RE - 43252 - Sessão: 24/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LINDEMAR ROBERTO TORTELLI, DENISE MARIA CARRARO ROHDE, CHEILA CHIOSSI e CLEONICE SALETE CENTOFANTE contra a sentença prolatada pelo Juízo da 148ª Zona Eleitoral de Erechim, que julgou parcialmente procedente a representação por conduta ajuizada pela COLIGAÇÃO 2013 RUMO NOVO, COM FORÇA DO POVO, a fim de reconhecer o uso de bens pertencentes à municipalidade (computadores e internet) para realizar atos de campanha eleitoral, condenando o primeiro recorrente ao pagamento de multa de R$ 8.512,80 e as demais ao pagamento de multa de R$ 5.320,50, cada uma, por infração ao artigo 73, incisos I e III, combinado com o § 4º da Lei n. 9.504/97.

O feito inicialmente subiu a esta Corte em face de recurso contra a sentença de improcedência das fls. 60-62, restando o processo anulado por acórdão deste Tribunal em função da ausência de citação dos litisconsortes necessários (fls. 84-87).

Após regular tramitação, sobreveio sentença que concluiu pela parcial procedência dos pedidos, sob o entendimento de que há provas de que os ora recorrentes, servidores públicos municipais, postaram propaganda eleitoral em seus perfis na rede social Facebook, em horário de trabalho e mediante uso de equipamento da municipalidade (fls. 137-143).

Nas razões recursais, (fls. 144-155), os recorrentes alegam não haver prova de que cometeram as condutas descritas na inicial, requerem a total improcedência da representação e, alternativamente, a aplicação da multa em seu patamar mínimo e em caráter solidário.

Sem apresentação de contrarrazões (fl. 156v.), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 158-161).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece ser conhecido.

Passo à análise das razões de reforma e adianto que a irresignação prospera.

A sentença considerou que as recorrentes realizaram atos de propaganda em favor dos candidatos a prefeito e vice-prefeito de Jacutinga, Edegar Antonio Menin e Lainor Erculano de Maman, pela rede social Facebook, mediante uso de bens pertencentes à municipalidade, conduta vedada pelo artigo 73, incisos I e III da Lei n. 9.504/97, que proíbe ao agente público, servidor ou não, o uso de bens e de servidores públicos para a realização de atos de campanha, veja-se:

Art. 73 - São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[...]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

No entanto, de fato, não há prova alguma nos autos de que tenham sido utilizados os computadores ou a internet pertencentes à municipalidade para realizar as postagens impugnadas no Facebook, situação que, de plano, já afasta a incidência do supracitado inciso I do artigo 73 da Lei das Eleições, que trata da vedação da cedência ou uso em benefício de candidato, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração pública.

Conforme sustentado nas razões recursais, o site de relacionamentos Facebook é acessível até mesmo a partir de telefone móvel, por meio do sinal de internet emitido pelas operadoras de telefonia celular, tendo sido inclusive afirmado pela testemunha Albani Muller, arrolada pela representante, que uma das recorrentes, Cheila Chiossi, sequer possuía computador da administração pública no local onde trabalhava, o museu municipal.

Não há se falar em uso de bens públicos pertencentes à municipalidade, uma vez que não há prova de que computadores, internet ou material de expediente do Município de Jacutinga foram utilizados para realizar atos de campanha pela rede mundial de computadores através do Facebook.

Em duas recentes decisões esta Corte já analisou fatos semelhantes aos tratados nestes autos, também envolvendo representação pelo uso de bem público na publicação de propagandas pelo site Facebook, entendendo, à unanimidade, pela descaracterização da conduta vedada, diante da falta de provas de que o IP utilizado para as postagens e compartilhamentos era o referente ao computador de trabalho do servidor público municipal, confira-se:

Recursos. Condutas vedadas. Artigo 73, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012. Alegada utilização de bem móvel da câmara municipal em benefício de candidatura. Uso de computador público por servidora detentora de cargo em comissão, em horário de expediente, para a realização de duas postagens no site de relacionamento Facebook, com cunho eleitoral. Parcial procedência da representação no juízo originário. Imposição de sanção pecuniária a uma das representadas.

Inexistência de qualquer comprovação do efetivo uso de bem móvel pertencente à câmara municipal, do horário em que postadas as publicações e de que a servidora estaria no exercício de suas funções naquele dia. Ademais, não se verifica no conteúdo das mensagens a menção de nome ou promoção de candidatura. Fato sem repercussão suficiente a desequilibrar a disputa eleitoral. Provimento do recurso da representada. Provimento negado à irresignação interposta pela coligação.

