AP - 288 - Sessão: 03/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu denúncia (fls. 02-04) contra SELMAR ROQUE DURIGON (Prefeito de Pinhal Grande), JACI RAQUELLI e NILVO ANTÔNIO LAGO pela suposta prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral.

A ação foi proposta nesta Corte em razão da prerrogativa de foro de SELMAR ROQUE DURIGON atual Prefeito de Pinhal Grande.

A denúncia narra dois fatos.

O primeiro, que entre os meses de setembro e outubro de 2008, os denunciados NILVO E SELMAR, então candidatos a prefeito e vice-prefeitos de Pinhal Grande, prometeram a JACI um cargo em comissão na Prefeitura daquela localidade, em troca do voto do eleitor, durante os quatro anos de mandato a ser cumprido por NILVO.

O segundo, que entre os meses de setembro e outubro de 2008, JACI aceitou a proposta elaborada por NILVO e SELMAR.

Os denunciados foram notificados para oferecer resposta à acusação (fls. 147, 148 e 150).

Conforme a certidão de fl. 166, não houve manifestação de JACI RAQUELLI no relativo à apresentação de resposta à acusação.

Em sua resposta, SELMAR ROQUE DURIGON e NILVO ANTÔNIO LAGO (fls. 153-163) suscitaram as preliminares de inépcia da inicial, de ilicitude probatória e de ausência de interesse de agir estatal, motivos pelos quais entendem deve ser a denúncia rejeitada.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

 

VOTO

A denúncia é apta, cumprindo todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, não havendo que se falar na sua nulidade, senão vejamos.

1. Da alegada inépcia da inicial.

Não procede a alegada inépcia da petição inicial. Nos termos do art. 41 do CPP, há a necessidade de que a denúncia exponha o fato tido como criminoso com todas as suas circunstâncias, e tal requisito foi devidamente atendido.

Em conjunto com a devida qualificação dos denunciados e da tipificação penal em tese, há o detalhamento dos fatos “1” e “2” de maneira suficiente, inclusive com referência às declarações que dão suporte à peça inaugural.

Veja-se que a irresignação dos denunciados, no que pertine a uma eventual impossibilidade de se defenderem, não se sustenta mediante mera leitura da peça, a qual define inclusive o período em que os fatos teriam ocorrido – meses de setembro e outubro, não sendo razoável que se exija, já no presente momento, total minúcia e detalhamento das circunstâncias. Para que não seja considerada inepta, basta que a denúncia exponha de maneira suficiente os indícios de autoria, como inclusive já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO EM "HABEAS CORPUS". CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESOBEDIÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NEGATIVA DE AUTORIA E TIPICIDADE. NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO NO ACERVO PROBATÓRIO. DESCRIÇÃO DO FATO CRIMINOSO PRATICADO PELO RÉU. PREENCHIDO O REQUISITO INTRÍNSECO DA DENÚNCIA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. JUSTA CAUSA PRESENTE. PRECEDENTES. 1. Tendo em vista que o recorrente empreendeu fuga ao ser abordado por uma patrulha policial, parece tipificada a infração penal por ele praticada e por isso, passível da persecução criminal. 2. Se a peça acusatória narra satisfatoriamente a conduta imputada, mesmo que com descrição mínima da relação do réu com os fatos delituosos, está ela em consonância com o princípio constitucional da ampla defesa, preenchendo o requisito intrínseco preconizado no art. 41, do Código de Processo Penal. 3. Recurso em "habeas corpus" a que se nega provimento.

(RHC 43901 / MG. RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2013/0418251-5 Relator Min. MOURA RIBEIRO. QUINTA TURMA. Data do Julgamento 22/04/2014. Data da Publicação/Fonte DJe 28/04/2014).

Nessa linha, não prosperam as alegações, no ponto, de cerceamento do exercício do direito de defesa, ou de ausência das circunstâncias elementares do ilícito. A denúncia expõe os fatos de maneira suficientemente pormenorizada para o recebimento da denúncia.

2. Da ilicitude dos elementos de convicção.

SELMAR e NILVO sustentam, ainda, que a prova carreada seria ilícita, por se basear fundamentalmente nos depoimentos de JACI RAQUELLI, também denunciado nos presentes autos. Afirmam que os depoimentos de PAULO CÉSAR PEREIRA e de DILETA RAQUELLI derivaram diretamente daquele.

Mais especificamente, aduzem ilicitude na colheita probatória, pois “todos os elementos de convicção carreados à peça inaugural foram captados junto ao codenunciado JACI, pessoa inquirida sob as vestes de 'testemunha' quando, na verdade, era ele um investigado, algo que se verifica pelo teor da inaugural”.

A alegação não procede.

