RC - 354 - Sessão: 01/07/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra CLÁUDIO FRANCISCO PEREIRA DA ROSA e JULIANA LUCERO CIDES como incursos nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, diante da prática dos seguintes fatos descritos na peça acusatória:

Em agosto de 2012, possivelmente no dia 2, por volta das 22h, na Rua Adão Castro de Medeiros, nº 636, Vila Ipiranga, Bairro Passo das Tropas, nesta cidade de Santa Maria, os denunciados, em acordo de vontades e conjugando esforços entre si e com terceira pessoa não identificada, deram e ofereceram a diversos eleitores dádivas e vantagens, para obter-lhes o voto.

Na ocasião, estava sendo realizada uma reunião de moradores locais na residência acima, na qual participavam o representado Cláudio Rosa e cerca de quinze pessoas, buscando soluções para o esgoto e iluminação pública, inexistentes no local.

Em determinado momento, chegou ao local uma camionete pick-up, branca, com adesivo do vereador Cláudio Rosa, na qual se encontravam duas pessoas, um indivíduo não identificado e a denunciada Luciana, a qual é enfermeira do Município de Santa Maria, sendo coordenadora da Unidade Básica de Saúde Ruben Noal, no Bairro Tancredo Neves.

Os tripulantes do referido veículo trouxeram caixa de isopor contendo doses de vacina contra a gripe A, sendo que a denunciada Luciana então aplicou entre dez e treze vacinas, em parte das pessoas que estavam no local, vacinas estas que foram dadas/oferecidas pelo denunciado ora representado, no intuito de obter os votos dos presentes à reunião e/ou dos vacinados e seus parentes (Grifos do original.).

A denúncia foi recebida em 16.01.2013 (fl. 09-09v.).

A corré, Juliana Lucero Cides, aceitou proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público Eleitoral (fl. 15-15v.).

Devidamente citado (fl. 10-10v.), o réu Cláudio da Rosa apresentou defesa, arguindo preliminar de nulidade processual (fls. 19-30).

Em decisão preambular (fls. 42-43), a juíza eleitoral acolheu a preliminar suscitada e anulou o processo a partir da fl. 15 (posteriormente renumerada para fl. 16), em virtude de irregularidades verificadas durante o processamento do feito.

Os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, que ratificou a denúncia, requereu a correção da autuação do processo e a juntada da cópia dos autos do PA 00865.00143/2012 (fl. 47-47v.), providência realizada pelo cartório eleitoral (fls. 55-322).

Novamente citado (fl. 325), o réu apresentou defesa (fls. 327-334).

Na instrução, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e defesa, e feito o reconhecimento de Juliana Cides (fls. 358-359, 372-372v. e 389-391). Posteriormente, foi realizada a acareação de testemunhas e interrogado o réu (fls. 489-490).

O Ministério Público Eleitoral e o réu Cláudio da Rosa apresentaram alegações finais (fls. 493-499 e 502-564).

Foi juntada a degravação dos depoimentos das testemunhas e do réu (fls. 567-676).

Na sentença, o juízo eleitoral condenou o réu Cláudio da Rosa nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, impondo-lhe as penas de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, à razão de 1/2 (meio) salário mínimo nacional vigente à época dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena de prestação de serviços e por uma prestação pecuniária, consistente no pagamento de 5 (cinco) salários mínimos à entidade pública ou privada com destinação social (fls. 684-687v.).

Em suas razões de recurso, sustenta, em síntese, que a prova testemunhal colhida em juízo é contraditória quanto à autoria e à materialidade do delito, insuficiente, portanto, para a formação de um juízo condenatório, devendo a existência de dúvida militar em seu favor, de acordo com o princípio in dubio pro reo. Alega, ainda, que a prova da materialidade do crime deveria ter sido feita mediante exame que comprovasse a imunidade das pessoas que receberam as doses da vacina. Com tais argumentos, defende que houve violação ao art. 386, incs. I a V, do Código de Processo Penal. Por fim, caso não seja emitido um juízo absolutório, requer a modificação da sentença para que a pena de prestação de serviços à comunidade seja substituída por pena pecuniária (fls. 696-723).