(TRE-RS, RE 494-79.2012.6.21.0023, relator Dr. Jorge Alberto Zugno, julgado em 15.10.2013.)  (Grifei.)

 

Recursos. Representação. Conduta vedada. Art. 73, incs. I, II e III, da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência. Multa. Eleições 2012. Afastada a preliminar. Responsabilidade da coligação como se fosse partido único perante a Justiça Eleitoral, sendo inadmissível a inclusão de forma isolada dos partidos integrantes.

Suposta utilização de internet e de computadores pertencentes ao executivo municipal, por agentes públicos, em horário de expediente, mediante postagens de propaganda eleitoral em rede social. Conduta vedada não configurada, pois não comprovado o efetivo uso do bem público em benefício da campanha eleitoral. Na ausência de perícia técnica nos equipamentos utilizados, inadmissível a condenação por presunção.

Não caracterizada a ofensa à isonomia entres os concorrentes ao pleito, visto que as publicações restringem-se a perfil pessoal de apoiador de candidato, sem repercussão suficiente a desequilibrar o pleito.

Reforma da sentença para afastar a penalidade imposta. Provimento negado ao apelo da coligação representante. Provimento ao recurso dos representados.

(TRE-RS, RE 380-18.2012.6.21.0096, deste relator, julgado em 15.05.2014.) (Grifei.)

Quanto à ilicitude dos fatos sob a ótica do artigo 73, inciso III, da Lei das Eleições, que veda ceder servidor público ou ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, durante o horário de expediente de trabalho, tenho que não há se falar em conduta vedada, porquanto também não há nos autos prova de que, nos dias e horários em que postadas as publicações, os servidores estavam em efetivo trabalho junto à municipalidade, situação que facilmente se verificaria com a expedição de ofício à Prefeitura Municipal.

De mais a mais, a maior parte das postagens impugnadas pelos representantes e acostadas às fls. 10-32 trata-se, em verdade, de comentários sobre preferência política, realizados no perfil pessoal do proprietário da conta do Facebook, e não indicam o horário e a data em que veiculadas.

Segundo a melhor doutrina, a conduta vedada descrita no inciso III do art. 73 da Lei das Eleições é uma espécie de abuso de poder político que se manifesta através do desvirtuamento de recursos humanos da Administração Pública, sendo que o bem jurídico tutelado é o princípio da igualdade entre os candidatos (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral, 3ª ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, pp. 502-504.).

Não vejo, nas publicações retratadas nestes autos, a ofensa ao ordenamento jurídico que o artigo 73 visa coibir, nem prova de que houve o abuso em si. O Facebook, site em que foram realizadas referidas manifestações, integra as redes sociais que são redes virtuais de relacionamento, cujos usuários, previamente cadastrados, podem criar perfis próprios, manter constante intercâmbio entre si, trocando mensagens individuais ou dirigidas a grupos de pessoas, além de compartilhar fotos e vídeos (Pereira, Luiz Márcio; Molinaro, Rodrigo. Propaganda política: questões práticas relevantes e temas controvertidos da propaganda eleitoral. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 260-261.).

Sendo a liberdade de expressão a regra, conforme prevê o art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal, a vedação é a exceção, devendo ser coibida somente nos casos em que haja ofensa direta ao ordenamento jurídico e/ou aos princípios norteadores da igualdade entre os candidatos, ou seja, deve apenas ser restringido os exageros, os abusos e os excessos que, de alguma forma, possam comprometer a normalidade e a igualdade buscada pela legislação eleitoral, o que não se verifica na espécie.

Demais disso, já estabeleceu o Tribunal Superior Eleitoral que a intervenção da Justiça Eleitoral há de se fazer com o devido cuidado no que concerne ao tema das condutas vedadas, a fim de não se impor, sem prudencial critério, severas restrições ao administrador público (TSE, Acórdão no Ag n. 5.817, de 16.8.2005, rel. Min. Caputo Bastos; idem no RespE n. 24.989, 31.5.2005, rel. Min. Caputo Bastos.).

Entendo que tais publicações não possuem, nem de longe, repercussão suficiente a ponto de desequilibrar a disputa eleitoral, e que o desvalor da conduta em si é irrelevante para o deslinde do pleito.

Desse modo, tenho que as postagens impugnadas tratam de manifestações de pensamento que não são consideradas atos de campanha ou de propaganda eleitoral, e que não há provas suficientes da prática de condutas vedadas por parte dos recorrentes capaz de ensejar as sanções pretendidas na inicial.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso e reformo a sentença para julgar improcedente a representação.