Em primeiro plano, não há ataque à máxima nemo tenetur se detegere. Não há confusão entre ter direito de não fazer prova contra si mesmo de, de outro modo, realizar depoimento em que, circunstancialmente, venha a fazer derivar denúncia, como o caso dos autos. Não houve, nessa linha, “interrogatório dissimulado”. Para que houvesse, deveriam os denunciados trazer elementos objetivos de que o então depoente (agora denunciado) JACI tivesse de alguma forma sido ludibriado. É afirmação que necessita ser provada, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. HIPÓTESES DE CABIMENTO. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. REMÉDIO CONSTITUCIONAL SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO DEVIDAMENTE APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. QUESTÕES QUE ENSEJAM ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. VIA ESTREITA. WRIT. INEXISTÊNCIA. NULIDADE. DEPOIMENTO. DELEGADO. PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. ELEMENTOS PROBATÓRIOS. AUTOS. DEMONSTRAÇÃO. INDÍCIOS. MATERIALIDADE. AUTORIA. DELITO. […] 5. A afirmação de que a confissão extrajudicial teria sido extraída de depoimento informal não encontra respaldo nos elementos de convicção carreados aos autos, não havendo comprovação nesse sentido. […] 8. Ordem não conhecida.

(HC 264328 / RJ. HABEAS CORPUS 2013/0028476-7. Relator Min OG FERNANDES. SEXTA TURMA. Data do Julgamento 10/09/2013. Data da Publicação DJe 30/09/2013).

Além disso, o procedimento administrativo de investigação serve, apenas, para subsidiar o órgão acusador com elementos suficientes para o oferecimento da denúncia. Eventual juízo condenatório deve encontrar respaldo nas provas produzidas judicialmente. Daí não se vislumbrar qualquer nulidade capaz de invalidar a denúncia ou o processo penal, especialmente porque a investigação em comento não deu origem a qualquer ato de constrição de bens ou pessoas, atos estes que exigem um provimento jurisdicional.

O tema já foi objeto de apreciação por esta Corte no inquérito n. 59-84, Relator o Dr. Hamilton Langaro Dipp, julgado na sessão do dia 14 de fevereiro de 2014, cujo acórdão restou assim ementado:

Inquérito policial. Art. 299 do Código Eleitoral. Prefeito. Competência por prerrogativa de foro. Eleições 2012.

Abertura de inquérito policial a pedido do promotor eleitoral, contra autoridade com prerrogativa de foro. Atividade de supervisão desempenhada pela Procuradoria Regional Eleitoral e esta Corte no curso da investigação.

Questão de ordem. Convalidação dos atos  praticados anteriormente pela autoridade policial.

Não executados atos de constrição, mas tão somente investigações de praxe, as quais não requerem a intervenção judicial. Agrega-se, ainda, a não incidência do art. 5º da Res. TSE n. 23.396/2013, que regulamenta a investigação dos supostos crimes nas eleições de 2014, situação distinta do caso em tela.

Confirmação da competência deste Tribunal para julgar os fatos apurados no inquérito, e convalidação dos atos até aqui praticados.

Acolhida a promoção ministerial.

Pela semelhança das situações, colho do voto proferido pelo relator naquela ocasião:

O inquérito é procedimento administrativo de investigação que busca a formação da opinio delicti do titular da ação penal, nada influenciando na instrução do feito, tanto que o artigo 155 do Código de Processo Penal estabelece que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Nessa linha de raciocínio, a jurisprudência reconhece que eventuais irregularidades verificadas durante o inquérito não maculam a ação penal, havendo julgamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral admitindo que o início do inquérito policial contra autoridade com prerrogativa de foro sem o acompanhamento do Tribunal competente não leva à nulidade da denúncia:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2006. DENÚNCIA. REJEIÇÃO PELO TRE/RN. PRERROGATIVA DE FORO. CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE AFASTADA.

1. No exercício de competência penal originária, a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia.

2. Na hipótese dos autos, nem sequer houve a abertura de um inquérito policial, porquanto foi elaborado um Termo Circunstanciado de Ocorrência/TCO, no dia 1º.10.2006, em virtude de flagrante delito, conforme disposto no art. 7º, parágrafo único, da Res.-TSE nº 22.376/2006.

3. O termo circunstanciado, tal como o inquérito policial, tem caráter meramente informativo. Eventuais vícios ocorridos nesta fase não contaminam a ação penal. Precedentes do STF e do STJ.

4. Recurso especial provido para, afastada a nulidade do TCO, determinar o envio dos autos ao TRE/RN, a fim de que prossiga na apreciação da denúncia como entender de direito.

(Recurso Especial Eleitoral nº 28981, Acórdão de 06/10/2009, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 06/11/2009, Página 24)

Tratando-se, portanto, de mero expediente de informação ao Ministério Público Eleitoral, o seu início sem a supervisão dos órgãos competentes não tem o condão de nulificar eventual denúncia, nem de invalidar, de regra, os atos anteriormente praticados no curso da investigação, especialmente porque não ocorreu ato de constrição de bens ou de liberdade pessoal, estes sim sujeitos à reserva jurisdicional.

