RE - 1584 - Sessão: 02/10/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Os autos cuidam de recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 149-160) e por AKT PRODUÇÃO, SONORIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EVENTOS LTDA. e ALUISIO CURTINOVE TEIXEIRA, sócio-gerente da empresa e candidato a prefeito (fls. 161-167), contra decisão do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório – que julgou parcialmente procedente a representação por doação para campanha eleitoral acima do limite legal, ajuizada pelo primeiro, condenando os representados ao pagamento de multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), nos termos do disposto no art. 81 da Lei n. 9.504/97.

O juízo sentenciante motivou sua decisão no fato de a representada ter realizado doação eleitoral estimável em R$ 3.000,00 (três mil reais) nas eleições municipais de 2012, valor superior a 2% (dois por cento) do faturamento bruto auferido no ano anterior, visto que declarou não ter obtido rendimentos no exercício financeiro de 2011 (fls. 136-147).

Em suas razões, o Ministério Público requer a aplicação integral das cominações legais previstas no art. 81 da Lei 9.504/97 e no art. 1°, inciso I, p, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 149-160).

Os representados, por sua vez, alegam, em preliminar, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, pois o juízo originário indeferiu a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa. No mérito, aduzem que a doação estimável em dinheiro, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), refere-se a empréstimo de equipamento de som utilizado para divulgar jingle da campanha do então candidato a prefeito ALUISIO CURTINOVE TEIXEIRA. Afirmam que a referida aparelhagem é de propriedade de ALUISIO (pessoa física), não fazendo parte do patrimônio da empresa AKT. Asseveram que, em virtude de erro contábil na prestação de contas de campanha, foi registrada a doação como sendo da pessoa jurídica ao invés da física. Por fim postulam a reforma da sentença, a fim de que seja afastada a multa imposta (fls. 161-167).

Com contrarrazões de ambos recorrentes (fls. 170-173 e 175-185), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo não provimento dos recursos (fls. 188-194).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do tríduo legal.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, devem ser conhecidos.

2. Preliminar de cerceamento de defesa

Os representados alegam, em preliminar, cerceamento de defesa em virtude de ter o juízo monocrático indeferido pedido de oitiva de testemunhas, as quais teriam a finalidade de provar erro contábil na prestação de contas do candidato a prefeito ALUISIO.

A prefacial foi bem analisada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer às fls. 188-194, cujos argumentos a seguir transcrevo e adoto como razões de decidir:

O Juízo de primeiro grau, na decisão da fl. 101 e verso, entendeu ser despicienda a inquirição de testemunhas, pois cuidam os autos de matéria de fato que se demonstra documentalmente, motivo pelo qual deixou de ouvir as testemunhas arroladas pela defesa, aplicando, subsidiariamente, o art. 130 do CPC.

De fato, a alegação de que teria havido equívoco na indicação do doador, ou mesmo a de que os equipamentos de som cedidos à campanha do candidato pertencem à pessoa física, e não à pessoa jurídica, não são passíveis de serem demonstradas por meio de oitiva de testemunhas, sendo suficiente a análise dos documentos coligidos aos autos.

Em situações tais, o indeferimento da prova oral, por se mostrar desnecessária ao desate da questão, não configura cerceamento de defesa.

Nesse sentido:

ELEIÇÃO 2010 – RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO POR EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE DOAÇÃO - PESSOA JURÍDICA - PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE VÍCIO PROCEDIMENTAL REJEITADAS - PREJUDICIAIS DE DECADÊNCIA E DE PROVA ILÍCITA AFASTADAS - CONDENAÇÃO - MULTA - PROIBIÇÃO PARA LICITAR E CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO - AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL - EFEITO SUSPENSIVO - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE DO DIREITO VINDICADO - AGRAVO RETIDO IMPROVIDO - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO - CAUTELAR INDEFERIDA.

1. As provas documentais são suficientes para comprovação ou não da extrapolação do limite de doação. Não havendo necessidade de oitiva de testemunhas, não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento da produção da prova oral. Preliminar rejeitada. Agravo retido improvido.

(...)

(TRE/DF, RECURSO ELEITORAL (1ª instância) nº 34749, Acórdão nº 5541 de 06/11/2013, Relator JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 230, Data 06/12/2013, Página 04/05. )

A preliminar, pois, merece ser afastada.

Afasto, portanto, a preliminar aventada.

Passo ao exame do mérito.

3. Mérito

O art. 81 da Lei n. 9.504/97 assim dispõe:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa. […]

Na espécie, o Ministério Público Eleitoral alega que a empresa representada efetuou doação estimável em dinheiro, no montante de R$ 3.000,00 (três mil reais), ao candidato ALUISIO, sem que houvesse auferido rendimentos no ano anterior ao pleito (fls. 02-08 e 123-126).

