AC - 5047 - Sessão: 28/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos eleitorais interpostos nos autos do processo RE 248-44.2012.6.21.0133 relativo à Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, e da Ação Cautelar n. AC 50-47.2014.6.21.0000, feitos que trago em conjunto para julgamento, convindo proceder ao relatório individualizado de cada um deles, conforme segue.

PROCESSO: RE 248-44.2012.6.21.0133

Tratam os autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor de GUILDO EDÍLIO HOPPE, eleito vereador do Município de Triunfo, JOÃO BATISTA DOS REIS DA CUNHA, suplente de vereador, e JOSÉ VALMIR DE OLIVEIRA, eleito vereador do Município de Triunfo, por alegada prática de abuso do poder político, abuso do poder econômico e compra de votos durante a campanha das eleições municipais de 2012.

O Juízo da 133ª Zona Eleitoral entendeu comprovados os fatos narrados e julgou procedentes os pedidos para o fim de cassar os diplomas e declarar a inelegibilidade dos candidatos, com fundamento no art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 2101-2109).

Em sede de embargos de declaração, determinou o julgador monocrático a correção de erro material, devendo ser consideradas as expressões “ação de investigação judicial eleitoral” e “AIJE” onde se lê “ação de impugnação de mandato eletivo” e “AIME” na decisão. Além disso, consignou o magistrado o cumprimento imediato da sentença por expressa previsão legal (fls. 2141-2142v.).

Julgados os declaratórios, os investigados interpuseram recursos.

GUILDO EDÍLIO HOPPE requereu o recebimento do apelo com efeito suspensivo e suscitou as preliminares de: a) cerceamento de defesa e nulidade da sentença em razão da rejeição dos embargos e da negativa de abertura de prazo para juntada de novas alegações finais; b) decadência do direito de ação; c) inépcia da inicial; d) ilicitude das interceptações telefônicas. No mérito, afirma que provas foram forjadas, inexistindo nos autos comprovação da prática de abuso de poder e de desequilíbrio no pleito. Sustenta que não é filiado ao partido dos candidatos da majoritária, que as testemunhas do recorrente não respaldaram a acusação e que não possui vinculação com quaisquer atos ilícitos. Afirma que as escutas telefônicas demonstram apenas as conversas travadas entre os interlocutores, mas não comprovam a efetiva ocorrência de compra de votos, observando que os candidatos sofreram pressão dos eleitores durante o pleito, querendo tirar vantagem (fls. 2146-2168).

JOÃO BATISTA DOS REIS DA CUNHA requereu em liminar a concessão de efeito suspensivo. Arguiu as preliminares de: a) nulidade da sentença por cerceamento de defesa devido à desconsideração de provas em relação à conta no Banco Sicredi, falta de abertura de prazo para requerimento de diligências e novas alegações finais, e inobservância do rito legal; b) indeferimento da inicial e nulidade da citação, pois desacompanhada dos documentos que instruíram a ação; c) decadência do direito de ação; d) quebra de segredo de justiça em razão da veiculação de reportagem televisiva que comentou sobre o feito; e e) desconsideração da prova emprestada. No mérito, sustenta que não restaram comprovadas as condutas ilícitas, nem abuso de poder com potencialidade lesiva para desequilibrar o pleito. Alega que a sentença presumiu a culpa, e não a inocência, visto que considerou expressões comuns à campanha como caracterizadoras de compra de votos. Refere, ainda, que as gravações telefônicas apresentaram diversas falhas (fls. 2170-2199).

JOSÉ VALMIR DE OLIVEIRA também requereu o recebimento do recurso com efeito suspensivo. No mérito, alega a ausência de provas para o juízo condenatório. Afirma que não restou comprovado o pedido de votos nem a sua vinculação com os fatos alegados. Sustenta que a prova emprestada da AIJE 130-68 deve ser desconsiderada, visto que não foi parte naquele feito. Aduz que sua prestação de contas foi aprovada pela Justiça Eleitoral, não havendo se falar em uso de “caixa-dois” durante a campanha. Assevera que, para a declaração da inelegibilidade, necessário que o beneficiado pratique pessoalmente os atos de abuso, o que não ocorreu, pois a sentença não expõe qualquer ato que tenha cometido (fls. 2205-2226).

O recurso interposto por José Valmir de Oliveira não foi recebido, sob o argumento de que seria intempestivo (fl. 2230).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 2233-2236).

José Valmir de Oliveira opôs embargos de declaração contra o não recebimento do recurso (fls. 2239-2241), que foram rejeitados pelo juízo a quo (fl. 2243).

Nos autos do Mandado de Segurança n. 98-06 foi deferida liminar declarando a tempestividade e determinando o recebimento do apelo interposto por José Valmir (fls. 2259-2260).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento dos recursos e pela determinação de recálculo do quociente eleitoral do Município de Triunfo (fls. 2171-2332).

AC 50-47.2014.6.21.0000

Em vista da irresignação contra a sentença de cassação, os representados GUILDO EDÍLIO HOPPE e JOÃO BATISTA DOS REIS DA CUNHA propuseram a Ação Cautelar no intento de obter efeito suspensivo aos recursos interpostos, de modo a obstar o cumprimento imediato da sentença que desconstituiu seus mandatos (fls. 02-06)

A liminar foi indeferida (fls. 367-368v.).

Interpuseram agravo regimental (fls. 371-377), ao qual foi negado provimento (fls. 388-389).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela improcedência da ação (fls. 395-397v.)

É o relatório dos feitos, que trago em conjunto a julgamento em razão da conexão.

 

VOTO

1. Admissibilidade

Os recursos são regulares, tempestivos e merecem ser conhecidos, ressaltando-se, quanto ao apelo interposto por José Valmir (fls. 2205-2226), o entendimento já esposado nos autos do MS n. 98-06, cujo acórdão transitou em julgado, no sentido de que é pacífica a orientação jurisprudencial de que os embargos de declaração interrompem o prazo recursal, devendo ser considerado tempestivo o recurso.

2. Preliminares

Inicialmente, cumpre analisar a matéria preliminar trazida nos três recursos eleitorais interpostos, na ordem em que apresentadas.

2.1. Cerceamento de defesa e nulidade da sentença

Guildo Edílio Hoppe e João Batista dos Reis da Cunha suscitaram as preliminares de cerceamento de defesa e de nulidade da sentença sob os seguintes fundamentos: 2.1.1. rejeição dos embargos declaratórios; 2.1.2. negativa de abertura de prazo para requerimento de diligências e novas alegações finais; 2.1.3. desconsideração de provas em relação à conta no banco Sicredi; e 2.1.4. inobservância do rito legal.

2.1.1. Rejeição dos embargos declaratórios

Não há nulidade alguma no desacolhimento dos embargos. O julgador monocrático considerou a existência de erro material nos pontos em que chamou o feito de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo em lugar de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, equívoco que restou devidamente sanado pela decisão das fls. 2141-2142v., não havendo prejuízo algum aos recorrentes, pois o exame dos autos demonstra que o processo seguiu na íntegra o rito próprio da ação de investigação judicial, que possui requisitos bem delineados, com prazos e premissas diferentes do que é estabelecido para a ação de impugnação de mandato eletivo.

Já no despacho inicial, que determinou a notificação dos demandados, verifica-se que a ação foi recebida como AIJE sob o procedimento previsto no art. 22 da LC n. 64/90 (fl. 1197 do volume 6), não se observando, no decorrer da instrução, a alegada interpretação ou aplicação equivocada da legislação pela mera denominação errônea da ação na sentença.

2.1.2. Negativa de abertura de prazo para requerimento de diligências e juntada de novas alegações finais

A preliminar não merece acolhida.

Após a apresentação das defesas e a juntada de documentos pelos representados, foi realizada audiência para oitiva das testemunhas arroladas (fl. 1967 do volume 10), constando no documento que, após a solenidade, ficavam as partes e os advogados intimados do prazo comum de dois dias para apresentação de alegações finais.

Em que pese as disposições contidas no art. 22, incisos VI e VII da LC 64/90, que tratam da realização de diligências, tem-se que o dispositivo se refere aos requerimentos eventualmente realizados pelas partes na audiência de instrução, considerando-se o procedimento sumário a que se submete a investigação judicial eleitoral.

Ademais, de acordo com o TSE, o magistrado não está obrigado a determinar a realização das diligências requeridas pelas partes. A Lei Complementar n. 64/90, em seu art. 22, VI e VII, estabelece que o magistrado procederá às diligências que determinar ex officio ou a requerimento das partes, podendo ouvir terceiros referidos pelos demandados ou testemunhas. Cabe ao magistrado, por óbvio, analisar a pertinência das provas requeridas, deferindo-as ou não (Agravo de Instrumento n. 257793, Decisão Monocrática de 18.10.2010, Relator Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 25.10.2010, Páginas 38-41 ).

