RE - 30844 - Sessão: 03/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos eleitorais interpostos por JOÃO CARLOS BRUM, EDSON DE ALMEIDA BORBA e DILSON RUI PILA DA SILVA (fls. 2.004-2.010; 2.011-2.061; 2.062-2.086) contra sentença do Juízo Eleitoral da 124ª Zona, que julgou procedente a ação de investigação eleitoral cumulada com representação por conduta vedada ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, condenando os recorrentes ao pagamento de multa no valor de R$ 15.961,50 e declarando-os inelegíveis para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2012, por reconhecer a prática prescrita no artigo 73, I e IV, da Lei n. 9.504/97, e a configuração do abuso de poder econômico e político, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n. 64/90.

O recorrente João Carlos Brum, então prefeito de Alvorada, em seu recurso, argui que não há isenção no laudo técnico referente a asfaltamento juntado pelo Ministério Público e que a colocação de brita nas ruas objetivava a sua manutenção e não atendimento de promessas de campanha. Aduz que não houve o alegado uso indevido de bem público, não havendo falar em abuso de poder.

Por sua vez, o recorrente Edson de Almeida Borba, à época candidato a prefeito de Alvorada, sustenta que o asfaltamento previsto no seu plano de governo não pode ser confundido com promessa eleitoreira. Acrescenta que as testemunhas não eram isentas, apresentando vinculação partidária e, ainda assim, nenhuma confirmou que o recorrente pediu votos com a promessa de colocação de brita. Ademais, argui que não tinha vínculo com a administração que possibilitasse sua anuência ou ingerência nos atos administrativos impugnados. Questiona a validade do laudo técnico apresentado pelo Ministério Público, de lavra de engenheiro civil. Requer o provimento do recurso para o fim de julgar improcedente a ação e afastar a inelegibilidade e a multa, e, alternativamente, a redução da multa para o mínimo legal.

Por fim, o recorrente Dilson Rui Pila da Silva, candidato a vice-prefeito, requer preliminarmente o indeferimento da inicial por ausência de individuação da conduta imputada ao recorrente, ocorrendo, assim, a ilegitimidade passiva. Ademais, alega que não teve nenhuma ingerência no Poder Executivo Municipal. Sustenta que a declaração de inelegibilidade possui caráter pessoal, não podendo ser alcançado pela declaração em relação aos demais recorrentes.

Com as contrarrazões, às fls. 2.094-2.101, nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

 

V O T OS

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos, pois interpostos no tríduo legal. A sentença foi publicada no DEJERS no dia 04.09.2013, quarta-feira (fl. 2.001), e os recursos interpostos em 06.09.2013, sexta-feira, e 09.09.2013, segunda-feira.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Preliminar de inépcia da inicial e ilegitimidade passiva

O recorrente Dilson Rui Pila da Silva, candidato a vice-prefeito, suscitou inépcia da inicial, ao argumento de que a peça não individualizou a conduta praticada pelo recorrente, modo consequente não ser ele parte legítima na demanda.

Observo que o candidato a vice-prefeito, em tese, era beneficiário das condutas representadas, tipificadas no art. 73 da Lei n. 9.504/97, incisos I e IV, que vedam a cessão ou uso de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração e a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público, em benefício de candidato, partido político ou coligação.

Da leitura dos parágrafos 4º e 8º do mesmo artigo se depreende a legitimidade dos beneficiários da conduta vedada, independente de sua atuação:

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

[...]

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

Consequentemente, há formação de litisconsórcio passivo necessário entre os responsáveis pela conduta e os candidatos beneficiários, bem assim com relação aos vices e suplentes nos casos de eleições majoritárias.

No sentido, reproduzo doutrina de Rodrigo López Zilio,

Em breves linhas, tem-se que os legitimados passivos da representação por conduta vedada são o candidato, o agente público, o partido político ou coligação partidária respectiva. Conforme preconiza o §1º do art. 73 da LE, a expressão agente público possui ampla concepção, atingindo todo aquele que possua vínculo, ainda que transitório ou sem remuneração, independente da forma de investidura, com a Administração Pública direta, indireta ou fundacional. Em regra, a conduta vedada é praticada pelo agente público, conforme prevê o art. 73, caput, da LE; no entanto, o candidato pode ser pessoalmente responsável pela conduta vedada (em conjunto ou não com o agente público) ou, ainda, ser beneficiário da conduta praticada pelo agente público. No caso de eleições majoritárias, o vice ou suplente é litisconsorte passivo necessário, já que a pena de cassação do diploma atinge a chapa como um todo. (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, pág. 502.) (Grifei.)