Tal operação encontra-se registrada na prestação de contas do candidato (fls. 47 e 49).

Restou comprovada a ausência de faturamento pela empresa no ano anterior ao pleito (2011) (fls. 82-94).

Em sua manifestação, os representados reconhecem a existência da doação em valor estimado de R$ 3.000,00 relativa a empréstimo de equipamento de som para divulgar o jingle da campanha do então candidato a prefeito ALUISIO, durante o período eleitoral, mas argumentam que tal equipamento é de propriedade do candidato ALUISIO CURTINOVE TEIXEIRA (pessoa física) e que, em virtude de erro na contabilidade, a doação teria sido registrada na prestação de contas do candidato como originária da empresa AKT PRODUÇÃO, SONORIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EVENTOS LTDA, de propriedade do candidato. Informam que a referida empresa não possui patrimônio, sendo utilizados na execução de suas atividades os equipamentos de propriedade do sócio-administrador ALUISIO (fls. 161-167).

A controvérsia cinge-se, aqui, não ao fato de a empresa ter ou não auferido rendimentos no ano anterior ao pleito, mas, isto sim, no suposto erro na contabilidade do candidato, o qual teria registrado a doação de bem estimável em dinheiro em nome da empresa e não da pessoa física.

De fato, na prestação de contas do candidato ALOISIO encontra-se registrada a cessão de equipamento de som para divulgar o jingle de campanha da majoritária (fls. 47 e 49), constando como doadora a pessoa jurídica AKT PRODUÇÃO DE EVENTOS LTDA.

Todavia, nos termos da declaração da fl. 81, a empresa AKT PRODUÇÃO DE EVENTOS LTDA não possui nenhum patrimônio, sendo que todos os equipamentos por ela utilizados na execução de suas atividades são pertencentes ao sócio-administrador ALUISIO CURTINOVE TEIXEIRA.

Nos termos do art. 1.226 do Código Civil, a propriedade de bem móvel se transfere por mera tradição, podendo-se pressupor que ocorreu, efetivamente, um equívoco na denominação do doador do bem estimável na prestação de contas oferecida, visto que a empresa permaneceu sem efetuar qualquer atividade operacional durante o ano de 2011, assim como em 2012, de acordo com as declarações de informações sócioeconômicas e fiscais constantes nas fls. 84-94.

Desse modo, a propriedade do referido equipamento confunde-se com o patrimônio da AKT PRODUÇÃO DE EVENTOS LTDA e a pessoa física do recorrente, motivo pelo qual não se mostra razoável manter a condenação imposta pela sentença de primeiro grau.

Destaco, ainda, que não vislumbro na referida cessão de bem móvel (aparelhagem de som) conduta com efeito de ferir a legislação eleitoral, cujo objetivo é evitar o financiamento de campanhas eleitorais à margem da lei, de modo a atenuar a influência do poder econômico do doador sobre as eleições e sobre o exercício do mandato eventual do donatário.

Lembro que o que a lei busca coibir é o uso do poder econômico a desequilibrar o processo eleitoral, afetando a saudável paridade entre os candidatos. Não é o que vejo nos autos.

Assim, inexistindo certeza sobre a doação da pessoa jurídica representada, deve ser provido o recurso interposto AKT PRODUÇÃO, SONORIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EVENTOS LTDA e ALUISIO CURTINOVE TEIXEIRA, julgando-se improcedente a representação.

Por outro lado, quanto à irresignação do Ministério Público Eleitoral, no sentido de que sejam aplicadas integralmente as cominações legais previstas no art. 81 da Lei 9.504/97 e no art. 1°, inciso I, p, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 418-423), penso que não merece prosperar.

Explico.

Em relação à proibição de participação em licitações públicas e de celebração de contratos com o Poder Público, entendo que são penas que devem ser reservadas aos casos de grave extrapolação dos limites, não sendo a hipótese dos autos.

Nesse sentido decidiu este Tribunal no julgamento da RP 992, em junho de 2010, da relatoria da Desa. Marga Tessler:

Representação. Pessoa jurídica. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal, contrariando o disposto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2006.

Evidenciados a identificação da empresa demandada e o valor excedente ao limite legal, critérios objetivos na aferição da regularidade da doação impugnada, insuscetíveis de relativizações.

Interpretação sistemática da legislação disciplinadora das doações eleitorais, a revelar que o espírito da lei é evitar o abuso de poder econômico, tornando democrático, transparente e legítimo o financiamento de campanha proveniente da iniciativa privada. Aplicação da sanção pecuniária em seu patamar mínimo, afastada a incidência das demais penalidades previstas no art. 81, § 3º, da Lei das Eleições.