Observa-se que nenhum óbice foi registrado pelos advogados contra a abertura do prazo de alegações finais na audiência de instrução, restando operada a preclusão. Colho na jurisprudência:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. RECURSO. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE-PREFEITO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO E APLICOU AS SANÇÕES DE CASSAÇÃO, MULTA E INELEGIBILIDADE. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR JULGAMENTO EXTRA PETITA. NA SEARA ELEITORAL, UM MESMO FATO PODE CONFIGURAR VÁRIOS ILÍCITOS. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGATIVA DE NÃO ABERTURA DE PRAZO PARA REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS PELAS PARTES E DE NÃO APRECIAÇÃO DE PEDIDO FORMULADO NA DEFESA. O PRAZO PREVISTO NO ART. 22, VI, DA LC N. 64/90 DIZ RESPEITO À REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS PORVENTURA REQUERIDAS PELAS PARTES OU DETERMINADAS DE OFÍCIO PELO JUIZ DURANTE A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. OS FATOS QUE CARACTERIZAM CONDUTA VEDADA PODEM SER VISTOS TAMBÉM SOB OS PRISMAS DO ABUSO DE PODER E DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO, DE MODO QUE NÃO SE EXCLUI DA AÇÃO INVESTIGATÓRIA TAIS PRÁTICAS. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AINDA QUE SE TRATE DE CONDUTA VEDADA, O TERCEIRO SOMENTE PODE SER CONSIDERADO LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO QUANDO, DESDE O INÍCIO DA DEMANDA, É APONTADO COMO RESPONSÁVEL PELOS ATOS ILÍCITOS VERSADOS NA EXORDIAL. MÉRITO. SENDO PATENTE A FRAGILIDADE DO CONTEÚDO PROBATÓRIO COLACIONADO AOS AUTOS PELA INVESTIGANTE NÃO PROSPERA A AÇÃO. INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL NÃO RATIFICADO POR OUTROS ELEMENTOS HÁBEIS A DEMONSTRAR A VERACIDADE DA TESE EXORDIAL. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR TOTALMENTE IMPROCEDENTE A AÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TRE-PI, Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 25040, Acórdão de 12.05.2014, Relator FRANCISCO HÉLIO CAMELO FERREIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 089, Data 21.05.2014, Página 12.)  (Grifei.)

Após a solenidade, João Batista e Guildo Edílio apresentaram manifestação impugnando a mídia da audiência e a falta da degravação (fls. 1971-1974); o Ministério Público Eleitoral apresentou alegações finais (fls. 1977-2027 do volume 11); João Batista e Guildo Edílio requereram diligências (fls. 2029-2032); José Valmir, João Batista dos Reis Cunha e Guildo Edílio apresentaram alegações finais (fls. 2034-2050, fls. 2052-2065 e fls. 2067-2082, respectivamente).

Veja-se que o consentimento das partes com a abertura da fase de alegações, e posterior juntada simultânea de requerimentos e alegações finais, em peças apartadas, acabou por tumultuar o processo.

De qualquer sorte, na fl. 2084 o juiz eleitoral substituto indeferiu as impugnações apresentadas por João Batista e Guildo Edílio, vindo a acolher apenas o pedido de diligências relativo à expedição de ofício ao Banco Sicredi, de modo a evitar futura arguição de nulidade e porque foi justificado suficientemente pela defesa o interesse na produção da prova, e indeferiu os demais pedidos, em razão de se tratar de documentos acessíveis aos requerentes, independente de intervenção judicial, e porque imprestáveis para o aqui apurado.

Quanto ao anúncio de que após a resposta do Banco Sicredi seria reaberto o prazo para oferta de razões finais no prazo comum de 2 dias, entende-se que o ofício da instituição informando inexistir conta bancária aberta em nome do requerente (fl. 2087) bem demonstra a ausência de prejuízo com a apreciação do feito no estado em que se encontrava, até porque já estava maduro para julgamento.

Por fim, João Batista revogou o mandato do advogado (fl. 2089) e constituiu novo procurador (fl. 2092), o qual apresentou pedido de diligências (fls. 2095-2096), manifestação totalmente intempestiva e que foi apresentada após as alegações finais da parte (fls. 2052-2065). Aliás, descabido o pedido de ofícios aos mantenedores de aplicativos de comunicação instantânea, prova manifestamente protelatória e que foi solicitada para esclarecer os termos “acertos” e “arrastão” captados nas escutas interceptadas.

A Procuradoria Regional Eleitoral afasta a preliminar ao argumento de que as partes e advogados tomaram ciência do prazo para apresentação de alegações finais na data da audiência, tendo apresentado as manifestações nos autos, e porque a resposta do Banco Sicredi ao ofício expedido pelo juiz substituto retornou negativa, no sentido de que lá não havia conta bancária aberta no nome informado pelos investigados João Batista e Guildo Edílio (fls. 2274v.-2275).

Portanto, verifica-se que não merece acolhida a preliminar, ressaltando o fato de que, a par da alegação, os recorrentes não lograram revelar qual o dano sofrido com a ausência de abertura de prazo para alegações finais.

De acordo com o art. 219 do Código Eleitoral, apenas se pronuncia a nulidade quando há prejuízo à parte, e este não restou demonstrado, pois consabido que não há nulidade sem prejuízo.

2.1.3. Desconsideração de provas em relação à conta no Banco Sicredi

O recorrente JOÃO BATISTA DOS REIS DA CUNHA afirma que sua condenação baseou-se também na utilização de conta bancária da referida instituição financeira, e que a falta de esclarecimento sobre essas circunstâncias feriram os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Ao requer a expedição de ofício ao Banco Sicredi (fl. 2030), João Batista afirmou que a diligência provaria que não cometeu o ilícito apontado na inicial (fl. 53v.), referente à interceptação telefônica de conversa travada no dia 17-08-2012, às 21h37min, entre João Batista e Juliano, onde João é acusado de pagar um monte de coisas utilizando-se de uma conta bancária.

Expedido ofício ao banco (fl. 2084), este retornou com a afirmação de que lá não existia conta aberta em nome da empresa indicada por João, a Comercial Carvão Triunfense.

De qualquer forma, na sentença, o diálogo foi considerado não em face da abertura de conta em instituição financeira, mas sim porque, no contexto dos autos, ele evidencia a existência de captação de votos. Veja-se o trecho da sentença (fl. 2107):

Não bastasse, demonstrando a captação ilícita de votos, o diálogo interceptado, em 17/08/2012, às 21h37min, em que interlocutor identificado por “Juliano” diz ao candidato João Batista que precisa deste para colocar sua conta em dia, pois paga um monte de coisas utilizando-se de tal conta, e nisso recebe a promessa de que irá dar baixa nela quando tudo estiver certo (fl. 136 do PA 00918.00072/2012). Também relevante o diálogo mantido por João Batista com interlocutora identificada como “Olferina”, que utilizou o telefone de Olferina Nascimento dos Reis, em 16/08/2012, às 10h11min, tendo esta, cabo eleitoral, dito ao candidato representado que está precisando de material de propaganda dele, porquanto fará visitas em uma vila, fazendo “arrastão”, anotar todos os “acertos” e depois prestar contas para ele (fls. 134 do PA 00918.00072/2012). Na sequência, a mesma interlocutora, em outra conversa, em 24/08/2012, às 10h32min, confirma a prática, a obtenção de sete votos, fazendo oferta pelos votos, aceita pelos eleitores, pedindo que João Batista passasse na sua casa, pela tarde, para fazer o “acerto” (fl. 139 do PA 00918.00072/2012). (Grifei.)

Importante destacar que, na decisão dos embargos de declaração, o juiz esclarece que a questão de conta bancária no Banco Sicredi não teve valor probante e sequer foi considerada na sentença condenatória.

Assim, não se verifica o alegado cerceamento de defesa, merecendo ser também afastada a prefacial.

2.1.4. Inobservância do rito legal

Alega-se que a ação não obedeceu ao rito do art. 22 da LC 64/90 porque a notificação para responder à ação foi desacompanhada dos documentos que instruíram a inicial, em desacordo com a alínea “a” do mencionado dispositivo legal.

A impropriedade jamais poderia culminar com o indeferimento da inicial, conforme requerem os recorrentes, cumprindo reproduzir os argumentos da sentença que, com propriedade, afastou a matéria (fl. 2103):

No atinente à prefacial de indeferimento da exordial arguida pela defesa de Guildo Edílio Hoppe, de todo inconsistente. O deferimento da juntada posterior de documentos pelo Ministério Público Eleitoral, no curso do processo, em nada afronta o disposto no art. 22, inciso I, alínea “c”, da LC nº 64/90, até porque as defesas tiveram acesso às provas produzidas em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, inclusive acostaram seus documentos oportunamente. Com efeito, descabido o indeferimento da exordial, no caso concreto, por suposta inobservância de requisito da dita legislação complementar.