Assim, afasto a preliminar.

Mérito

Trata-se de recursos em ação de investigação judicial eleitoral cumulada com representação por conduta vedada ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral.

Os recorrentes João Carlos Brum, então prefeito de Alvorada, Edson de Almeida Borba e Dilson Rui Pila da Silva, respectivamente candidatos a prefeito e vice-prefeito, foram condenados ao pagamento de multa no valor de R$ de 15.961,50 e declarados inelegíveis para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição de 2012, pela prática das condutas vedadas no artigo 73, I e IV, da Lei n. 9.504/97, verbis:

São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[...]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

Também foi reconhecida a configuração do abuso de poder econômico e político, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n. 64/90.

No caso, conforme alegação do Ministério Público, João Carlos Brum, prefeito, autorizou no período eleitoral a colocação de britas em inúmeras ruas da cidade de Alvorada, a pedido do candidato a prefeito, Edson de Almeida Borba, beneficiando assim a chapa composta por Edson e Dilson.

A peça inicial sintetiza às fls. 07-08:

O modus operandi do grupo revela-se extremamente engenhoso e sofisticado, já que explora - eleitoralmente - um dos grandes déficits do município de Alvorada: a questão da infraestrutura e do asfaltamento urbano.

Em síntese, o agir dos representados consiste em, previamente, promover encontros com a comunidade a ser beneficiada pelas obras municipais, oportunidade em que determinados candidatos ao pleito vindouro pessoalmente compareceram ao local fazendo promessas de implantação de obras de asfaltamento nas ruas do bairro.

Em ocasião posterior, é providenciada pela municipalidade a distribuição de diversas cargas de brita, que são esparramadas em frente as residências dos eleitores, dando a impressão de que a obra asfáltica vai ser realizada.

Registre-se que todo local em que a brita é colocada resta devidamente ornamentado por propaganda eleitoral dos representados (havendo variação da propaganda do candidato a vereador, conforme a presença pessoal de cada qual, mas sempre com propaganda eleitoral do candidato a prefeito PROFESSOR BORBA).

Primeiramente, cabe ressaltar que a efetiva cedência ou uso de bens da Administração e a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público foi reconhecida pelo então chefe do executivo municipal, recorrente João Carlos Brum, apresentando como tese defensiva a falta de nexo entre a colocação da brita e a campanha de Edson Borba.

Para isso, afirma na peça recursal, fl. 2008, que A colocação de brita numa via pública não quer dizer que impreterivelmente a mesma deva ser asfaltada, e acrescenta que, conforme o seu Secretário de Obras, houve a decisão de colocar britas nas vias públicas sem pavimentação, uma vez que o saibro que estava sendo usado ocasionava muito barro com a chuva..., lembrando, mais adiante, que a manutenção das vias públicas é atribuição do Administrador Público local.

Argumentos críveis, não fosse a página oficial da Prefeitura Municipal de Alvorada, na internet – www.alvorada.rs.gov.br -, exibir notícia datada de 09.08.2012, período em questão, sob a manchete “Secretaria de Obras prepara diversas ruas para a colocação de asfalto” (fl. 68):

As ruas Vitória do Povo, Vista Alegre, localizadas no Bairro Umbu e Padre Chagas, José do Patrocínio no Jardim Porto Alegre, receberam camadas de brita-base, trabalho preparatório à colocação de asfalto. Com isso o número de ruas preparadas para receber asfalto sobe para 52.

O fato de que a prefeitura alavancou a distribuição de britas é incontestável e o objetivo do ato fica patente pela publicação do sítio oficial da Administração na internet: trabalho preparatório à colocação de asfalto, a despeito do declarado na defesa do recorrente.

Corroboram com o entendimento os depoimentos prestados em juízo e acostados aos autos em mídia, fl. 1.309, dos quais destaco excertos.