Com contrarrazões (fls. 728-735), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que emitiu parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 738-741v.).

A defesa trouxe aos autos cópia do acórdão proferido por esta Corte nos autos da Representação n. 761-67.2012.6.21.0147, na qual foi debatido o fato objeto do presente processo (fls. 744-758).

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A defesa foi intimada da sentença no dia 27.06.2013 (fl. 693), e o recurso interposto em 05.07.2013 (fl. 696), dentro do prazo de dez dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

2. Mérito

Trata-se de recurso interposto contra sentença que condenou o réu Cláudio da Rosa pela prática do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral (compra de votos), durante o período de campanha nas Eleições Municipais de 2012.

Segundo narrado na peça acusatória, em agosto de 2012, o réu, que concorria ao cargo de vereador no Município de Santa Maria, participou de reunião na casa de Jerbe Campos e Eliana Trindade, situada no Bairro Passo das Tropas, organizada com o intuito de solucionar problemas de iluminação e saneamento públicos. Durante a reunião, Juliana Cides, em veículo adesivado com propaganda da campanha de Cláudio da Rosa, chegou ao local, trazendo doses de vacina contra a gripe A, as quais foram aplicadas gratuitamente em pessoas que lá se encontravam em troca de votos para o candidato.

Ocorre que, após analisar os autos, formei a convicção de que não está suficientemente comprovado o cometimento do crime de corrupção eleitoral pelo réu, na medida em que a prova testemunhal produzida na instrução, e sobre a qual primordialmente se fundou o juízo condenatório, apresenta contradições e inconsistências que a tornam bastante frágil.

A principal testemunha da acusação, Jerbe Campos, proprietário da casa em que foi realizada a reunião, afirmou que seus filhos e outras pessoas da localidade receberam doses da vacina. Segundo o depoente, as doses foram aplicadas por Juliana Cides, que chegou ao local em uma caminhonete branca, que continha adesivo de campanha do réu, referindo não saber se o veículo era de propriedade do mesmo. Disse, por outro lado, que, em momento algum, o réu Cláudio da Rosa fez campanha eleitoral ou pediu votos em troca das doses da vacina, e que, a pedido seu, e não do acusado, foram afixados placa e adesivo de campanha em sua casa, não tendo recebido nada por isso (fls. 574-586).

Eliane Trindade, esposa de Jerbe Campos, depôs no mesmo sentido do marido. Confirmou ter visto o carro com os adesivos do réu, mas que não houve pedido de votos em retribuição às doses da vacina, pois o demandado somente perguntou aos moradores se eles já haviam sido vacinados contra a gripe A (fls. 587-594).

A testemunha Marlei Simões (mãe de Vagner Simões Padilha, que comunicou o crime ao Ministério Público Eleitoral) manteve a versão dos fatos apresentada no procedimento administrativo (fls. 66-67). Disse que não participou da reunião, bem como não recebeu dose da vacina, contradizendo, nesse ponto, as declarações de Jerbe Campos (fls. 567-573).

Por sua vez, o comunicante do delito, Vagner Simões Padilha, não foi ouvido em juízo, em virtude de desistência de sua oitiva pelo Ministério Público Eleitoral (fl. 358v.). Na fase investigatória, dias depois de comunicar o crime ao Órgão Ministerial (fls. 56-58), prestou nova declaração, atribuindo o fato ao candidato Marion Mortari, e não ao réu (fl. 65).

Antão e Neuza de Campos, pais de Jerbe Campos, disseram que não viram o veículo adesivado com propaganda do réu e a distribuição de vacinas aos moradores durante a reunião (fls. 595-606), não confirmando as declarações dadas durante a investigação (fls. 107-109).

Juliana Cides, enfermeira coordenadora do posto de saúde do município e apontada como a pessoa responsável pela aplicação das doses da vacina no dia da reunião, negou os fatos em juízo. Negou, inclusive, conhecer ou ter estado na casa de Jerbe Campos (fls. 607-622).

Claiton de Campos, irmão de Jerbe Campos, confirmou que seus pais estavam presentes à reunião e referiu não ter visto a distribuição das vacinas (fls. 623-628), o que, igualmente, foi dito por sua esposa, Simone dos Santos (fls. 619-622).

