porque Leandro não foi mais ouvido durante a instrução.

Cito precedente nesse sentido:

RECURSO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILEGAL DE SUFRÁGIO. VANTAGEM PROMETIDA POR CANDIDATO. PERÍODO DE PROIBIÇÃO. DELATOR NÃO DENUNCIADO EM AÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA O CANDIDATO E OUTROS. INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA. CORRUPÇÃO PASSIVA NÃO CONSIDERADA EM AÇÃO PENAL DISTINTA. ADVERTÊNCIA DAS CONSEQÜÊNCIAS ADVINDAS COM VANTAGEM RECEBIDA. PROVA JUDICIAL COMPROMETIDA. Na dicção do art. 41-A da Lei n° 9504/1997, com as alterações introduzidas pela Lei n° 9840/1999, realiza-se a conduta típica tão-somente no período que vai da data do registro da candidatura à do pleito. A captação ilegal de sufrágio afirmada em juízo pelo delator não merece crédito se este, em ação penal distinta, mas fulcrada nos mesmos fatos, deixa de ser denunciado com os demais acusados da prática de corrupção ativa, recebendo antecipadamente o benefício da delação premiada, concedido em despacho pelo Promotor de Justiça.O art. 299 do Código Eleitoral também incrimina a modalidade de corrupção eleitoral passiva. A falta de advertência às eleitoras, que se disseram beneficiárias da vantagem que lhes teria sido ofertada pelo candidato, de que poderiam incidir nas mesmas penas depõe contra a higidez de tais depoimentos, em especial quando algumas testemunhas, alterando a versão contada na fase de investigação, informam em juízo que foram cooptadas e instruídas pelo delator a mentir. Não havendo nos autos elementos de convicção aptos a escudar o édito condenatório, sendo certo que os indícios não são veementes, impõe-se a absolvição dos acusados.

(TRE-SC, RECURSO ELEITORAL nº 602, Acórdão nº 5265 de 25.07.2006, relator OSWALDO RODRIGUES DE MELO, Publicação: DJ - DIÁRIO DA JUSTIÇA - 1320, data 28.07.2006, 87 p.) (Grifei.)

Ademais, ainda que se considerasse tal declaração, verifica-se que Leandro afirmou ser partidário da mesma legenda de Fábio, o “15”, situação que, por si só, já descaracteriza a ocorrência do delito, uma vez que a denúncia afirma a oferta em troca de voto para os candidatos da legenda 15: Darci Sallet e Nelson Wille.

Consabido que não se compra voto de correligionário.

Leandro de Aquinos não prestou depoimento em juízo, porque foi denunciado pelo crime do art. 299 do CE, sendo beneficiado pela suspensão condicional do processo.

Assim, em que pese o depoimento de Leonildo, no sentido de que Fábio corrompeu o voto de Leandro, tendo oferecido a tinta em troca de voto, e que teriam sido carregados dois galões de tinta ao invés de um, tenho que a situação não se mostra suficientemente clara a ponto de fundamentar um juízo de condenação, restando dúvidas sobre a ocorrência do delito.

No ponto, é importante acrescentar que a testemunha Flávio de Brito, que estava junto com Leandro quando foram à loja Kronbauer, afirmou em juízo que não presenciou a compra de votos (CD à fl. 111).

A convicção sentencial acerca da ocorrência da compra do voto de Leandro é extraída do depoimento de Leonildo que, insisto, recebo com reservas.

Portanto, subsistindo a dúvida e diante da necessidade de um quadro probatório robusto apto a gerar a certeza da responsabilidade criminal do acusado, tem-se que a acusação não se desincumbiu do ônus que lhe coube, restando inafastável a absolvição do réu, já que, sem demonstração cabal de sua culpa, prevalece a inocência com base no in dubio pro reo, dada a gravidade dos seus efeitos.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para o fim de absolver o réu da imputação da prática do delito do art. 299 do Código Eleitoral, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes (voto divergente):

Divirgo do voto do eminente relator e mantenho a sentença de primeiro grau porque entendo caracterizado o crime com a oferta de tinta.