Depoente compromissado, Marcos Roberto Caduri de Almeida, sobre o fato afirma que houve colocação de britas nas ruas, principalmente nos bairros populares com promessa de futuro asfaltamento, presenciou o uso do maquinário da prefeitura e de máquinas alugadas para a realização do trabalho e acrescenta que uma vez colocada a brita vinha o pessoal e colocava bastante material do candidato do governo, Edson Borba.

Pedrolina Fernandes Correa, ouvida sem compromisso por ser mãe de vereador (não demandado no processo), disse que em 2010 houve mobilização de moradores no sentido de pagamento da pavimentação da rua, porém receberam da prefeitura a informação de que a obra só seria realizada em 2012. Pouco antes da colocação das britas, já no ano eleitoral, os moradores foram informados de reunião para tratar do asfaltamento onde estaria o Borba e representante da Prefeitura. Relatou que, embora o vereador comunicante da reunião não pedisse votos, portava material de campanha dos recorrentes.

A testemunha Ana Nicolau de Matos afirmou a ocorrência do pagamento de material para pavimentação em 2010, que somente em 2012 começou a ser feito. Contudo, houve apenas a colocação das britas antes do pleito e até a data da audiência, 25.06.2013, nada mais havia sido realizado.

Por conseguinte, a distribuição e o uso de bens e serviços públicos indica ter se dado em benefício dos candidatos e prestou-se para a promoção de suas campanhas eleitorais, restando presente o nexo entre a atividade do administrador público e a campanha dos candidatos.

Nesse sentido, o órgão ministerial representante atuante no município e, por isso, próximo dos fatos, sustentou que a participação do então prefeito revelava empenho pessoal em dar continuidade à sua administração, movimentando, para tanto, toda a máquina pública municipal, e, por outro lado, que todo local em que a brita é colocada resta devidamente ornamentado por propaganda eleitoral dos representados (fl. 08).

Destaco que se empenhou o recorrente Brum em afastar seu ato administrativo impugnado da promessa de campanha dos recorrentes candidatos. Na tentativa de fazê-lo restou a contradição acima apontada: afirmou o ex-prefeito que a intenção da colocação das britas era manutenção pura e simples das vias, sem pretensão de posterior asfaltamento, em contrariedade ao exibido na página oficial daquela prefeitura, na internet, onde se lia que a colocação do material visava futuro asfaltamento.

No aspecto da campanha eleitoral, no que tange ao conteúdo de promessas de asfalto, são fartas as provas dos autos.

As ruas com brita apresentam propagandas preponderantemente dos candidatos recorrentes ou vereadores apoiadores de sua candidatura, a exemplo das fotos de fls. 86, 88-A, 89, 122, 134, 135, 138, 143 e 159. Destaco a foto da fl. 67, faixa com inscrição de agradecimento ao vereador, do Prof. Borba/Cecoiba/Angela Milena e Secretário de Obras, pelo asfaltamento da rua 2.

Nos panfletos acostados aos autos verifica-se a significativa ênfase na promessa de pavimentação – ainda que não fosse o único elemento da campanha. A exemplo, a fotografia de placa de fl. 168 e o encarte de fl. 169. Do último se lê:

ATENÇÃO MORADORES

Base de brita é fundamental para pavimentação das ruas

Borba vai pavimentar 200km de ruas

Desempenhando a função de vereador, Borba indicou através da Câmara Municipal a colocação de brita base nas ruas da cidade como preparação para a pavimentação com PAVs ou asfalto.

Observo que a manutenção das vias públicas é atribuição do Poder Executivo Municipal; contudo, o ponto crucial que empresta ao ato caráter ilícito é a forma inescrupulosa como foi realizado.

Foi providenciada pela municipalidade a distribuição de diversas cargas de brita, que são esparramadas em frente as residências dos eleitores, e isto sem nenhum preparo do solo de modo a possibilitar o uso do material como fundamento de futuro asfalto.