A manifestação ministerial das fls. 1925-1927 é bem elucidativa ao referir que, após a propositura da ação, os recorrentes José Valmir e João Batista apresentaram defesa, patrocinados pelo mesmo advogado, o qual havia retirado os autos em carga, e que a procuradora de Guildo Edílio também fez carga dos autos para cópias, apresentando depois a peça defensiva.

Além disso, conforme bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 2276v.), a doutrina refere não ser necessária a juntada de cópia de todos os documentos que instruem a inicial, haja vista que a parte investigada terá acesso ao conteúdo integral do processo, possibilitando o exercício da ampla defesa (ZÍLIO, Rodrigo. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à diplomação), ações eleitorais. 4ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014. p. 508).

Nesse sentido, o precedente desta Corte trazido à colação no parecer ministerial:

Recurso. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Eleições 2010. Procedência da representação no juízo originário, com aplicação de sanção pecuniária. Matéria preliminar afastada.

(…)

Também não prospera a alegada nulidade da citação pela falta de cópia da inicial acompanhando o mandado. Inexistência de prejuízo quando o ato atinge a sua finalidade, como se verifica pela defesa apresentada.

(...)

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral nº 3623, Acórdão de 26/10/2012, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 30/11/2012, p. 8) (Grifei.)

Vale aqui a máxima antes referida, de que não há nulidade sem demonstração do efetivo prejuízo sofrido, não sendo o caso de inépcia e indeferimento da inicial, além de nulidade da citação ou inobservância do rito.

Rejeitada a matéria preliminar relativa ao cerceamento de defesa e de nulidade da sentença.

2.2. Decadência do direito de ação

Alega-se a decadência do direito em função de a inicial ter sido ajuizada na data da diplomação dos eleitos, vindo a ser despachada pela primeira vez no processo somente em 10.01.2013, após a diplomação, e porque as cópias dos documentos que instruíram a peça foram juntadas após o ajuizamento da ação.

A preliminar não prospera.

O termo final para a propositura da ação de investigação judicial é a data da diplomação, e não o momento exato em que os candidatos foram diplomados.

Conforme leciona José Jairo Gomes, pode a AIJE ser intentada desde o inicio do processo eleitoral (que se da com a realização das convenções) até a data da diplomação dos eleitos (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 518). Há julgados que consideram, inclusive, a possibilidade de ajuizamento de AIJE mesmo antes das convenções, considerando os abusos praticados por pré-candidatos.

Nesse sentido também se posiciona a jurisprudência pacífica do TSE:

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) COM BASE NO ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 (ABUSO DE PODER ECONÔMICO) E ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97 (IRREGULARIDADES NA ARRECADAÇÃO E GASTOS DE RECURSOS DE CAMPANHA). CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRECLUSÃO. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. PRAZO DECADENCIAL. INEXISTÊNCIA. FIM DO MANDATO. PERDA DO INTERESSE DE AGIR. MÉRITO. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO E RECIBO ELEITORAL. SANÇÃO APLICÁVEL. NEGATIVA DE OUTORGA DO DIPLOMA OU A CASSAÇÃO. ART. 30-A, § 2º. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

3. O rito previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90 não estabelece prazo decadencial para o ajuizamento da ação de investigação judicial eleitoral. Por construção jurisprudencial, no âmbito desta c. Corte Superior, entende-se que as ações de investigação judicial eleitoral que tratam de abuso de poder econômico e político podem ser propostas até a data da diplomação porque, após esta data, restaria, ainda, o ajuizamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e do Recurso Contra Expedição do Diploma (RCED). (REspe nº 12.531/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 1º.9.1995 RO nº 401/ES, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 1º.9.2000, RP nº 628/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 17.12.2002). O mesmo argumento é utilizado nas ações de investigação fundadas no art. 41-A da Lei 9.504/97, em que também assentou-se que o interesse de agir persiste até a data da diplomação (REspe 25.269/SP, Rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 20.11.2006). Já no que diz respeito às condutas vedadas (art. 73 da Lei nº 9.504/97), para se evitar o denominado "armazenamento tático de indícios", estabeleceu-se que o interesse de agir persiste até a data das eleições, contando-se o prazo de ajuizamento da ciência inequívoca da prática da conduta. (QO no RO 748/PA, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 26.8.2005; REspe 25.935/SC, Rel. Min. José Delgado, Rel. Designado Min. Cezar Peluso, DJ de 20.6.2006).

(...)

(Recurso Ordinário nº 1453, Acórdão de 25.02.2010, Relator Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 5.4.2010, Página 207-209 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 2, Data 25.2.2010, Página 158) (Grifei.)

Desse modo, conforme os próprios recorrentes informam, a AIJE foi proposta no mesmo dia da diplomação, antes, portanto, de operada a decadência para sua propositura, o que só ocorreria no dia seguinte.

Também não prospera o argumento de que se operou a decadência porque o despacho que determinou a citação inicial foi realizado após a diplomação.

A citação inicial dos recorrentes foi devidamente realizada, retroagindo seus efeitos à data da propositura da ação, na linha da jurisprudência do STJ:

Processual civil. Recurso especial. Ação rescisória. Decadência. - Por força do art. 220 do CPC, a citação válida tem o efeito de obstar a fluência do prazo decadencial. Esse efeito retroage à data de propositura da ação. - Porquanto a ação rescisória foi proposta dentro do prazo decadencial e a citação se realizou validamente, não há de se falar em decadência do direito à propositura dessa ação.

(STJ - REsp: 471927 SP 2002/0127520-1, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06.06.2003, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 30.06.2003 p. 243)

E nem se diga que o deferimento da juntada posterior de documentos pelo Ministério Público Eleitoral culminou com o implemento da decadência. Conforme refere a sentença: O deferimento da juntada posterior de documentos pelo Ministério Público Eleitoral, no curso do processo, em nada afronta o disposto no art. 22, inciso I, alínea 'c', da LC nº 64/90, até porque as defesas tiveram acesso às provas produzidas em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, inclusive acostaram seus documentos oportunamente (fl. 2103).

Quanto ao despacho que ordenou a citação, já está consagrado na jurisprudência do STJ, de acordo com a Súmula n. 106, que a demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da justiça não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, entendimento plenamente aplicável ao caso concreto, em que o despacho ordenador da citação ocorreu em 10-01-2013.

Portanto, a ação foi tempestivamente ajuizada, não se operando a decadência do direito.

2.3. Ilicitude das interceptações telefônicas

A alegação de prova ilícita relativa às escutas telefônicas feitas pela polícia vem baseada no argumento de que o pedido de quebra de sigilo não obedeceu ao requisito da “impossibilidade de realização por outros meios” estabelecido no art. 2º, inciso II, da Lei 9.296/96.

As interceptações telefônicas são a principal prova existente nos autos em desfavor dos recorrentes, razão pela qual a questão será cuidadosamente analisada.

A matéria foi objeto de rejeição pelo juízo a quo ao argumento de que as gravações foram autorizadas judicialmente em absoluto cumprimento ao disposto na Lei nº 9.296/96 e às recomendações do Conselho Nacional de Justiça, afigurando-se frágil a premissa de que a prova foi produzida por meios ilícitos. Em se tratando de fatos sabidamente ocorridos, de regra, na clandestinidade, necessária e pertinente a prova em liça frente à situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por outros meios, estando caracterizada a subsidiariedade (fl. 2103).

As interceptações telefônicas que instruíram a inicial foram solicitadas pelo Ministério Público Eleitoral com atribuição perante a Procuradoria de Prefeitos, nos autos de investigação para apurar crimes de responsabilidade e contra a administração pública (fls. 99-111), visto que se mostrava imprescindível a adoção de providências cautelares para o sucesso da investigação, sendo a interceptação telefônica o único meio viável de se saber qual o real envolvimento de cada um dos investigados (fl. 105).

No pedido, consignou-se a realização de diligências prévias, com a coleta de provas baseadas em depoimentos e em conversas captadas por pelo menos um dos interlocutores, no sentido de que haveria um grupo criminoso nos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Triunfo, associação destinada a assegurar a eleição de Marcelo Essvein para o cargo de prefeito. Foram observadas, na investigação prévia, ilicitudes relativas ao oferecimento de vantagens indevidas aos candidatos opositores para que abandonassem sua candidatura e realizassem apoio político, com o oferecimento de cargos públicos e consideráveis quantias em dinheiro e, até mesmo, pedido de supressão de propaganda eleitoral. Para além, foi indicada a atuação consistente em obrigar determinadas pessoas à prestação de apoio político, sob ameaça de demissão ou prejuízo econômico, com determinação de que funcionários públicos afixassem placas de propaganda em suas residências.

O requerimento foi deferido pela Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, por decisão do Des. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira (fls. 169-173).

Não raro, verifica-se conflito instaurado em investigação penal em relação a direitos fundamentais e o dever do Estado de guarda desses direitos quando do cumprimento do seu papel na apuração de infrações penais. No caso concreto, em petição e autorização devidamente fundamentadas, realizadas após diligências prévias, verificou-se a dificuldade de obtenção da prova (instantaneidade), situação que suplantou os direitos constitucionais individuais envolvidos.

