RE - 7253 - Sessão: 03/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Os autos cuidam de recurso interposto por MTC DO BRASIL LTDA. - ME e por seus sócios-administradores FLÁVIO FAGUNDES PRADIÉ e TAÍS MONIQUE MACHADO MOTTA (fls. 106-110) contra decisão do Juízo da 158ª Zona Eleitoral – Porto Alegre –, que julgou procedente a representação por doação para campanha eleitoral acima do limite legal, condenando a empresa ao pagamento de multa no valor de R$ 14.870,33 (quatorze mil, oitocentos e setenta reais e trinta e três centavos), montante correspondente a cinco vezes o excesso da quantia doada, proibindo-a de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de cinco anos, bem como declarando os sócios-administradores inelegíveis por oito anos (fls. 93-97).

O juízo sentenciante motivou sua decisão no fato de a empresa representada ter realizado doação estimável em dinheiro de R$ 3.800,10 (três mil e oitocentos reais e dez centavos) nas eleições municipais de 2012, valor superior a 2% (dois por cento) do faturamento bruto auferido no ano anterior, visto que os rendimentos por ela declarados no exercício financeiro de 2011 foram de R$ 41.301,71 (quarenta e um mil, trezentos e um reais e setenta e um centavos).

Em suas razões, os recorrentes, em preliminar, suscitam a decadência. Quanto ao mérito, alegam que a doação foi estimável em dinheiro, consistente em material de propaganda eleitoral (santinhos), em pouca quantidade, de pequeno valor e de simples confecção, devendo, em virtude dessas características, ser aplicados à situação os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, pois entendem ausente, na espécie, o abuso de poder econômico. Sustentam, ainda, que a conduta não foi dolosa. Reiteram a inadequação da declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores e, ao fim, postulam a extinção do feito, em virtude da preliminar aventada, ou, caso apreciado o mérito, seja dado provimento ao recurso, julgando-se improcedente a representação (fls. 106-110).

Com contrarrazões (fls. 113-115), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo parcial provimento do recurso, no sentido de reformar a sentença no que diz com a proibição de a empresa participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de cinco anos, e com a declaração de inelegibilidade dos representantes da pessoa jurídica (fls. 118-122).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

1.1. Preliminar de decadência

Os recorrentes alegam a decadência do direito de ação, pois a representação teria sido ofertada após o prazo de 180 dias a contar da diplomação.

A preliminar foi bem analisada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer de fls. 118-122, cujo teor a seguir transcrevo e adoto como razão de decidir:

O douto juízo a quo, na decisão recorrida, afastou a preliminar arguida pela defesa, de decadência.

A alegação de decadência não procede eis que a prefacial foi protocolada em 14/06/2013, dentro do prazo legal de 180 dias determinado por lei, considerando que a diplomação ocorreu em 19/12/2012. O prazo, segundo a lei, é da propositura da ação e não do recebimento junto ao cartório que irá processar a representação. Desta forma, restou imaculado o prazo.

Destaco que a representação foi protocolada no Cartório da 2ª Zona Eleitoral, juízo responsável pela distribuição dos feitos relativos à circunscrição eleitoral de Porto Alegre, em 14.06.2013, portanto, dentro do prazo legal de 180 dias, visto que a diplomação dos eleitos no município de Canoas se deu em 19.12.2012 (fl. 10).

Afasto, portanto, a preliminar aventada.

Passo ao exame do mérito.

2. Mérito

O art. 81 da Lei n. 9.504/1997 assim dispõe:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

[…]

Na espécie, restou incontroverso que a empresa representada efetuou doação em valor estimado no montante de R$ 3.800,10 (três mil e oitocentos reais reais e dez centavos), operação por ela reconhecida e confirmada por meio da emissão de recibo eleitoral (fls. 49 e 132). Igualmente ficou comprovado que a referida pessoa jurídica auferiu faturamento de R$ 41.301,71 (quarenta e um mil, trezentos e um reais e setenta e um centavos) no exercício de 2011, ano anterior às eleições municipais de 2012 (fls. 82-94).