A Promotoria de Justiça diligenciou no sentido de elaboração de parecer técnico de engenheiro civil sobre a viabilidade daquele material servir de base para asfalto (fls. 174-177). O Eng. Civil André Antônio Barth (Crea 33.992/D) assim conclui:

3.1- o simples espalhar de uma camada de brita sobre o leito de um arruamento de terra, sem nenhum outro serviço prévio de engenharia, não pode, nem nunca poderá ser considerado como uma medida preparatória à execução de um pavimento com concreto asfáltico tradicional. Procedendo-se assim a brita está sendo tecnicamente mal empregada e o material desperdiçado;

3.2- como já se disse acima, antes de uma execução de uma base de brita é necessário que seja removida toda uma camada de solo do leito da rua de terra, para acomodar as novas camadas de pavimento asfáltico. Após poderá ser executada a rede de drenagem pluvial, para só então se poder iniciar a execução do pavimento asfáltico propriamente dito. Na execução do pavimento asfáltico necessita-se executar antes do espalhamento da brita, a camada de regularização do subleito, a camada de reforço do subleito e a camada sub-base. Portanto, nas obras de pavimentação asfáltica como no caso em tela, antes doe espalhamento da brita, a boa técnica manda que sejam executados cinco outros serviços de engenharia.

Diante do esclarecedor parecer do engenheiro civil, resta inequívoco o caráter eleitoreiro da distribuição das cargas de brita, levando a população a esperar a conclusão da obra asfáltica no governo de Borba.

Além disso, o Promotor Eleitoral, que muito bem instruiu a presente representação, acostou aos autos um segundo parecer técnico, realizado pela Unidade de Assessoramento Contábil do Ministério Público do Rio Grande do Sul (fls. 181-183), que apresentou análise contábil com a apuração do montante gasto com compra de brita pela Administração Municipal.

Os recorrentes João Carlos Brum e Edson de Almeida Borba arguem que não há isenção no laudo técnico e é feita confusão com tipos de brita existentes. No entanto, as considerações do documento se mostram confiáveis e minuciosas:

Para a realização da análise, foram disponibilizados em meio impressos relatório do período de 01.01.2011 a 31.12.2011 e de 01.01.2012 a 06.09.2012, contemplando aquisições de materiais junto à empresa Pedracon Mineração Ltda.

Com a finalidade de identificar as aquisições de brita junto a outros credores, houve a necessidade de complementação dessa informações através de consulta efetuada junto à base de dados do SIAPC – Sistema de Informação para Auditoria e Prestação de Contas, mantida pelo Tribunal de Contas do Estado do rio Grande do Sul, que possui os registros contábeis do referido Executivo Municipal.

Cumpre referir que os registros foram identificados pela procura da expressão “brita” nos históricos das notas de empenho, sendo procedida a exclusão das aquisições de brita para finalidades que não sejam de pavimentação, a exemplo da brita para confecção de tubos de concreto.

O parecer conclui do seguinte modo:

Considerando as despesas liquidadas, ou seja, aquelas em que o material foi entregue e o direito adquirido pelo credor passou pela verificação exigida pela Lei nº 4.320/64, apura-se que as efetivas aquisições de brita para pavimentação triplicaram (3x) quando comparados os períodos de 01.01.2011 a 21.12.2011 (R$ 230.416,40) e 01.01.2012 a 06.09.2012 (R$ 692.320,05)

Ressalto que o valor gasto em brita se mostrou triplicado no ano eleitoral, o que se agrava considerando que o período de aferição do ano eleitoral (2012) é inferior em três meses ao do ano tomado como referência (2011). Resta configurado o abuso do poder econômico e de autoridade, pois a prática reflete o uso de valores públicos em benefício de candidatos ao pleito, apoiados pelo então gestor.

Nesse sentido a análise da prova feita pelo juízo de origem, que merece ser reproduzida e passa a integrar as razões de decidir deste voto:

Além da sua destinação, importa considerar que o volume de brita espalhada pelas vias públicas, em período anterior ao pleito, foi evidentemente superior à aquisição do material, nos anos antecedentes, conforme parecer de fls. 181 a 183, firmado por contador integrante da Unidade de Assessoramento Contábil do Ministério Público Estadual, cuja conclusão foi lançada nos seguintes termos: “Considerando as despesas liquidadas, ou seja, aquela que o material foi entregue e o direito adquirido pelo credor passou pela verificação exigida pela Lei nº 4.320/64, apura-se que as efetivas aquisições de brita para pavimentação triplicaram (3x) quando comparados os períodos de 01.01.2011 a 31.12.2011 (R$ 230.416,40) e 01.01.2012 a 06.09.2012 (R$ 692.320,05)”.