Procedência. (Grifei.)

Quanto à declaração de inelegibilidade dos dirigentes da pessoa jurídica recorrente, entendo incongruente com o sistema eleitoral brasileiro. A suspensão dos direitos políticos transcende – em muito – ao sancionamento econômico que já se estabeleceu. Por isso, a declaração judicial de inelegibilidade não pode ser considerada sem relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente a pessoa vier a se candidatar.

Assim prescreve ao § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/97:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

A questão foi bem analisada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 188-194), cujo trecho do parecer a seguir transcrevo:

Por fim, quanto à inelegibilidade dos responsáveis pela pessoa jurídica, cumpre observar que se trata de consequência prevista em lei. Ainda que venha a ser declarada no acórdão, sabe-se que ela não possui natureza jurídica de pena/sanção, tratando-se, pois, de um requisito, ou seja, de uma condição para que o cidadão possa se candidatar a ocupar cargos eletivos da maior relevância para a sociedade, visando, dessa forma, a proteger e assegurar a própria legitimidade do sistema democrático e a probidade administrativa, na linha do que impõe o § 9º da Constituição Federal.

Nesse ponto, cabe transcrever o voto do Ministro Arnaldo Versiani, do E. Tribunal Superior Eleitoral, nos autos da Consulta nº 114709, julgada em 17 de junho de 2010:

“A inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação éque, por si, acarreta a inelegibilidade. uma vez que a inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si, acarreta ainelegibilidade.

A decisão, por exemplo, de Tribunal de Contas que rejeita as contas de determinado cidadão não o declara inelegível. A inelegibilidade advém do disposto na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. E é o que ocorre com todas as demais inelegibilidades, inclusive com que não se está diante de perda de direitos políticos, nem de punição, respondo a pergunta afirmativamente.”

Assim, a novel legislação prevê uma consequência reflexa da condenação da pessoa jurídica, que atinge os seus administradores, a qual será aferida no momento oportuno, qual seja, em eventual pedido de registro de candidatura feito pelos ora responsáveis.

Nesse sentido:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE DOAÇÃO - PESSOA JURÍDICA - ARTIGO 81, §1º, DA LEI N.º 9.504/97 - DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL VERIFICADO - SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA NO MÍNIMO LEGAL - AUSÊNCIA DE QUEBRA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO - DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE DOS DIRIGENTES DAS PESSOAS JURÍDICAS DOADORAS - ARTIGO 1º, I, "P", DA LEI COMPLEMENTAR - INELEGIBILIDADE REFLEXA - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA A DECLARAÇÃO DA INELEGIBILIDADE - INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL NESTE PONTO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUANTO A ESTE TÓPICO - RECURSO PREJUDICADO.

1. Verificado o excesso de doação não atenta contra o princípio da proporcionalidade a aplicação de sanção pecuniária em seu grau mínimo.

2. A inelegibilidade das pessoas físicas dirigentes das pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais não é sanção prevista no artigo 81 da Lei n.º 9.504/97, mas efeito reflexo, previsto no artigo 1º, I, "p", da Lei Complementar n.º 64/90, da declaração de ilegalidade da doação por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral.

3. Neste contexto, é inadequado o pedido de declaração de inelegibilidade no bojo desta representação, uma vez que o pressuposto da referida inelegibilidade é a decisão confirmada por órgão colegiado, sendo impossível ao juízo de primeiro grau conhecer deste pedido.

4. Recurso principal desprovido.

5. Recurso adesivo conhecido. Extinção do feito sem resolução do mérito quanto a declaração de inelegibilidade de ofício. Recurso prejudicado.

(TRE/PR, RECURSO ELEITORAL nº 8210, Acórdão nº 46778 de 09/12/2013, Relator MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 8/1/2014 ) (Grifou-se)

A mencionada causa de inelegibilidade em apreço deverá ser aferida por ocasião de eventual candidatura em pleito futuro, uma vez que, a teor do § 10 do art. 11 da Lei das Eleições “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura”, princípio, aliás, reafirmado pela Suprema Corte quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.ºs 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4578, que declararam a compatibilidade material da Lei Complementar n.º 135/2010 com a Constituição brasileira.

Assim, deixo de acolher a irresignação do Ministério Público Eleitoral.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto por AKT PRODUÇÃO, SONORIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EVENTOS LTDA. e ALUISIO CURTINOVE TEIXEIRA e pelo desprovimento do apelo ofertado pelo Ministério Público Eleitoral, reformando a sentença para julgar improcedente a representação.