RE - 8019 - Sessão: 24/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

A PARTIDO PROGRESSISTA – PP DE NOVO HAMBURGO interpõe recurso em face da sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta contra TARCÍSIO JOÃO ZIMMERMANN, MARIA LORENA MAYER, JOSÉ LUIZ LAUERMANN, ROQUE VALDEVINO SERPA e PAULO ROBERTO KOPSCHINA, fundamentando que a propaganda eleitoral extemporânea reconhecida em outro feito pela Justiça Eleitoral não teve gravidade suficientes para caracterizar abuso de poder político (fls. 973-976).

Em suas razões recursais (fls. 982-1.007), sustenta que o abuso prescinde de potencialidade para influir no pleito, bastando a gravidade das circunstâncias. Argumenta não haver dúvidas a respeito da realização de propaganda eleitoral extemporânea e dos valores investidos no informe institucional, alegando que o uso da estrutura administrativa em benefício de uma candidatura configura inegável abuso de poder político. Requer a reforma da decisão, com o julgamento de procedência da ação.

Sem as contrarrazões (fl. 1.017), os autos foram encaminhados a esta instância e remetidos em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 1.029-1.032).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O procurador do recorrente foi intimado da sentença no dia 09 de dezembro de 2013 (fl. 977v.) e interpôs o recurso no dia 12 do mesmo mês (fl. 982), dentro, portanto, do prazo de três dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

No mérito, a ação busca a configuração de abuso de poder político em razão da divulgação de propaganda eleitoral extemporânea.

Esta Corte, no julgamento do RE 22-19, em 03 de julho de 2012, de relatoria do Dr. Artur dos Santos e Almeida, reconheceu que publicidade institucional da prefeitura de Novo Hamburgo veiculou propaganda eleitoral subliminar, em acórdão assim ementado:

Recursos Eleitorais. Representação por propaganda eleitoral extemporânea julgada procedente no juízo originário.

I. Preliminares afastadas:

1. Pedido de juntada de diligência a ser efetuada em outro processo judicial. Inviabilidade do requerimento por falta de fundamentação;

2. Alegada ilegitimidade passiva do partido requerido, o qual restou inconformado com sua inserção no polo passivo da demanda. A discussão não prospera uma vez que toda propaganda é realizada sob a responsabilidade dos partidos, conforme regra do art. 241 do Código Eleitoral;

3. Pedido de aditamento da inicial indeferido, pois não há falar em inovação do pedido após a estabilização da relação processual.

II. Mérito:

Linha Publicitária desenvolvida pela administração municipal, com emprego de expressão coincidente com as frases de efeito utilizadas em campanha anterior de candidato a prefeito municipal e candidato atual aspirante à reeleição. Evidenciada a ligação entre os motes de campanha e os institucionais. Emprego de marketing político, gerenciado por profissionais e agências qualificadas que fazem uso de modernas técnicas de comunicação, buscando convencer o eleitor de maneira sutil e com mensagens ambíguas.

Não configurada, na espécie, qualquer das hipóteses de exceção previstas no art. 36-A da Lei Eleitoral.

Provimento negado.

Os autos dão conta, também, de que os informes publicitários tiveram um custo de R$ 417.422,85 (quatrocentos e dezessete mil e quatrocentos e vinte e dois reais e oitenta e cinco centavos), representados por empenhos durante o ano de 2011 (fl. 975v.).

Os agentes públicos atuam balizados por limites legalmente estabelecidos. O exercício dessas funções com desvio de suas finalidades legais objetivando comprometer a legitimidade do pleito, seja em seu favor ou de terceiro, caracteriza o exercício abusivo do poder político previsto no artigo 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: [...] (Grifei.)

Para a caracterização da figura abusiva é necessária, ainda, a presença da “gravidade das circunstâncias”, conforme previsão do art. 22, XVI, da Lei Complementar 64/90:

Art. 22. [...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

O conceito aberto de “gravidade das circunstâncias” requer uma apreciação um pouco mais apurada para a delimitação de seus limites.

A legislação eleitoral reprime a prática do abuso de autoridade em razão da sua lesividade ao pleito eleitoral, à igualdade legalmente estabelecida entre os candidatos. Tal desiderato é pacificamente admitido pela jurisprudência, conforme se extrai da ementa que segue:

Agravo Regimental. Recurso Ordinário. Representação eleitoral. Condutas vedadas. Lei nº 9.504/97, art. 73.

As condutas vedadas (Lei das Eleições, art. 73) constituem-se em espécie do gênero abuso de autoridade. Afastado este, considerados os mesmos fatos, resultam afastadas aquelas.

O fato considerado como conduta vedada (Lei das Eleições, art. 73) pode ser apreciado como abuso do poder de autoridade para gerar a inelegibilidade do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90.

O abuso do poder de autoridade é condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurado na Constituição da República.