Não impressiona, nem altera a apontada conclusão, a afirmação da defesa de João Carlos Brum, ao argumentar que a inicial não faz distinção entre os vários tipos de brita adquiridos, aduzindo que o município usa brita também para a fabricação de canos, bocas de lobo e para fabricação de pedras de cimento para pavimentação de vias, na medida em que o próprio parecer técnico do Ministério Público, quanto à aquisição de britas, e não de saibro, traz o seguinte esclarecimento: “Com a finalidade de identificar as aquisições de brita junto a outros credores, houve a necessidade de complementação dessas informações através de consulta efetuada junto à base de dados do SIAPC – Sistema de Informações para Auditoria e Prestação de Contas, mantida pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, que possui os registros contábeis do referido executivo Municipal. Cumpre referir que os registros foram identificados pela procura da expressão 'brita' nos históricos das notas de empenho, sendo procedida a exclusão das aquisições de brita para finalidades que não sejam de pavimentação, a exemplo de brita para confecção de tubos de concreto” (fls. 182).

Ora, a prova documental produzida é séria e consistente, não tendo sido afastada pelos argumentos trazidos pelos representados, tampouco pelos depoimentos colhidos, merecendo, a prova oral, análise cautelosa e em conjunto com os outros elementos de convicção, em face do contexto político em que produzida.

Na verdade, foram ouvidas 18 pessoas, sendo que 08 pessoas na condição de informantes, em razão de situações pessoais e/ou por filiação ou vinculação partidária.

Por primeiro, foi colhido o depoimento de Jussara Teresinha Pinto Mendes, pessoa responsável pela denúncia feita ao Ministério Público Eleitoral, que tem filiação partidária, já tendo participado do grupo político que administrou a Prefeitura até o ano de 2012, integrando, na atualidade e já por ocasião do pleito, o grupo opositor político que venceu a eleição, razão pela qual a defesa sustentou viciada a origem da denúncia.