Portanto, tendo em vista que a legislação estabelece que as doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais ficam limitadas a 2% (dois por cento) do faturamento bruto auferido no ano anterior à eleição, conclui-se que a empresa extrapolou o referido limite em R$ 2.974,06 (dois mil, novecentos e setenta e quatro reais e seis centavos), já que poderia doar, no máximo, R$ 826,03 (oitocentos e vinte e seis reais e três centavos), correspondentes a 2% de seu faturamento no exercício de 2011, conforme declarado à Receita Federal.

Desse modo, não há como acolher os argumentos expostos pelos recorrentes, os quais alegam que a doação foi estimável em dinheiro, consistente em material de propaganda eleitoral (santinhos), em pouca quantidade, de pequeno valor e de simples confecção, devendo, em virtude destas características, ser aplicados à situação os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, pois entendem ausente, na espécie, o abuso de poder econômico.

Destaco que a norma regente é clara e objetiva ao limitar as doações por parte das pessoas jurídicas ao patamar de 2% do faturamento bruto auferido no ano anterior ao pleito, não se questionando a conduta, a boa-fé do doador ou a potencialidade de o valor vir a afetar o quadro das eleições.

Nessa linha de argumentação, convém reproduzir excerto do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 118-122):

Vale sublinhar que a lei eleitoral não impôs outras condições ou critérios para que se configure o ilícito e aplique-se a penalidade, nem mesmo exige, quanto ao valor irregularmente doado, que ostente potencialidade para eventualmente influir no resultado das eleições.

Além de evitar o abuso de poder econômico por parte dos candidatos, o art. 81 tem por escopo evitar financiamentos à margem da lei em troca de vantagens e favorecimento a serem obtidos quando o candidato ou partido beneficiado pela doação atingirem o poder. Por tais razões, impõe-se a rigorosa observância das penalidades previstas para a hipótese de infração ao referido artigo.

Na consecução de tais objetivos legais, inteiramente conformes ao preceito do § 9º do art. 14 da Constituição da República, que preconiza a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico, é necessário sejam rigorosamente observadas as penalidades previstas para a hipótese de infração ao referido dispositivo.

Assim, tendo em vista os argumentos esposados e o excesso de doação configurado, é de rigor a incidência da norma prevista no art. 81, da Lei 9.504/97.

Desse modo, inexiste possibilidade de se aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ao caso concreto, tampouco juízo de ponderação acerca da boa ou má-fé dos recorrentes.

Registro, por outro lado, que a multa foi cominada em seu grau mínimo (cinco vezes o valor da quantia apurada em excesso – art. 81, § 2°, da Lei n. 9.504/1997 ), demonstrando que o juiz singular levou em conta os argumentos dos representados quando da aplicação da dosimetria da pena.

Por essas razões, entendo ser devida a pena de multa imposta à empresa, no valor de R$ 14.870,33 (quatorze mil, oitocentos e setenta reais e trinta e três centavos), ressalvando-se que a importância deverá ser recolhida ao Fundo Partidário.

Quanto às demais sanções, (a) proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público, pelo prazo de cinco anos; e (b) declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores pelo período de 8 (oito) anos, tenho que não merecem prosperar.

Explico.

Em relação à proibição de participação em licitações públicas e de celebração de contratos com o Poder Público, entendo que são penas que devem ser reservadas aos casos de grave extrapolação dos limites, não sendo a hipótese dos autos.

Nesse sentido decidiu este Tribunal no julgamento da RP 992, em junho de 2010, da relatoria da Desa. Marga Tessler:

Representação. Pessoa jurídica. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal, contrariando o disposto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2006.

Evidenciados a identificação da empresa demandada e o valor excedente ao limite legal, critérios objetivos na aferição da regularidade da doação impugnada, insuscetíveis de relativizações.

Interpretação sistemática da legislação disciplinadora das doações eleitorais, a revelar que o espírito da lei é evitar o abuso de poder econômico, tornando democrático, transparente e legítimo o financiamento de campanha proveniente da iniciativa privada. Aplicação da sanção pecuniária em seu patamar mínimo, afastada a incidência das demais penalidades previstas no art. 81, § 3º, da Lei das Eleições.

Procedência. (Grifei.)