Releva notar, como destacado pelo douto procurador regional eleitoral, “que o deslocamento do inquérito policial para o tribunal competente e sua imediata distribuição a um juiz relator não converte tal magistrado em presidente do inquérito ou autoridade investigadora” (fl. 39v). Raciocínio contrário desvirtuaria por completo a distribuição de atribuições constitucionais à polícia judiciária, além de ferir a garantia de imparcialidade do juízo. Nesse sentido já se manifestou o egrégio Supremo Tribunal Federal, como se percebe pela seguinte ementa, referida na promoção ministerial:

EMENTA: I. STF: competência originária: habeas corpus contra decisão individual de ministro de tribunal superior, não obstante susceptível de agravo. II. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial. 1. A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste "autoridade investigadora", mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações. III. Ministério Público: iniciativa privativa da ação penal, da qual decorrem (1) a irrecusabilidade do pedido de arquivamento de inquérito policial fundado na falta de base empírica para a denúncia, quando formulado pelo Procurador-Geral ou por Subprocurador-Geral a quem delegada, nos termos da lei, a atuação no caso e também (2) por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido. (STF, HC 82507, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/12/2002, DJ 19-12-2002 PP-00092 EMENT VOL-02096-04 PP-00766)

A assunção a cargo com prerrogativa de função pelo investigado não transfere ao Judiciário a presidência do inquérito, que permanece com a autoridade policial. Ao contrário, a prerrogativa de foro exige somente que a supervisão da atividade investigativa fique a cargo do órgão jurisdicional de segundo grau, competente para autorização daqueles atos sujeitos à reserva judicial, como a prisão cautelar, a busca e apreensão, a invasão de domicílio ou a interceptação telefônica. Na hipótese, nenhum desses atos foi praticado pela autoridade policial, que se limitou a inquirir um pequeno número de pessoas.

Assim, não há como nulificar a denúncia, pois a tramitação do inquérito não trouxe qualquer prejuízo à parte e nem terá o efeito de macular o andamento da ação penal, pois se trata de mero procedimento administrativo para auxiliar o órgão acusador.

3. Da ausência de interesse de agir.

Considerando os fatos narrados (os quais ocorreram nos meses de setembro e outubro de 2008), a marcha processual e a pena mínima “ou até mesmo média”, aduzem os denunciados que é “basicamente certa a prescrição da pretensão executória”, porque “estaria, seguramente, verificada a prescrição retroativa, considerando a data do fato como marco inaugural”.

Derivada de tal raciocínio, a tese exposta, de ausência de interesse de agir de parte do Estado.

Não procedem as argumentações.

Sabe-se que o art. 110 do Código Penal foi alterado pela Lei n. 12.234/2010, a qual extinguiu a prescrição da pretensão punitiva chamada pré processual, calculada entre a data do recebimento da denúncia e a data do fato, tomando-se por base a pena aplicada na sentença condenatória.

Cumpre ressaltar que a alteração legislativa que suprimiu prescrição da pretensão punitiva pré processual prejudica o réu e, por isso, não poderia ser aplicada de forma retroativa, em face do comando constitucional explicitado no art. 5º, XL:

Art. 5º

[...].

XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Como o fato delituoso ora analisado ocorreu no ano de 2008, e a Lei n. 12.234 é do ano de 2010, os denunciados defendem que deveria ser aplicada ao presente caso a redação antiga do art. 110 do Código Eleitoral, vigente à época do fato delituoso:

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1º – A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada;

§ 2º – A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

Mas a legislação, note-se, refere apenas a incidência de prescrição retroativa após o trânsito em julgado da sentença condenatória, para a acusação.

E não se trata, nitidamente, do caso e, portanto, inaplicável o raciocínio ao caso.

De outro modo, a hipótese que restaria seria a chamada prescrição em perspectiva ou virtual, a qual resta rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça mediante súmula, de n. 438, elaborada em 28 de abril de 2010 e publicada no Dje em 13 de maio de 2010.

É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.

Por fim, o denunciante imputa aos acusados a prática do delito tipificado no artigo 299 do Código Eleitoral, cuja pena mínima é de um ano de reclusão, como se extrai do artigo 299 e 284 do referido diploma legal. Assim, diante da possibilidade, em tese, do oferecimento da suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei n. 9.099/95, encaminhem-se os autos à Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de que se manifeste sobre o oferecimento do aludido benefício aos acusados.

Diante do exposto, VOTO pelo recebimento da denúncia oferecida contra SELMAR ROQUE DURIGON, JACI RAQUELLI e NILVO ANTÔNIO LAGO, determinando seja dada vista dos autos ao Ministério Público Eleitoral, a fim de que se manifeste acerca da proposta de suspensão condicional do processo aos acusados.