No entanto, consoante antes enfrentado, a partir da denúncia, o Ministério Público Eleitoral realizou investigação, instruindo a presente d emanda com elementos de prova consistentes, não se podendo falar em vício na origem da denúncia, até porque, de regra, no cenário político, as denúncias têm origem em grupos opositores, importando, como dito, as diligências e provas trazidas aos autos.
Na sequência, foram ouvidas as pessoas arroladas na vestibular e nas defesas, depreendendo-se dos depoimentos colhidos a existência de certas contradições, no que tange à vinculação dos candidatos representados com a colocação de britas nas vias públicas, não havendo, no entanto, negativa quanto à ocorrência de tal fato.
Neste aspecto, vale referir que Marcos Roberto Caduri de Almeida, ouvido como testemunha, confirma a colocação de britas nos bairros populares, por determinação de Brum, com promessa de asfaltamento, com utilização de maquinário da Prefeitura e também locado, afirmando ter presenciado a colocação de britas na rua Rio Grande, sendo que, após a colocação de britas, os candidatos colocavam material de propaganda no local, afirmando a colocação de propaganda do Professor Borba. Pedrolina e Eva Fernandes, a primeira ouvida como informante e a segunda como testemunha, respectivamente mãe e tia de candidato à vereança pelo PT, confirmam a colocação de britas na Rua Ana Axelrud, pelo município, afirmando que as britas foram colocadas sem obra prévia, sem que houvesse boca-de-lobo. Logo após veio o pessoal do Appolo, sem promessa de asfalto, e do Juliano Rosseto, sem condicionamento ao voto, o que teria ficado subentendido, sendo que o Borba iria chegar depois. Pedrolina aduz que Borba teria passado em um caminhão e também participado de um chá, afirmando que iria asfaltar as ruas, após a colocação das britas. Ana Nicolau, ouvida como testemunha, afirmou que colocaram britas ao redor de todas as ruas e que Irmã Sara teria comparecido nas reuniões. Claudete, ouvida como informante, afirmou que o candidato Borba participou de reunião, na qual a informante não se fez presente, afirmando a colocação da brita e meio fio, sem nenhuma outra providência. Eronita, ouvida como informante, sustenta que esteve em reunião, relativa à travesa Bolívia, que contou com a presença de Borba, Leilane e José Luís, com afirmação de que a rua seria asfaltada, deixando no local propaganda política. Eriberto, ouvido como informante, tendo sido Diretor Geral da Secretaria de Obras, afirmou que recebia pedidos feitos pela comunidade, aos quais era dado o devido encaminhamento, aduzindo que teve que retirar saibro colocado nas ruas, pela qualidade do mesmo, substituindo o saibro pela brita, que tinha no pátio. José Luís, ouvido como informante, afirma a substituição do saibro, que não era de boa qualidade, pela brita. Rogério Negreiros, ouvido como informante, refere também a questão do saibro, que foi substituído pela brita, que se constituía em material disponível. Kátia Bueno e Maria Quevedo, ouvidas como testemunhas, confirmam a colocação de britas e negam terem recebido pedido de voto em troca da brita. Conceição, ouvida como testemunha, não reconhece a colocação de brita na rua, afirmando que Irmã Sara é líder comunitária e que nunca pediu votos, sendo que Luiz Vanderlei, também ouvido como testemunha, nega a realização de reunião e confirma a colocação de britas, enquanto que Flávio, de igual sorte inquirido como testemunha, afirma a realização de reunião, com o comparecimento de Juliano, um engenheiro e o Secretário de Obras, mas esclarece que não houve pedido de voto. Marlise Martins de Souza e Tânia Maria Martins de Souza, que prestaram compromisso e que afirmam residir na travessa Bolívia, via pública que teria recebido britas, aduzindo Marlise que não houve reunião política, enquanto que Tânia Maria sustenta ter realizado reunião com os moradores, na qual pediu comparecesse o candidato Borba, que, no entanto, não teria pedido votos em troca de asfalto. Júlio Cesar, com filiação partidária e com cargo em comissão em ambos os governos, manifestou-se acerca da pavimentação comunitária.
Como se vê, os depoimentos são uníssonos no sentido de que houve colocação de britas nas vias públicas, havendo divergências no que diz respeito à finalidade de asfaltamento ou não, o que tecnicamente restou antes superado.

Pertinente à vinculação dos representados com a distribuição das britas, a prova oral, por si só, não respalda a procedência do pedido, no que diz respeito aos candidatos à eleição proporcional, sendo que, no entanto, os depoimentos colhidos, em conjunto com os documentos analisados, respaldam os argumentos constantes da vestibular, no que tange à pessoa do ex-prefeito, João Carlos Brum, e aos candidatos à eleição majoritária, pela chapa da situação.

Com efeito, resultou comprovado que houve colocação de britas nas ruas do município, em período anterior ao pleito, com gasto expressivo para aquisição do referido material, relativamente a anos anteriores (3 vezes mais), sob a responsabilidade da administração municipal à época dos fatos, constando do programa de governo do candidato Borba, da situação, a questão da pavimentação das ruas, restando, desta forma, evidenciado o benefício direto do referido candidato, bem assim do seu vice, em face do princípio da unicidade ou indivisibilidade de chapa, com a distribuição das britas, não sendo crível, por isto, não tivesse a conduta em tela a anuência dos candidatos da situação à chapa majoritária.

Dita realidade não resta abalada pelas alegações da defesa, no sentido de que muitos pedidos teriam origem na Câmara Municipal, feito por vereadores de partidos diversos, na medida em que a decisão quanto à efetivação do gasto e à distribuição das britas pertence ao Poder Executivo, na época representado pelo requerido Brum, sendo inegável que o representado Borba e seu vice seriam os sucessores do referido governo.

Portanto, evidente a configuração do ato abusivo, na dicção legal, estabelecendo o inciso XVI, do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada pela Lei nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que “para configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.”