Na espécie, a interceptação telefônica era o único meio viável à investigação dos crimes levados ao conhecimento do Ministério Público, mormente se se levar em conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas pelos investigados se davam eminentemente por telefone.

O exame dos autos demonstra que a investigação foi instaurada e conduzida de modo apropriado pela autoridade com atribuição para tanto, oportunizando às partes analisar as provas e realizar a mais ampla defesa, como sói ocorrer nos casos de escuta telefônica.

De igual modo, não há que falar em violação do contraditório e da ampla defesa, pois em se tratando de investigação de prática ilícita, pela qual busca o Ministério Público identificar a autoria e colher provas da conduta ilegal, impossível assegurar a participação do investigado durante a fase de gravações telefônicas, sob pena de comprometer até mesmo o resultado prático do trabalho investigativo.

A ampla defesa não assegura o acompanhamento de toda e qualquer diligência na fase de investigação, mas significa que, uma vez colhidas as provas, o investigado tem o direito de sobre elas dizer e produzir outras evidências capazes de desconstituí-las ou modificá-las, ou seja, tem assegurado que o juiz somente poderá prolatar uma sentença após ter conhecimento da outra versão capaz de contrapor a prova produzida em investigação. O que resta afastado pela jurisprudência é a condenação fundamentada apenas em provas produzidas na fase de investigação, sendo necessário que esses elementos probatórios sejam confirmados em juízo, após o contraditório e a ampla defesa. E, no presente caso, restou garantida a plena atuação da defesa durante todo o processo.

É firme o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça segundo o qual o valor constitucionalmente protegido pela garantia de inviolabilidade das comunicações telefônicas é a intimidade, que não pode ser ofendida, salvo em hipóteses excepcionais de existência de indícios veementes de cometimento de ilícito penal. Porem, uma vez rompida esta barreira, nada impede que a prova colhida sob os auspícios da lei, a dizer, mediante autorização judicial e para fins de investigação ou processo criminal, seja utilizada para fins outros, como instruir procedimento administrativo punitivo (MS n° 13.986, de 9.12.2009, Min. Napoleão Nunes Maia Filho).

Confiram-se os precedentes:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PRODUZIDA EM INQUÉRITO POLICIAL. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. PROCESSO CÍVEL ELEITORAL. UTILIZAÇÃO. IMPEDIMENTO. AUSÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO E SEU RESPECTIVO TRANSPORTE. FINALIDADE ELEITORAL. COMPROVAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.

(...) 2 - "(...) O Supremo Tribunal Federal firmou posição no sentido de que é possível a utilização, como prova emprestada em processo administrativo disciplinar, de dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, desde que esta tenha sido judicialmente autorizada para a produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, nos termos da L. 9.296/96 (STF, Inq-2424 / RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, DJ 24.08.2007). "(TRF4, AC 200670020039388, Rel. Juiz Valdemar Capeletti, DJ – 04/08/2008) 3 - "(...) Sendo lícita e idônea, a interceptação telefônica poderá ser utilizada como prova emprestada para dirimir controvérsias na esfera civil e administrativa. No expressivo dizer do Ministro Cezar Peluso no "âmbito normativo do uso processual dos resultados documentais da interceptação, o mesmo interesse público na repressão de ato criminoso grave que, por sua magnitude, prevalece sobre a garantia da inviolabilidade pessoal, justificando a quebra que a limita, reaparece, com gravidade só reduzida pela natureza não criminal do ilícito administrativo e das respectivas sanções, como legitimamente desse uso na esfera não criminal, segundo avaliação e percepção de sua evidente supremacia no confronto com o direito individual à intimidade" (STF, Inq. 2.424 DJ 24.08.2007). (...)" (TRE-SC, RD 2237030, Rel. Juiz Sérgio Torres Paladino, DJ - 16/08/2010, pág. 6/7) 4.) Na espécie, a partir do conjunto fático-probatório dos autos, notadamente do resultado da interceptação telefônica obtida, verificou-se o especial fim de captação de votos, por parte da Sra. Joana Maria Pedrosa Machado, mediante o fornecimento de benesses variadas aos eleitores do Município de Crato, de sorte a caracterizar também a prática de abuso de poder econômico. 5 - Sentença mantida. 6 - Improvimento do Recurso.

(TRE/CE – RECURSO ELEITORAL nº 958715407, Acórdão nº 958715407 de 06/04/2011, Relator CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, Publicação: DJE -Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 69, Data 15/04/2011, Página 7/8.) (Original sem grifos.

 

RECURSO ELEITORAL. PRELIMINARES. NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO PARTIDO POLITICO. IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. SENTENÇA EXTRA-PETITA. REJEIÇÃO. EXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES A MANTER A DECISÃO RECORRIDA. VALIDADE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JUNGIDOS AOS AUTOS. EFEITO VINCULANTE DO JULGAMENTO REALIZADO NA ADI N. 4578. INELEGIBILIDADE PARA OS PLEITOS FUTUROS. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (...) 4) Inobstante a interceptação telefônica ter sido autorizada em desfavor de pessoas distintas dos ora recorrentes, a teoria do encontro ou descoberta fortuita de provas é plenamente agasalhada pela jurisprudência pátria, notadamente em sede de prova emprestada; (…).

(TRE/GO - RECURSO ELEITORAL nº 935631402, Acórdão nº 13238 de 20/09/2012, Relator WILSON SAFATLE FAIAD, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 202, Tomo 1, Data 27/09/2012, Página 3.) (Original sem grifos.)

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas no art. 5º, inciso XII. Ao Estado, por sua vez, cumpre o papel decisivo na guarda dos direitos fundamentais, inclusive na proteção de cidadãos contra agressões praticadas por outros cidadãos.

Sobre o tema, já manifestei posição no sentido de que a função atribuída aos direitos fundamentais é desenvolvida com base na existência de um dever geral de efetivação atribuído ao Estado (por sua vez, agregado à perspectiva objetiva dos direitos fundamentais) na condição de deveres de proteção, pois a este incumbe zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos não somente contra os poderes públicos, mas também contra agressões oriundas de particulares e até mesmo de outros Estados. Desemboca na obrigação de o Estado adotar medidas positivas da mais diversa natureza com o objetivo precípuo de proteger de forma efetiva o exercício dos direitos fundamentais e os bens e interesses que constituem o objeto da tutela jusfundamental (trecho do artigo “Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal”, de minha autoria, publicado na Revista da Ajuris, Porto Alegre, a. XXXV, n. 109, mar. 2008, p. 145-146).

Com estas considerações, entendo que a prova observou os pressupostos estabelecidos na Lei n. 9.296/96 e, portanto, deverá e será considerada no julgamento dos recursos.

Afasto a preliminar.

2.4. Quebra do segredo de justiça

Alega-se que, enquanto o processo estava tramitando em segredo de justiça, houve divulgação televisiva sobre seu conteúdo mediante entrevistas concedidas pelo representante do órgão ministerial.

Conforme aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, o art. 14, §11, da Constituição Federal dispõe sobre a tramitação sigilosa de ação de impugnação de mandato eletivo, e não de ação de investigação judicial eleitoral (fl. 2281v.).

Além disso, conforme bem referido na sentença, não violam sigilo processual eventuais declarações que não expõem fatos específicos ou detalhes sobre a ação proposta, pois tiveram cunho meramente informativo, não se verificando, ademais, a tendenciosidade pretendida pela defesa (fl. 1935).

Por esse motivo, rejeita-se a preliminar.

2.5. Desconsideração da prova emprestada

O recorrente João Batista alega a impossibilidade de utilização das provas colhidas nos autos da AIJE em que não figurou como parte.

Em caso análogo, o TSE já se pronunciou sobre o tema, entendendo que inexistem óbices ao emprego de prova emprestada, mesmo que a ação da qual ela provenha não tenha transitado em julgado e que apenas uma das partes tenha dela participado, não estando o juiz adstrito, no entanto, à valoração anterior (Rercurso Especial Eleitoral nº 25822, Acórdão de 25.05.2006, Relator Min. Francisco Cesar Asfor Rocha, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 17.08.2006, Página 115).

Portanto, é perfeitamente viável o uso da prova emprestada de um processo para instruir outro, mesmo que apenas uma das partes tenha participado daquele em que a prova fora produzida, desde que garantido o exercício do contraditório e da ampla defesa

A decisão recorrida considerou que não se evidencia ilicitude na prova emprestada da AIJE 130-68.2012.6.21.0133, ação cuja procedência culminou com a realização de novas eleições majoritárias no município de Triunfo no ano de 2012, em razão de irregularidades nas verbas utilizadas na campanha para os candidatos ao cargo de prefeito e de vereador vinculados ao PDT.