Agravo Regimental desprovido. Decisão mantida.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 718, Acórdão n. 718 de 24.05.2005, Relator Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 17.06.2005, Página 161 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 16, Tomo 2, Página 188.)

Sendo essa a razão de existência da repressão do comportamento abusivo, a sua caracterização não pode estar dissociada do motivo de sua existência legal. Vale dizer, como o abuso foi instituído para preservar a legitimidade do pleito, será abusiva aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. Essa quebra da normalidade, entretanto, não está vinculada ao seu potencial de modificar o resultado do pleito, mas à gravidade da conduta, capaz de desvirtuar a normalidade do pleito.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos.

(Direito Eleitoral, 8ª ed., 2012, p. 473.)

A respeito do dispositivo em comento, transcrevo também a doutrina de Rodrigo López Zilio, que segue a mesma linha de raciocínio:

O comando normativo não torna superada a exigência da potencialidade lesiva, substituindo-a pela gravidade das circunstâncias, como uma primeira leitura da regra pode sugerir. Com efeito, como assentado outrora “a nova regra, apenas, desvincula a configuração do abuso de poder (em sua concepção genérica) do critério exclusivamente quantitativo – que é o resultado do pleito –, até mesmo porque a ação de investigação judicial eleitoral pode ser julgada antes do pleito”, sendo certo que “o efeito constitutivo do abuso de poder (em sua concepção genérica) permanece caracterizado pela potencialidade lesiva, a qual, agora, tem suas feições delineadas, no caso concreto, pela gravidade das circunstâncias do ilícito”. Neste norte, “o ato abusivo somente resta caracterizado quando houver o rompimento do bem jurídico tutelado pela norma eleitoral (normalidade e legitimidade do pleito), configurando-se o elemento constitutivo do ilícito seja com o reconhecimento da potencialidade lesiva – como, desde sempre, assentado pela jurisprudência do TSE – seja com o reconhecimento da gravidade das circunstâncias – como definido pela nova regra exposta pelo art. 22, inciso XVI, da LC nº 64/90. Ambas as expressões – potencialidade lesiva e gravidade das circunstâncias –, em suma, revelam-se como elementos caracterizadores do ilícito, daí que se demonstra estéril a discussão semântica das nomenclaturas adotadas, porque, no fundo, as duas denotam um mesmo e unívoco conceito, já que o que importa, em verdade, é a violação ao bem jurídico protegido pelas ações de abuso genérico”.

Em síntese, a gravidade das circunstâncias dos ilícitos praticados consiste na diretriz para a configuração da potencialidade lesiva do ato abusivo, permanecendo ainda hígidos os critérios já adotados usualmente pelo TSE, sendo relevante perquirir como circunstâncias do fato, v.g., o momento em que o ilícito foi praticado – na medida em que a maior proximidade da eleição traz maior lesividade ao ato, porque a possibilidade de reversão do prejuízo é consideravelmente menor –, o meio pelo qual o ilícito foi praticado (v.g., a repercussão diversa dos meios de comunicação social), a hipossuficiência econômica do eleitor – que tende ao voto de gratidão –, a condição cultural do eleitor – que importa em maior dificuldade de compreensão dos fatos expostos, com a ausência de um juízo crítico mínimo. (Direito Eleitoral, 3ªed., 2012, p. 444.)

Na hipótese dos autos, embora certa a realização de propaganda extemporânea, que demandou um considerável gasto dos cofres públicos, não se verifica que tal ilícito tenha se revestido de circunstâncias suficientes para a caracterização do abuso.

Inicialmente, a propaganda foi divulgada em 2011, estancando nos primeiros meses de 2012, muito antes do pleito suplementar de Novo Hamburgo, realizado em março de 2013. Essa distância entre a propaganda e o pleito notoriamente diminuem os efeitos da publicidade sobre o eleitor, reduzindo em muito o impacto da propaganda irregular.

Note-se também que a publicidade menciona somente o nome de Tarcísio Zimmermann, não referindo aquele que definitivamente concorreu ao cargo na renovação do pleito, José Luiz Lauermann. Embora José Luiz tenha se beneficiado com a publicidade (por ser o candidato do mesmo partido e ser apoiado pelo anterior prefeito), os efeitos da propaganda extemporânea são bem menores em relação a ele.

Esses fatores evidenciam que a propaganda extemporânea não foi praticada com gravidade suficiente para caracterizar abuso de poder, tal como entendeu, também, o douto Procurador Regional Eleitoral:

Assim, não restou configurada a gravidade capaz de comprometer o pleito, tendo em vista que , por força da decisão liminar proferida nos autos da ação de investigação judicial eleitoral 22-19.2012.6.21.0172, o material foi retirado de circulação já no mês de março de 2012, não havendo elemento de prova hábil a demonstrar tenha surtido qualquer efeito sobre o pleito suplementar realizado em 2013. (fl. 1.031v.)

Dessa forma, deve ser mantido o juízo de improcedência da ação.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.