Se assim é, inegável a gravidade dos fatos apurados, com a elevação da despesa municipal, para a farta distribuição de britas pelas ruas do município, como forma de atender aos reclamos dos eleitores, sem qualquer projeto prévio, restando injustificado o desperdício do dinheiro público, com visível propósito eleitoreiro.

Nestes termos, entendo que assiste razão ao agente ministerial, ao entender como configurados o abuso do poder político e do poder econômico.

Inequívoco que os candidatos representados, às vésperas do pleito, foram favorecidos indevidamente pelo então Prefeito de Alvorada, que colocou os servidores lotados na Secretaria de Obras, assim como o maquinário da municipalidade, para executarem o serviço de colocação de brita em diferentes locais, com prévia comunicação de que se seguiria o asfalto, o que, por óbvio, restando somente poucos meses para o fim do mandato de Brum, viria a ser executado pelo seu sucessor.

Evidente, pois, a quebra da isonomia entre os candidatos, bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas, suficiente de per si para o sancionamento dos infratores.

Nesse sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da Lei das Eleições prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Por isso, não há falar em prova da potencialidade da conduta para influenciar na lisura do pleito, o que equivaleria a um amplo esvaziamento da norma preconizada, porquanto imporia, ao representante, duplo ônus: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e da potencialidade da conduta.

Ainda é de se ressaltar que a jurisprudência acompanha a doutrina no sentido de ser desnecessária a demonstração da potencialidade da conduta vedada para afetar a lisura do pleito:

AGRAVO REGIMENTAL. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÕES 2006. AUSÊNCIA DO REQUISITO DE POTENCIALIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. NÃO INTERFERÊNCIA. INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO DA PENA. RECURSO PROVIDO.

1. A configuração da prática de conduta vedada independe de potencialidade lesiva para influenciar o resultado do pleito, bastando a mera ocorrência dos atos proibidos para atrair as sanções da lei. Precedentes: Rel. Min. Arnaldo Versiani, Al 11.488, DJe 2.10.2009; Rel. Min. Marcelo Ribeiro, AgReg no REsp 27.197, DJe 19.6.2009; Rel. Min. Cármen Lúcia, REsp 26.838, DJe 16.9.2009.

2. O elemento subjetivo com que as partes praticam a infração não interfere na incidência das sanções previstas nos arts. 73 a 78 da Lei n° 9.504/97.

3. O juízo de proporcionalidade incide apenas no momento da fixação da pena. As circunstâncias fáticas devem servir para mostrar a relevância jurídica do ato praticado pelo candidato, interferindo no juízo de proporcionalidade utilizado na fixação da pena. (Rei. Min. Marcelo Ribeiro, AI na 11.352/MA, de 8.10.2009; Rei. para acórdão Min. Carlos Ayres Bruto, REspe n° 27.737/PI, D] de 15.9.2008).

4. No caso, não cabe falar em insignificância, pois, utilizados o e-mail eletrônico da Câmara Municipal, computadores e servidor para promover candidaturas. Tratando-se de episódio isolado provocado por erro do assessor e havendo o reembolso do erário é proporcional a aplicação de multa no valor de 5.000 UFIRs, penalidade mínima prevista.

Agravo regimental provido para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, reformando o acórdão proferido pelo e. TRE/SP para reconhecer a prática da conduta vedada prevista no art. 73, I, II e III, da Lei n° 9.504/97, aplicando multa no valor de 5.000 UFIRs.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n.-27.896, Acórdão de 08.10.2009, Relator Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Relator designado Min. FELIX FISCHER, Publicação: D/E - Diário da Justiça Eletrônico, Data 18.11.2009, Página 43.) (Grifei.)

Dessa forma, reconhecida a prática da conduta vedada, cumpre estabelecer o sancionamento a que estão sujeitos os recorridos, cujos parâmetros encontram-se no art. 73 da Lei n. 9.504/97 e no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

Em relação à multa imputada a cada um dos representados, fixada em R$ 15.961,50, entendo bem graduada, por considerá-la condizente com a gravidade da conduta.

Quanto à inelegibilidade declarada com relação ao então prefeito JOÃO CARLOS BRUM e ao candidato EDSON DE ALMEIDA BORBA, sendo inequívoco o agir de ambos, mantenho os termos da sentença.