De qualquer forma, as provas colhidas na AIJE 130-68 sequer foram utilizadas especificamente para amparar a condenação, tendo o julgador apenas referido que os fatos nela apurados apenas reforçam a atuação orquestrada dos ora representados, candidatos a vereador, no sentido do abuso do poder econômico para obtenção de votos dos eleitores (fls. 2104v.).

Com estes argumentos, rejeito todas as prefaciais suscitadas e passo ao julgamento do mérito dos recursos.

3. Mérito

Como se infere, a ação foi julgada procedente para o fim de ser determinada a cassação dos mandatos dos recorrentes Guildo Edílio Hoppe, João Batista dos Reis Cunha e José Valmir de Oliveira, candidatos ao cargo de vereador pela Coligação Triunfo no Coração (PP/PDT/PPS/PSDB), com declaração de inelegibilidade, ao argumento de terem cometido abuso do poder político, abuso do poder econômico, bem assim corrupção eleitoral.

A sentença considerou comprovados os fatos alegados na inicial, atinentes ao alcance de benesses a eleitores em troca de votos, como a realização de serviços com maquinário público, contratação da Cooperativa de Geração de Energia e Desenvolvimento Taquari Jacuí - CERTAJA para instalação de redes de energia elétrica para eleitores de comunidades carentes, assim como o oferecimento de bens, valores e cargos públicos em contrapartida a apoio político, desistência de candidaturas e afixação de placas de propagandas em residências.

Foi considerada a prova obtida pelo Ministério Público Eleitoral na Operação Júbilo, na qual foi realizada gravação ambiental de conversas, escutas telefônicas e oitiva de pessoas relacionadas ao esquema de compra de votos. Como já referido, a prova coletada pelo Parquet é lícita, deve e será considerada neste julgamento.

Passo a analisar, separadamente, as condutas dos recorrentes e as razões que entendem devam ser acolhidas para reformular a decisão desafiada.

3.1. GUILDO EDÍLIO HOPPE

Em relação ao recurso interposto por Guildo Edílio Hoppe, tenho que as razões não são suficientes para infirmar a convicção exarada na sentença, no sentido de que a prova dos autos demonstrou seu envolvimento direto e pessoal com os atos abusivos.

A quebra de sigilo telefônico evidenciou que Guildo também se utilizava de pedidos de realização de serviços públicos, que haviam sido protocolizados na prefeitura em anos anteriores, para prestação de trabalhos com maquinário público em troca de votos, esquema que utilizava o “protocolo” anterior para dar aparência de legalidade ao ato.

Consignou o julgador que há, nos autos, diversas ligações interceptadas tratando do assunto “protocolo”, de modo a cooptar votos dos eleitores diante da previsão contida na Lei Municipal n. 1.478, de 15 de março de 2000, que permite a realização de serviços a particulares, pessoa física e jurídica, com equipamentos municipais, mediante existência de “protocolo prévio”.

Sobre o ponto, assim se manifesta a douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 2285):

A constatação do uso dos protocolos junto à Prefeitura Municipal de Triunfo como artifício para dar aparência de legalidade ao uso da máquina pública com fins meramente eleitorais, constatação essa feita por meio dos 15 dias da interceptação telefônica levada a cabo na Operação JÚBILO, levaram ao pedido (formulado pelo Ministério Público Eleitoral com atuação perante o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral – TRE) e ao deferimento da expedição de mandados de busca e apreensão a serem cumpridos na Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos, na Secretaria Municipal de Viação, Transportes e Trânsito e na Secretaria Municipal de Agricultura (fl. 8, frente e verso, do PA.00918.00072/2012).

Na mesma decisão, proferida pelo TRE, determinou-se a instauração de Inquérito Policial pela Polícia Federal (fl. 8 do PA.00918.00072/2012), nos autos do qual, e com base nos documentos apreendidos, procedeu a Autoridade Policial à oitiva de diversas pessoas.

Aponta a sentença a ligação telefônica interceptada do telefone de Guildo em 17.08.2012, às 21h15min, na qual falou com pessoa chamada de “Gordo” (Douglas Maciel - fl. 251), em que menciona um trabalho de caçamba utilizando protocolo antigo, do ano de 2004, concluindo o julgador que a utilização de protocolos às vésperas da eleição municipal, em maior número com atendimento excepcionalmente célere, revela os claros fins eleitorais, circunstância corroborada pelos depoimentos de Jenaina Nicolau, Vagner Sarmento da Rosa, Tereza Anauri da Silva Almeida, Silvano Samuel da Costa da Silva, Valdomiro Cruz da Silva, Rodrigo Lopes, Marilicia Santos Merg, Gislaine Cristina Almeida Souza, Cristian Marques de Souza, Valnor Oliveira da Silva e Fabrício Mayer de Souza, todos inquiridos no PA 00918.00072/2012 (fls. 280-347) (fl. 2104).

A decisão recorrida considerou, ainda, a fala de Guildo em conversa gravada no CD 2 (fl. 145), na qual ele e o candidato a prefeito Marcelo Essvein, indagados pela ilicitude da conduta de compra de votos, respondem que É uma cultura que vem de muito tempo. Mas daí, se tu não dá, o outro dá!

Gize-se ser pacífico nesta Corte o entendimento de que é lícita a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, como ocorreu na espécie, conforme bem ponderado pelo juízo singular.

Assim, as interceptações telefônicas realizadas no número de telefone de Guildo, que estão degravadas nas fls. 245-255, também apontam para o agir ilícito. Nas conversas, Guildo trata de doação de material a pessoas que colocariam placas de propaganda (fl. 246), corte de árvores em troca da afixação de placa e 15 votos certos (fl. 246), doação de terra em troca de votos (fl. 246), doação de dinheiro em troca de 3 votos e de afixação de placas - R$ 500,00, R$ 450.00 e R$ 200,00 (fls. 247-248), doação de 5 sacos de cimento em troca de votos (fl. 249). São diversos diálogos interceptados e degravados, todos tratando de compra de votos.

Noutra conversa, Guildo fala sobre o “acerto” com uma eleitora na “Esquina da Sorte” (outra localidade do Município). Quando o cabo afirmou a Guildo que não deveria ter perdido a eleitora, embora fosse apenas um voto, Guildo respondeu: Fazê o quê? Eu vou dá o que não vale? Após o interlocutor informar que a eleitora pretendia “substituição”, isto é, ocupar a vaga de CC quando de férias, Guildo ficou inclusive de passar na casa da eleitora para tratar do assunto.

Consta a prática, ainda, de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico nas conversas que, segundo a sentença, descreveriam “o mesmo modus operandi” no agir de Guildo, relativo a dinheiro, nas ligações interceptadas em 12.08.2012, às 18h25min (fl. 247); em 13.08.2012, às 10h29min (fl. 247); em 15.08.2012, às 09h56min (fls. 249-250); bem assim em materiais como “20 folhas de brasilit e três dúzias de caibro”, em 17.08.2012, às 11h17min (fl. 251); “15 canos”, em 17.08.2012, às 15h59min (fl. 251); “40 telhas”, em 23.08.2012, às 13h00min (fl. 254); “02 sacos de cimento”, em 14.08.2012, às 13h12min (fl. 249); “cargas de aterro”, em 14.08.2012, às 20h27min (fl. 249); “tábuas”, em 24.08.2012, às 09h23min (fl. 254).

Além disso, em conversa mantida por Guildo Edílio Hoppe, em 15.08.2012, às 10h50min (fl. 250), com cabo eleitoral, o demandado disse que precisava fazer no mínimo 30 votos em determinada localidade, dizendo: “Te vira por aí, cara! Eu preciso fazer no mínimo 30 votos aí!”. E o cabo eleitoral respondeu “Ali?...Então tu vem e compra tudo que tem aqui, porque...”.

Cumpre transcrever, ainda, a seguinte conversa de Guildo, degravada na fl. 253:

Dia 23/08/2012, às 13h00min18s, duração 08min10s:

Interlocutor informa pra GUILDO que visitaram 5 casas. Na Rosa mais 02 votos. Noutra casa mais 05 votos. Que um dos eleitores pediu 40 telhas, mas o interlocutor ofereceu 20 telhas, o que foi aceito pelo eleitor. Interlocutor diz que fechou 14 votos e talvez 17. Que eles afirmaram que pode olhar na urna. GUILDO acha caro, porém o interlocutor diz que é R$ 500,00 e cinco votos.

Portanto, verifica-se ter restado comprovado que o recorrente Guildo Edílio Hoppe, candidato eleito ao cargo de vereador nas eleições municipais de 2012, praticou atos de abuso do poder político, abuso de poder econômico e corrupção eleitoral, restando perfeitamente demonstrada a sua mobilização ilícita em busca de votos.