Quanto à declaração de inelegibilidade dos dirigentes da pessoa jurídica recorrente, entendo incongruente com o sistema eleitoral brasileiro. A suspensão dos direitos políticos transcende – em muito – ao sancionamento econômico que já se estabeleceu. Por isso, a declaração judicial de inelegibilidade não pode ser considerada sem relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente a pessoa vier a se candidatar. Assim prescreve o § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/1997:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

A questão foi bem analisada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 118-122), cujo trecho do parecer a seguir transcrevo:

Por fim, quanto à inelegibilidade dos responsáveis pela pessoa jurídica, cumpre observar que se trata de consequência prevista em lei. Ainda que venha a ser declarada no acórdão, sabe-se que ela não possui natureza jurídica de pena/sanção, tratando-se, pois, de um requisito, ou seja, de uma condição para que o cidadão possa se candidatar a ocupar cargos eletivos da maior relevância para a sociedade, visando, dessa forma, a proteger e assegurar a própria legitimidade do sistema democrático e a probidade administrativa, na linha do que impõe o § 9º da Constituição Federal.

Nesse ponto, cabe transcrever o voto do Ministro Arnaldo Versiani, do E. Tribunal Superior Eleitoral, nos autos da Consulta nº 114709, julgada em 17 de junho de 2010:

“A inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si, acarreta a inelegibilidade. uma vez que a inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si, acarreta a inelegibilidade.

A decisão, por exemplo, de Tribunal de Contas que rejeita as contas de determinado cidadão não o declara inelegível. A inelegibilidade advém do disposto na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. E é o que ocorre com todas as demais inelegibilidades, inclusive com que não se está diante de perda de direitos políticos, nem de punição, respondo a pergunta afirmativamente.”

Assim, a novel legislação prevê uma consequência reflexa da condenação da pessoa jurídica, que atinge os seus administradores, a qual será aferida no momento oportuno, qual seja, em eventual pedido de registro de candidatura feito pelos ora responsáveis.

Nesse sentido:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE DOAÇÃO - PESSOA JURÍDICA - ARTIGO 81, §1º, DA LEI N.º 9.504/97 - DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL VERIFICADO - SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA NO MÍNIMO LEGAL - AUSÊNCIA DE QUEBRA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO - DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE DOS DIRIGENTES DAS PESSOAS JURÍDICAS DOADORAS - ARTIGO 1º, I, "P", DA LEI COMPLEMENTAR - INELEGIBILIDADE REFLEXA - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA A DECLARAÇÃO DA INELEGIBILIDADE - INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL NESTE PONTO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUANTO A ESTE TÓPICO - RECURSO PREJUDICADO.

1. Verificado o excesso de doação não atenta contra o princípio da proporcionalidade a aplicação de sanção pecuniária em seu grau mínimo.

2. A inelegibilidade das pessoas físicas dirigentes das pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais não é sanção prevista no artigo 81 da Lei n.º 9.504/97, mas efeito reflexo, previsto no artigo 1º, I, "p", da Lei Complementar n.º 64/90, da declaração de ilegalidade da doação por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral.

3. Neste contexto, é inadequado o pedido de declaração de inelegibilidade no bojo desta representação, uma vez que o pressuposto da referida inelegibilidade é a decisão confirmada por órgão colegiado, sendo impossível ao juízo de primeiro grau conhecer deste pedido.

4. Recurso principal desprovido.

5. Recurso adesivo conhecido. Extinção do feito sem resolução do mérito quanto a declaração de inelegibilidade de ofício. Recurso prejudicado.

(TRE/PR, RECURSO ELEITORAL nº 8210, Acórdão nº 46778 de 09/12/2013, Relator(a) MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 8/1/2014 )

(Grifou-se)

Com efeito, a mencionada causa de inelegibilidade em apreço deverá ser aferida por ocasião de eventual candidatura em pleito futuro, uma vez que, a teor do § 10 do art. 11 da Lei das Eleições “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura”, princípio, aliás, reafirmado pela Suprema Corte quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n.ºs 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4578, que declararam a compatibilidade material da Lei Complementar n.º 135/2010 com a Constituição brasileira.

Assim, há que se afastar as sanções de proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público, bem como a declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, afastando as sanções de proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público, e a declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores da empresa.