Ademir Correa, que também havia participado da reunião, narrou que não viu o veículo e a doação de vacinas naquele dia (fls. 637-642).

Antônio Cezário, líder comunitário que, a pedido de Jerbe Campos, procurou o réu para que ele participasse da reunião, também afirmou não ter visto nenhum carro estacionado na frente da casa de Jerbe, ou presenciado a aplicação de vacinas naquele dia. Referiu que não conhecia Juliana Cides, e acrescentou que saiu da reunião com os pais de Jerbe Campos, Antão e Neuza. Ressalto que, neste ponto, a testemunha divergiu tanto do depoimento de Jerbe quanto dos próprios depoimentos de Antão e Neuza, os quais haviam afirmado ter saído sozinhos da reunião, antes de seu término (fls. 643-650).

É possível identificar, portanto, uma série de incongruências entre os depoimentos prestados em juízo, as quais não foram superadas na audiência de acareação das testemunhas, em que, aliás, restou evidente a animosidade existente entre Jerbe Campos e Eliana Trindade e os demais depoentes, isto é, Claiton Campos, Simone Santos, Ademir Correa e Antônio Cezário (fls. 662-671). Essa circunstância merece ser considerada por comprometer a imparcialidade dos seus testemunhos.

Por sua vez, os depoimentos das enfermeiras Andreia da Silva (fls. 629-632), Cedalira Fracari (fls. 633-642) e Lígia Siqueira (fls. 651-661) são pouco esclarecedores sobre a ocorrência da distribuição da vacina na casa de Jerbe Campos, não fornecendo subsídios para uma eventual ligação do fato ao réu, o qual, ao ser interrogado, negou totalmente a acusação que lhe foi imputada (fls. 672-676).

Desse modo, em confronto com todas as demais testemunhas, somente Jerbe Campos e sua esposa, Eliane Trindade, declararam que, no dia da reunião, moradores foram vacinados contra a gripe A. De seus depoimentos, entretanto, não se extrai a conclusão segura e inequívoca de que o transporte da vacina foi feito em veículo de propriedade do réu, com adesivo de sua campanha, ou de que o demandado agiu de forma consciente e deliberada com o intuito de obter o voto de eleitores mediante a distribuição da vacina.

Refiro, novamente, que Jerbe Campos e Eliana Trindade foram claros ao dizer que o réu, em momento algum, ofereceu as doses da vacina em troca da promessa de votos para sua campanha, elemento indispensável, na hipótese dos autos, para a caracterização do dolo específico do tipo descrito no art. 299 do Código Eleitoral. Além disso, não foi identificado, em juízo, nenhum morador que tivesse recebido, realmente, a dose da vacina, porquanto Marlei Simões, única testemunha apontada como tal pelos depoentes citados acima, negou o ocorrido, tanto na fase investigatória quanto na instrução judicial.

Na linha da jurisprudência desta Corte, a prática da corrupção eleitoral exige prova concreta e robusta da compra de votos, não podendo ser suprida por depoimentos judiciais contraditórios e insubsistentes, como ilustra a ementa do seguinte julgado:

Recurso criminal. Eleições 2008. Oferecimento de vantagem vale – compra - para a obtenção de votos. Condenação nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral. Fixação de penas de reclusão substituídas por restritivas de direitos. Impossibilidade de condenação com base em conjunto probatório frágil, consubstanciado em depoimentos conflitantes e prova testemunhal que não se apresenta coerente e harmônica. Absolvição. Provimento.

(TRE-RS - RC: 253110 RS, Relator: Dr. Eduardo Kothe Werlang, Data de Julgamento: 22.09.2011, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 169, Data 30.09.2011, Página 02.) (Grifei.)

Assim sendo, considerando a inconsistência do conjunto probatório quanto à autoria e à materialidade do delito, inviável concluir, com a certeza e a segurança que o juízo condenatório requer, dada a gravidade dos seus efeitos, que o réu praticou o delito do art. 299 do Código Eleitoral.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para o fim de absolver o réu da imputação da prática do delito do art. 299 do Código Eleitoral, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.