Nas razões de reforma, Guildo Edílio Hoppe Guildo sustenta que concorreu pelo Partido Popular Socialista – PPS, não tendo envolvimento com ilicitudes perpetradas pelo PDT. No entanto, o PDT estava coligado com o PPS na candidatura para vereador, sendo a alegação irrelevante diante das provas aqui examinadas.

Ademais, conforme observa a Procuradoria Regional Eleitoral, é adequado que, desde logo, tenha-se presente que, quando os candidatos ao cargo de Vereador (JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA, JOSÉ VALMIR DE OLIVEIRA e GUILDO EDÍLIO HOPPE) agem com o fim de cooptar eleitores de Triunfo, obtendo-lhes o voto, cada qual buscando votos em causa própria, para os cargos do Poder Legislativo, e todos têm, de igual sorte, um objetivo comum: propiciar a eleição do candidato MARCELO ESSVEIN ao cargo de Prefeito Municipal (fl. 2288).

3.2. JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA

As razões apresentadas por João Batista dos Reis Cunha de igual modo em nada contribuem para a modificação da sentença.

Apontou o julgador monocrático que as ligações interceptadas do telefone de João Batista, degravadas nos autos, demonstraram seu agir ilícito na intenção de cooptar eleitores de Triunfo, destacando a conversa com eleitor identificado por “Binho”, mantida em 17-08-2012, às 10h01min, na qual o recorrente ostensivamente exige voto não só para si, mas também para o candidato a Prefeito Marcelo Essvein (fl. 2104), restando induvidoso o cometimento de abuso do poder político, abuso do poder econômico e corrupção eleitoral pelo representado João Batista dos Reis Cunha.

Neste sentido, referiu a sentença que na fl. 632 do PA 00918.00072/2012, o demandado em epígrafe procurou a eleitora Marisa Teresinha Rosa de Araújo, exigindo apoio político e colocação de propaganda eleitoral sua e do candidato Marcelo Essvein da residência da eleitora e no veículo do marido dela, pois, do contrário, seria dispensada da Berbal 'Serviços Agroflorestais, Topográficos e Construção Civil Ltda.', CNPJ 07182674000101, prestadora de serviços ao Município de Triunfo. E o representado João Batista havia comprado apoio eleitoral ao conseguir colocação dela em vaga de trabalho na Berbal. Tais fatos foram relatados por Marisa e pelo marido José Olmiro Lemes de Souza em audiência (fls. 629-31 e 639 do PA 00918.00072/2012) (fl. 2107).

Com base nas interceptações, apontou a Procuradoria Regional Eleitoral que No dia 3 de agosto de 2012, pela manhã, o investigado JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA cometeu abuso de poder político, abuso de poder econômico e corrupção eleitoral (PA.00918.00068/2012 – fls. 627-39 do PA.00918.00072/2012), cumprindo transcrever o seguinte excerto do parecer (fl. 2301 e v.):

Na oportunidade, JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA procurou a eleitora MARISA TERESINHA ROSA DE ARAÚJO exigindo apoio político e colocação de propaganda eleitoral sua e do candidato MARCELO ESSVEIN na residência da eleitora (fl. 632 do PA.00918.00072/2012) e no veículo do marido dela, sob pena de ser dispensada da Berbal (BERBAL Serviços Agroflorestais, Topográficos e Construção Civil Ltda.).

Tudo aconteceu porque JOÃO BATISTA havia comprado o apoio eleitoral de MARISA TERESINHA ROSA DE ARAÚJO e de seu marido, bem como espaço para propaganda eleitoral sua e de MARCELO ESSVEIN, mediante a colocação da eleitora em uma vaga de trabalho na Berbal. Contudo, ao saber que JOSÉ OLMIRO LEMES DE SOUZA, o marido de MARISA, havia retirado o adesivo do candidato do seu automóvel, JOÃO BATISTA interpelou a eleitora na rua e disse que “se não viessem todos com ele, não teria como segurá-la lá (na Berbal)”.

MARISA TERESINHA ROSA DE ARAÚJO e JOSÉ OLMIRO LEMES DE SOUZA relataram os fatos ocorridos perante o Ministério Público Eleitoral em Triunfo (fls. 629-31, verso, do PA.00918.00072/2012), tendo a audiência sido registrada em áudio e vídeo (fl. 639 do PA.00918.00072/2012).

A fotografia da fl. 632 do PA.00918.00072/2012 demonstra que, efetivamente, os eleitores submetiam-se à exigência do candidato investigado, tendo permitido a colocação de propaganda eleitoral, dele e do candidato ao cargo de Prefeito pela Coligação “TRIUNFO NO CORAÇÃO”, mediante contraprestação estimável em dinheiro (o salário pago pela Berbal), sendo tolhidos, ademais de liberdade e de voluntariedade na manifestação de sua opção político-eleitoral, tudo em violação da regra do art. 37, § 8º, da Lei nº 9.507/97.

A Berbal, como já se disse, possui uma estreita vinculação com a Prefeitura Municipal de Triunfo, sendo sua relação espúria com a Administração Pública Municipal objeto de investigação no Inquérito Civil – IC.00918.00008/2008.

Ademais, como também já abordado, com base nesse IC.00918.00008/2008, a Procuradoria de Prefeitos instaurou expediente investigativo e ajuizou ação penal, já recebida pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Estado, contra o atual Prefeito, Pedro Francisco Tavares.

Além disso, a sentença (fls. 2107 e verso) considerou a conversa ocorrida em 16.08.2012, às 10h11min, entre o recorrente e a interlocutora identificada como “Olferina”, que era cabo eleitoral, na qual ela diz a João Batista que está precisando de material de propaganda dele, porquanto fará visitas em uma vila, fazendo “arrastão”, para anotar todos os “acertos” e depois prestar contas para ele (fl. 222). Olferina, em outra ligação (dia 24.08.2012, às 10h32min), confirma a obtenção de sete votos mediante oferta aceita pelos eleitores, e pede que João Batista passe na sua casa para fazer o “acerto” (fl. 227).

Consignou a decisão recorrida que João Batista comprou o voto da eleitora Luci Teresa Silva Azeredo em 15.08.2012 (interceptação contida na fl. 220) que, uma vez inquirida pelo Ministério Público Eleitoral (interrogatório nas fls. 784-785), confirmou a compra de voto.

O resultado das interceptações apontou, também, a compra de votos mediante doação de carga de brita, pedras, tijolos e telha grosa, e, ainda, o pagamento de carteira de habilitação (fls. 226-227). Quanto ao pagamento das taxas de confecção de CNH ao eleitor Vando Uilian Milke Campos, o Ministério Público constatou, em diligência junto ao CFC, que os valores correspondentes foram pagos logo após a ligação em que fora combinada a entrega de dinheiro (fl. 257).

O Procurador Regional Eleitoral destaca que o agir do representado JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA é tão desajustado às regras da legalidade relativas ao processo eleitoral que, quando seus adeptos ou cabos eleitorais visualizam conseguir a adesão de algum eleitor sem o uso de artifício de corrupção, a reação (de ambos) é de incredulidade.

Nesse sentido, aponta o parecer (fl. 2302 e 2303v.):

Destaca-se, nesse passo, o diálogo mantido por JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA com interlocutor identificado por “Cabelo” (o interlocutor utilizou telefone registrado em nome de Felipe Silva de Souza) no dia 15 de agosto de 2012, às 20h36min: JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA questiona seu cabo eleitoral sobre visita (a eleitores) realizada pelo também investigado MARCELO ESSVEIN (candidato a Prefeito Municipal pela Coligação “TRIUNFO NO CORAÇÃO”), obtendo de “Cabelo” resposta no sentido de que a visita fora proveitosa, já que não houve custo nas tratativas com os eleitores.

 

Com efeito, a regra de conduta do representado JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA é o trato mercantilista com seu eleitorado, sendo de sua parte reiterado o uso de distribuição de benefícios de espécies variadas como forma de obter a adesão dos eleitores de Triunfo. A compra de votos e o uso de meios de abuso de poder econômico e político é método tão arraigado na campanha eleitoral de JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA que os próprios eleitores – já sabedores do modus operandi do representado – procuram tirar proveito da situação, oferecendo a ele e a seus cabos eleitorais votos em troca de benefícios.

(…)

A compra de espaços de propaganda e de apoio eleitoral reveste-se na maior, senão na única, plataforma eleitoral de JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA, consistindo em um modus operandi padrão, adotado por todos os apoiadores de sua campanha, os quais, evidentemente, agem sob o comando do candidato.

A conduta de JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA, de resto, espelha a que se pode observar em relação a todos os candidatos ora investigados, bem como em relação a outros, que ficaram ao largo da interceptação das comunicações telefônicas, todos vinculados à Coligação “TRIUNFO NO CORAÇÃO” (p.e., JAIRO ROBERTO COSTA KERSTING, JUVANDIR LEOTTE PINHEIRO e FÁBIO DANIEL DE SOUZA WRASSE, que responderão em ações autônomas).