Por fim, o recorrente DILSON RUI PILA DA SILVA requer o afastamento da declaração de inelegibilidade, ao argumento de que não caberia sofrer a condenação “por arrastamento”, em virtude da indivisibilidade da chapa.

Entendo que assiste, no ponto, razão ao recorrente.

Consabido que a inelegibilidade, na forma de sanção, prevista no art. 22 da LC n. 64/90 exige, para sua incidência, prova escorreita da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, diferentemente da cassação do registro ou diploma, que considera suficiente a mera condição de beneficiário do ato abusivo, dispensando a comprovação do liame subjetivo.

Transcrevo, por elucidativa, a doutrina de Rodrigo López Zilio, In Direito Eleitoral:

Contudo, nem toda a procedência de uma AIJE leva, necessariamente, ao duplo sancionamento do representado (cassação de registro ou diploma e inelegibilidade). Com efeito, são diversos os elementos de caracterização da cassação do registro ou do diploma e da decretação da inelegibilidade. Somente se cogita da sanção de inelegibilidade quando houver prova da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, através de uma conduta comissiva ou omissiva, ao passo que para a aplicação da pena de cassação do registro ou do diploma basta a mera condição de beneficiário do ato de abuso, sem necessidade da prova do elemento subjetivo.

Neste diapasão, o inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90 é bastante claro ao asseverar que a inelegibilidade será declarada ao “representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato”. Do exposto, a lei exige, necessariamente, a prática de uma conduta ilícita – seja por ação ou omissão – por parte dos representados, sendo que a sanção de inelegibilidade atingirá, de igual forma, o autor do ilícito e todos os demais partícipes que contribuíram para a prática do ilícito. Portanto, a inelegibilidade não prescinde da prova do vínculo subjetivo do representado na prática da infração eleitoral. De outra parte, porém, a sanção de cassação do registro ou do diploma decorre da quebra da normalidade e legitimidade do pleito por força do ato de abuso. Por conseguinte, desnecessário cogitar de responsabilidade subjetiva para aplicar essa sanção, revelando-se suficiente a prova da condição de beneficiário do abuso para a cassação do registro ou do diploma. A própria literalidade do art. 22, XIV, da LC nº 64/90 indica a possibilidade de cassação do registro ou do diploma do “candidato diretamente beneficiado” pelo ato de abuso. Por fim, a distinção guarda maior pertinência lógica quando analisada a natureza jurídica de cada sanção: de inelegibilidade, que é severa restrição parcial ao pleno exercício dos direitos políticos, somente é possível cogitar em face de uma conduta concreta e individualizada do representado, sendo imprescindível aferir a responsabilidade subjetiva; da cassação do registro ou do diploma, que é sanção de caráter restrito ao processo eleitoral em curso, pode-se cogitar a partir da condição de beneficiário de ato de abuso, que tenha afetado a normalidade e legitimidade do pleito.

Assim, não demonstrada a participação do vice-prefeito na conduta comissiva ou omissiva, com potencial abuso de poder político e econômico, de forma concreta e individualizada, tenho por afastar a sanção de inelegibilidade de 8 anos aplicada em face de DILSON RUI PILA DA SILVA.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por DILSON RUI PILA DA SILVA, tão somente para afastar a inelegibilidade a ele declarada, mantendo a pena de multa aplicada. Outrossim, nego provimento aos recursos de JOÃO CARLOS BRUM e EDSON DE ALMEIDA BORBA, confirmando a declaração de inelegibilidade por oito anos, por ver configurado o abuso de poder econômico e político, nos termos do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, e mantenho a pena de multa aplicada individualmente aos recorrentes, por afronta ao art. 73, I e IV, nos termos dos parágrafos 4º e 8º, da Lei n. 9.504/97.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Acompanho o relator.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Acompanho o voto do relator, com o adendo de, pelo potencial econômico de EDSON DE ALMEIDA BORBA, divergir no que tange ao valor da pena de multa, assim,  VOTO pela diminuição da multa para 5 mil UFIR.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho o relator com o adendo do Dr. Leonardo.

 

  Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho o relator com o adendo do Dr. Leonardo.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Acompanho o relator com o adendo do Dr. Leonardo.