RC - 4406 - Sessão: 26/06/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto por NILO BASTIANI contra decisão do Juízo Eleitoral da 55ª Zona, que julgou procedente a denúncia oferecida contra o recorrente em razão da prática do delito de boca-de-urna, previsto no art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, pela prática do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 07 de outubro de 2012, por volta das 11h40min, na Rua Osvaldo Cruz, n. 225, em Taquara/RS, dentro da escola estadual – CIEP, local e votação, o denunciado NILO BASTIANI, arregimentou eleitores e praticou propaganda de boca-de-urna, em favor do candidato Fabiano Tacachi Matte do PP – Partido Progressista.

Na oportunidade, o denunciado NILO BASTIANI, no dia das eleições municipais de 2012, no interior de escola estadual utilizada como local de votação, aproveitando-se do fato de ser fiscal de partido, abordou diversos eleitores, no intuito de convencê-los a votar em seu candidato. Em uma das ocasiões, chegou a perguntar a uma presidente de mesa se já havia votado.

Citado (fl. 23), o denunciado recusou a proposta de suspensão condicional do processo (fl. 25), apresentando defesa.

Foram ouvidas as testemunhas (fls. 57-61) e apresentados memoriais.

Na sentença, o juízo reconheceu que apenas uma testemunha não possuía interesse na causa, merecendo crédito o seu testemunho. Fundamentou haver coerência entre as suas afirmações e as demais versões colhidas em juízo. Condenou o réu à pena de 08 meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, substituindo-a por prestação de serviços à comunidade, pelo período de 240 horas. Fixou ao réu, ainda, multa de 6 mil UFIR.

Em suas razões recursais (fls. 85-91), suscitou preliminar de inépcia da denúncia porque não apresentou o enquadramento legal do delito, limitando-se a referir o artigo legal, sem precisar o inciso aplicável ao caso. No mérito, alegou que não foram juntadas provas materiais do ilícito, como santinhos ou adesivo ostentado pelo réu. Aduziu que somente uma testemunha era isenta, a qual não soube precisar detalhes acerca dos fatos. Argumenta não haver provas seguras a respeito do ilícito.

Com as contrarrazões, nesta instância, os autos foram em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 101-104).

É o breve relatório.

 

VOTOS

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença em 19 de novembro de 2013 (fl. 79), e o recurso interposto no dia 25 do mesmo mês (fl. 85), portanto dentro do prazo de dez dias estatuído no artigo 362 do Código Eleitoral.

Em matéria preliminar, o recorrente suscita a inépcia da denúncia, que deixou de precisar o inciso no qual incidiu a conduta do acusado, referindo apenas o enquadramento no artigo 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

Não merece prosperar a irresignação preliminar, pois a denúncia é clara quanto ao fato praticado, narrando expressamente que o acusado “praticou propaganda de boca-de-urna”. A ausência do inciso não prejudicou a compreensão da denúncia, nem limitou o direito de defesa, tanto que, em nenhuma manifestação nos autos, o acusado mencionou inciso diferente ou mostrou-se indeciso quanto à qualificação do delito a ele imputado.

Deve ser afastada, portanto, a preliminar.

No mérito, o recorrente foi condenado pela prática do delito de boca-de-urna, tipificado no artigo 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, cujo teor é o seguinte:

Art. 39.

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna.

Apreciando as provas produzidas, tendo em vista as circunstâncias nas quais os fatos foram evidenciados, entendo subsistir dúvida a respeito da efetiva ocorrência do delito de boca-de-urna.

Narram os autos que o acusado aproveitou-se da condição de fiscal do PP na escola CIEP para abordar diversos eleitores, no intuito de convencê-los a votar em seu candidato, chegando a perguntar a uma presidente de mesa se já havia votado.

A testemunha Jaimara Ribeiro de Almeida, filiada ao PDT, partido adversário do PP nas eleições, apenas afirmou ter visto o acusado batendo nas costas das pessoas e perguntando se elas já tinham candidato, nada mais informando a respeito dos fatos. Alexandre Torres de Ramos, também fiscal do PDT, afirmou não ter visto o acusado realizando boca-de-urna.

Também o testemunho de Claudio Sodré, policial militar que conduziu o acusado para formalizar o termo circunstanciado, não pode esclarecer os fatos, pois nada presenciou, apenas relatando a notícia de ilícito que recebeu no dia da eleição.

O testemunho mais contundente partiu de Fernanda Henke, fiscal da Justiça Eleitoral no pleito de 2012. Seu testemunho foi bem resumido na sentença:

[...]estava visitando a Escola CIEP na abertura dos trabalhos e viu quando o réu abraçou a presidente da seção e perguntou em quem iria votar. Ficou surpresa e notou o desconforto da presidente, a qual respondeu que o voto era secreto, sendo que o acusado disse que queria saber em quem votaria. Teve notícia de que o acusado estava pegando os títulos eleitorais, encaminhando os eleitores para as urnas e dizendo em quem teriam que votar. Então acionou a Brigada Militar. […] Lembra – porque presenciou o fato – que o réu batia nas costas das pessoas, dizia para que votassem certo e mostrava o símbolo que trazia em seu crachá, o qual continha a fotografia do candidato Fabiano.