Assim, em que pese a alegação de conluio e má-fé para a incriminação, com suposta produção de provas forçadas e flagrantes preparados, as razões recursais não são suficientes para afastar as graves condutas verificadas nos autos, situação que impõe a manutenção da sentença condenatória.

3.3. JOSÉ VALMIR DE OLIVEIRA

Da mesma forma, o recurso interposto por José Valmir de Oliveira não afasta a conclusão a que chegou a sentença.

A decisão recorrida considerou comprovada a prática de abuso de poder, destacando a conversa de José Valmir de Oliveira, em 20.08.2012, às 15h24min, na qual o representado, na conversa, relata que 10 a 12 casas foram beneficiadas com ligação de luz na Volta da Mariana, Vila dos Morenos, assim como na Vila da Tieta, revelando um esquema de compra de votos no qual a cooperativa CERTAJA estava envolvida. A fim de melhor explicar a ilicitude, transcrevo excerto da sentença (fl. 2104v.):

De outro lado, tal abuso restou também demonstrado no acervo probatório que dá conta da contratação da Cooperativa de Geração de Energia e Desenvolvimento Taquari Jacuí - CERTAJA para instalação de redes de energia elétrica para eleitores das comunidades carentes Vila da Tieta e Vila dos Morenos, localizadas no Município de Triunfo, cujos custos de instalação da energia elétrica seriam pagos pelo próprio Prefeito Municipal de Pedro Francisco Tavares, também Presidente do PDT.

O julgador apontou na análise das interceptações, ainda, a ligação verificada do telefone de José Valmir, em 21.08.2012, às 09h40min, para Aline (Karine), revelando um acerto para o pagamento de instalações de energia elétrica em troca de votos, que estava sendo combinado também com o escritório da CERTAJA em Taquari, a qual já estava sabendo das tratativas. Noutra ligação, José Valmir afirma que o pagamento da instalação de rede elétrica não seria feito pela Prefeitura, pois a dívida deve sair em nome de uma pessoa física.

Em relação a este esquema de compra de votos mediante instalação de energia elétrica em comunidades carentes, apontou a sentença que, nos autos da Ação Cautelar 184-45 (cópia nas fls. 96-112, de relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp), foi determinada busca e apreensão que localizou os contratos de instalação dos meses de agosto e setembro do ano eleitoral de 2012, assinados em benefício de moradores de comunidades carentes de Triunfo, negócio que teve como principais articuladores o representado José Valmir, como intermediador, e Pedro Francisco Tavares (fls. 2105 e verso).

A captação ilícita de votos também realizou-se por outros meios, indicando-se as interceptações telefônicas em que José Valmir trata sobre promessa e entrega de bens a diversos eleitores, tais como vaga de trabalho; máquina de lavar roupas tipo tanquinho, no valor de R$ 300,00; construção de açude e colocação de placas de propaganda, terra, construção de poço, no valor de R$ 1.300,00, lajotas, frete de argila, 45 metros de forro, troca de cheque, carregamento de terra ou saibro e carregamento de pedras, tudo em contrapartida dos votos buscados (fls. 232, 233, 235-237, 239, 240 e 244).

O relatório das interceptações da fl. 255 explica que, no contexto das conversas travadas por José Valmir, os termos “fechar” e “colocar placas” se referiam a pagamento de valores a eleitores, e que os investigados utilizam a máquina pública, principalmente os veículos da Secretária de Obras do Município no transporte de aterros, terra, uso de retroescavadeira e patrolas quando citam a necessidade de 'protocolo' para a realização de trabalhos.

Como se observa, as razões invocadas não são aptas a ilidir a decisão que concluiu pela procedência da ação investigatória sob exame.

3.4. CONCLUSÃO

Em conclusão, resta comprovada a prática de ações ilícitas perpetradas pelos representados no intuito de buscar o sufrágio de eleitores mediante o comércio de seus votos, condutas reprováveis que merecem o sancionamento imposto no juízo de origem.

O exame da prova ainda mais alicerça o entendimento exarado, conforme adiante se verifica.

A primeira questão a se considerar é que, nos autos da ação de investigação judicial AIJE 130-68, em sentença (fls. 441-452) confirmada por este Tribunal, foi apurado que houve a retirada da elevada quantia de R$ 1.135.667,89 da conta-corrente do PDT, partido integrante da coligação pela qual concorriam os recorrentes, que não foi declarada na prestação de contas da agremiação e de seus candidatos. Nessa ação, concluiu-se restar evidente o emprego de tais valores na campanha em razão do volume de propaganda eleitoral visualizada nas ruas, situação que caracteriza abuso de poder econômico e político, “caixa dois” e captação ilícita de sufrágio em benefício da candidatura do representado.

Colho do voto proferido pelo Dr. Leonardo Tricot Saldanha no julgamento da AIJE 130-68 (julgado já indicado) a seguinte passagem, descritiva das circunstâncias havidas naquela demanda:

Está devidamente demonstrado que a movimentação financeira do PDT de Triunfo no ano eleitoral de 2012 foi consideravelmente superior à dos anos anteriores, períodos não eleitorais. Em 2010, o partido registrou um total de despesas no montante de R$ 176.662,04 (fl. 1008); no ano de 2011, foram gastos R$ 235.660,30 (fl. 1011); já em 2012, no ano eleitoral, apenas no período compreendido entre janeiro e setembro, foram sacados da conta corrente da agremiação R$ 1.135.667,89 (fls. 733-744).

Apesar dos argumentos trazidos pelos recorrentes, não é razoável crer que a volumosa quantia gasta pela agremiação tenha sido destinada à ordinária manutenção do partido, já que os gastos substancialmente inferiores dos anos anteriores bastaram para a administração do mesmo, haja vista a sobra de recursos em caixa, da ordem de R$ 430.951,54 em 2010 (fl. 1008), e de R$ 370.860,82 em 2011 (fl. 1012).

Ao mais, e o mais grave, parte considerável dos saques foram realizados na boca do caixa, mediante a apresentação de cheques emitidos em nome do tesoureiro ou do presidente do partido, Pedro Francisco Tavares. O que é argumentado ser mera irregularidade contábil apresenta-se, em verdade, como grave indício de abuso, em virtude dos valores sacados na boca do caixa.

Resta comprovado que foram realizados dois saques de R$ 200.000,00 (fl. 738) - um em 1º.6.2012, e outro, em 06.6.2012 -, emitidos e sacados pelo próprio presidente do partido, Pedro Francisco Tavares (fls. 936 e 951), o qual também sacou o montante de R$ 40.000,00 em 15.6.2012 (fl. 958). Um outro cheque de R$ 100.000,00, emitido ao próprio PDT, foi sacado em 15.6.2012 (fls. 739 e 959). Também o tesoureiro da agremiação, Paulo Leandro Lima das Chagas, realizou inúmeros saques valendo-se da mesma sistemática. Cite-se, de exemplo: R$ 60.000,00 em 18.5.2012 (fl. 924); R$ 40.000,00 em 18.4.2012 (fl. 907); R$ 30.000,00 em 17.5.2012 (fl. 923); R$ 20.000,00 em 04.4.2012 (fl. 901); R$ 12.000,00 em 17.4.2012 (fl. 904); R$ 10.000,00 em 17.5.2012 (fl. 925); 1 saque de R$ 5.000,00 em 09.3.2012 (fl. 882) e 3 saques de R$ 5.000,00 em 20.4.2012 (fls. 898, 899, 900); 4 saques de R$ 4.000,00 entre as datas de 24.01.2012 e 06.6.2012 (fls. 861, 871, 905 e 942). Citam-se apenas os saques de maior quantia; além dos enumerados acima, ainda se identifica uma infinidade de saques de valores menores realizados pelo próprio tesoureiro da agremiação. (Grifei.)

Convém gizar, como delineado, que os atos foram praticados por pessoas ligadas ao PDT de Triunfo, sigla que integrou a Coligação Triunfo no Coração, a mesma pela qual concorriam os recorrentes

Examinando a prova dos autos, verificam-se fotografias de residências localizadas em Triunfo (fl. 457 e seguintes), sendo na maioria casas muito simples e carentes, que possuíam na sua área da frente placas de propaganda eleitoral dos recorrentes e também material de construção. Como exemplo, a foto da fl. 459 estampando casa com a propaganda do Prof. Guildo (recorrente Guildo Edilio), além de pedras, brita e areia; a foto da fl. 476, mostrando terreno com propaganda do recorrente João Batista e tijolos; e a foto da fl. 520, na qual aparece uma casa com placa de propaganda do recorrente José Valmir, nome da urna “Valmirão”, em que se observa uma carga de brita.

Embora tenham sido juntados aos autos os requerimentos de moradores solicitando serviços com máquinas da prefeitura (fls. 1465-1581 do volume 07, íntegra dos volumes 08 e 09, e volume 10 até fl. 1920), tenho que o próprio resultado das interceptações no que tange ao tema “protocolo” descaracteriza a validade da alegação de que os trabalhos teriam sido realizados sem pedido de votos. A prova demonstra que no período eleitoral, e em meses muito próximos ao pleito, o aparato da prefeitura foi todo voltado à realização de serviços a particulares, situação que é vedada pela legislação eleitoral e inclusive tem previsão de enquadramento como conduta vedada, espécie do gênero abuso de poder.

É bem verdade que o legislador dispensou um tratamento diferenciado em relação ao administrador que possui um plano de governo de médio e longo prazo, cujo projeto se inclui a prestação de serviços assistenciais aos necessitados, daquele administrador desprovido de uma estratégia governamental minimamente duradoura e que privilegia ações imediatistas, situação que dá ensejo à conotação eleitoral e que entendo perfeitamente delineada nestes autos.

Quanto à prova oral produzida em audiência, o depoimento de Jardel Palhano (mídia na fl. 2251), suplente de vereador que concorreu pela oposição, ouvido na condição de informante do juízo, afirmou que o recorrente João Batista lhe ofereceu três mil reais e um cargo em comissão na prefeitura para que desistisse de sua candidatura. Jardel confirmou a realização de troca de placas da coligação da oposição pelas placas da coligação pela qual concorriam os recorrentes. Disse que era o morador quem determinava a forma como seria feito o pagamento, se mediante dinheiro, comida ou material de construção.

Susana Bispo, candidata a vereadora, também ouvida na condição de informante, confirmou suas declarações perante o Ministério Público Eleitoral (fls. 131-132) no sentido de que gravou uma conversa em sua casa na qual o recorrente Guildo Edílio, com o candidato a prefeito Marcelo, ofereceu-lhe um emprego na prefeitura em troca da desistência de sua candidatura e da prestação de apoio político (mídia na fl. 2251).

A testemunha Gilmar Batista do Prado afirmou que foi obrigado a colocar uma placa do partido 12 em frente à sua borracharia por funcionários da prefeitura (mídia na fl. 2251).

A testemunha de defesa Venize Dias Pedrão afirmou que trabalhou na campanha do recorrente Guildo como cabo eleitoral, fazendo visitas nas casas dos eleitores, e disse que nunca tratou ou presenciou a compra de votos. Afirmou que, quando os eleitores pediam algo, o candidato simplesmente ia embora, e ressaltou que há uma cultura social de pedir bens e valores aos candidatos (mídia na fl. 2251).

João Luis da Silva Gomes, cabo eleitoral do recorrente Guildo, disse que não presenciou compra de votos durante a campanha (mídia na fl. 2251).

Adriano Costa da Silva, cabo eleitoral do recorrente Guildo, também negou a ocorrência de compra de votos. Disse que a orientação da campanha era a de ganhar o voto do eleitor sem promessa de alguma vantagem ou favorecimento (mídia na fl. 2251).

A testemunha Paulo Rogério Ventura Pedrão disse que colocou em sua casa uma placa do candidato Guildo sem receber nada em troca (mídia na fl. 2251).

A testemunha Fabrício Sotero da Silva disse que o recorrente João Batista fez uma visita em sua casa e que não houve compra de votos (mídia na fl. 2251).

Lisandra dos Reis Dutra afirmou que uma mensagem de texto enviada do seu celular ao recorrente João Batista foi interceptada pela polícia. A mensagem dizia: João Batista. Vocês me falaram em um valor e me deram só a metade.... Lisandra explicou que a cobrança se referia ao pagamento de uma consulta de fisioterapia (mídia na fl. 2251).

Evaldo Lopes de Campos, operador de máquinas da prefeitura, disse que trabalhou como subordinado do recorrente José Valmir na administração municipal, e que executou serviços com maquinário público sem conotação eleitoral (mídia na fl. 2251).

As testemunhas abonatórias Luiz Carlos Alves de Abreu, Jairo de Jesus Alves da Silva e Norma Salete nada sabiam sobre os fatos (mídia na fl. 2251).

Embora tenha sido colhida prova testemunhal abonando a conduta dos candidatos, tem-se que os depoimentos prestados por cabos eleitorais e apoiadores de campanha devem ser aferidos com reservas, dada a relação de subordinação entre o cabo eleitoral e o candidato, que apontam para o interesse no feito.

Nesse contexto, o conjunto probatório, sendo este considerado em toda a sua extensão, mormente pelas provas orais e documentais existentes nos autos e produzidas pelas partes, valorado em companhia da sentença recorrida e das razões de reforma, conduzem ao desprovimento dos recursos, pois está plenamente demonstrada a finalidade eleitoral e o abuso no agir dos recorridos.

Depreende-se das provas dos autos, sólida e robusta, a existência de um grande esquema de compra de votos, executado pelos próprios recorrentes e por seus cabos eleitorais durante a campanha ao pleito de 2012.

De acordo com o XVI do art. 22 da LC 64/90, incluído pela LC 135, de 2010, para a configuração do ato abusivo não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Por oportuno, colacionam-se os seguintes precedentes do colendo Tribunal Superior Eleitoral sobre a necessidade de se averiguar na AIJE a seriedade e gravidade do ato a comprometer a normalidade e legitimidade do pleito:

Representação. Captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico. Cassação de diploma. Inelegibilidade. Candidato a senador e suplentes.

(…)

Na hipótese de abuso do poder econômico, o requisito da potencialidade deve ser apreciado em função da seriedade e da gravidade da conduta imputada, a vista das particularidades do caso, não devendo tal analise basear-se em eventual número de votos decorrentes do abuso, ou mesmo em diferença de votação, embora essa avaliação possa merecer criterioso exame em cada situação concreta. (TSE, RO - Recurso Ordinário n° 2098 - Porto Velho/RO - Acórdão de 16/06/2009 - Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES).

(...)

0 reconhecimento da potencialidade em cada caso concreto implica o exame da gravidade da conduta ilícita, bem como a verificação do comprometimento da normalidade e da legitimidade do pleito, não se vinculando necessariamente apenas a diferença numérica entre os votos ou a efetiva mudança do resultado das urnas, embora essa avaliação possa merecer criterioso exame em cada situação concreta. Precedentes.

(TSE, RCED - Recurso Contra Expedição de Diploma n° 661 - Aracaju/SE - Acórdão de 21.09.2010 - Relator Min. ALDIR GUIMARAES PASSARINHO JUNIOR)

Conforme se observa, a ilicitude da conduta deve ser examinada sob o enfoque da gravidade das circunstâncias, que constitui pressuposto essencial para o reconhecimento do abuso do poder.

No caso, não há como negar a gravidade das circunstâncias diante do grande número de pessoas aliciadas com a promessa, a oferta e a entrega dos mais variados tipos de vantagens, verificando-se que houve diversas reiterações da conduta de corrupção eleitoral.

Diante do vasto material probatório formado ao término da instrução processual, tem-se que, de fato, a normalidade e a lisura das eleições proporcionais no Município de Triunfo foram sensivelmente deturpadas pelos abusos apurados nestes autos.

Por fim, oportuno mencionar que este Tribunal vinha entendendo, acompanhando reiterada e pacífica jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que o reconhecimento de ilícitos perpetrados por vereador cassado tornaria nula a votação por ele auferida, não havendo possibilidade do cômputo desses votos para a legenda, não se plicando à espécie os termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, pois teria sido superado pelo art. 16-A, parágrafo único, da Lei das Eleições.

Todavia, considerando o recente posicionamento do TSE pela não incidência do art. 16-A da Lei 9.504/97 em casos como o presente, ao entendimento de que os votos obtidos por candidato, cujo registro encontrava-se deferido na data do pleito eleitoral, não são anulados, mas contados a favor da legenda pela qual o parlamentar se candidatou, nos termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, inviável o pedido de recálculo dos votos. Nesse sentido os precedentes do TSE: MS n. 1394-53/MS e MS n. 4787-96/CE, AgR-RESPE n. 416-58, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 2.6.2014, AgR-RESPE n. 740-50, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 3.6.2014; AgR-REspe n. 749-18, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27.5.2014 e AgR-RESPE n. 1104, Acórdão de 25/06/2014, rel. Min. Henrique Neves da Silva, Dje de 5.8.2014, p. 288).

Quanto ao mérito da ação cautelar AC 50-47, a qual se julga em conjunto em face da conexão, acolho aqui também a tese, já consagrada nesta Corte, de que no caso de mandato de vereador não há que se invocar aspectos relativos à inconveniência da sucessividade no quadro dos agentes políticos. Ademais, o julgamento do recurso na AIJE leva à perda de objeto da ação cautelar, pois, uma vez desconstituído o mandato do cargo eletivo, não há mais sentido no pedido de efeito suspensivo da decisão de primeiro grau.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento dos recursos e pela perda do objeto da ação cautelar.

De ofício, determino o cômputo dos votos para a legenda, o que deverá ser procedido após o julgamento de eventuais embargos declaratórios.