Vê-se que seu testemunho, embora seguro, é bastante impreciso, sem nominar qual presidente de mesa teria sido indagada e quais eleitores foram assediados no momento da votação. A testemunha nem chega a referir que o acusado teria sugerido um candidato à presidente de mesa. Não se duvida da idoneidade da testemunha, especialmente em razão da sua inequívoca isenção, já que laborava como fiscal da Justiça Eleitoral, mas o seu testemunho é um tanto vago, enfraquecendo a força probatória de suas declarações.

Alie-se a isso a ausência de apreensão do crachá que o acusado supostamente ostentava no dia da eleição – o qual “continha a fotografia do candidato” – e era utilizado como meio de divulgar o político aos eleitores. A falta desse elemento material fragiliza a prova, pois, tendo sido abordado pela polícia, o instrumento do crime deveria ter sido apreendido, a fim de auxiliar na apuração dos fatos.

Mencione-se também que havia outras pessoas presentes, as quais teriam sido constrangidas pelo acusado, como a presidente de mesa e os eleitores supostamente aliciados. Essas pessoas poderiam ter sido facilmente identificadas e chamadas a depor, pois contribuiriam de forma definitiva para o esclarecimento dos fatos, mas sequer foram ouvidas na fase de investigação policial.

Por fim, a testemunha narra que o acusado teria abordado mais de uma pessoa, tomando-lhes inclusive os seus títulos. Tal conduta, repetida por várias vezes, teria sido percebida por outras pessoas, especialmente pelos fiscais partidários presentes ou pelo presidente de mesa, que teria poder de fazer cessar tal comportamento ou mesmo consignar o evento na ata, providências das quais não se tem notícia. Ao contrário, fiscais de partidos adversários nada viram, à exceção de Jaimara, a qual, tendo vínculos estreitos com a oposição, afirmou somente ter visto o réu dar tapas nas costas dos eleitores, indagando se já tinham candidato.

Por certo que essa conduta proativa do acusado no dia da eleição, se verdadeira, não é apropriada para um fiscal partidário, o qual deve evitar contatos com eleitores e limitar sua atuação à fiscalização da regularidade do pleito. Tal comportamento, entretanto, assemelha-se muito mais a um inconveniente, que deve ser sustado pelo presidente de mesa, do que ao delito de boca-de-urna.

Ausentes provas suficientes do delito, resta julgar improcedente a denúncia, por força do princípio da presunção de inocência, conforme orientação jurisprudencial:

Recurso Criminal. Sentença Absolutória. Crime de "Boca de Urna". Art. 39, § 5º, inciso III, da Lei 9.504/97. Recurso desprovido.1 - Apreensão de "santinhos" no dia da eleição, próximo a local de votação.2 - Ausência de provas quanto à distribuição do material.3 - Tipo penal que exige a efetiva divulgação da propaganda.4 - Depoimentos contraditórios dos policiais militares que participaram da diligência.5 - Ausência de provas contundentes acerca da prática delitiva. Aplicação do princípio da presunção de inocência.6 - Reconhecimento da atipicidade da conduta, com a consequente manutenção da sentença. Pelo desprovimento do recurso.

(TRE-RJ, Recurso Criminal n. 66.566, Acórdão de 22.01.2014, Relator Alexandre de Carvalho Mesquita, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 021, Data 29.01.2014, Páginas 20-23.)

 

RECURSO CRIMINAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. SUPOSTO COMETIMENTO DE CRIME DE BOCA DE URNA. ART. 39, § 5º, III DA LEI 9.504/97. ACUSADO FLAGRADO PORTANDO MATERIAL DE CAMPANHA NO DIA DA ELEIÇÃO, PRÓXIMO A LOCAL DE VOTAÇÃO. PROVA DOS AUTOS QUE NÃO INDICA A EFETIVA DISTRIBUIÇÃO DOS "SANTINHOS". TIPO PENAL QUE EXIGE A DIVULGAÇÃO DA PROPAGANDA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(TRE-RJ, Recurso Criminal n. 686, Acórdão de 24.01.2013, Relator Leonardo Pietro Antonelli, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 020, Data 29.01.2013, Páginas 04-14.)

Assim, a fragilidade probatória não permite concluir, de forma segura, pela ocorrência do delito de boca-de-urna, motivo pelo qual entendo que deve ser julgada improcedente a ação penal.

Diante do exposto, afastada a preliminar, voto pelo provimento do recurso, para absolver o acusado, com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Sabemos que a boca de urna existe nos municípios do interior e da capital. No caso dos autos, o fiscal do partido assediava os eleitores, mostrando-lhes o crachá que indicava o partido, pergunta se já tinham candidato e dava-lhes tapinhas nas costas procurando arregimentá-los para a sua agremiação.

O juiz eleitoral da comarca tem contato direto com a prova,  analisou-a  e lançou a sanção de condenação. Os elementos trazidos aos autos revelam que, efetivamente, a conduta do fiscal do PP não era adequada, estava ali, na realidade, fazendo propaganda de boca de urna para o seu candidato.

Com a vênia do eminente relator, divirjo de seu voto e mantenho  a sentença, porque entendo estar evidenciada a propaganda de boca de urna.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho o voto divergente do Dr. Paim.

 

Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Com a vênia do eminente relator, acompanho o voto divergente.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Com o Relator.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Peço vista dos autos.