RC - 871458 - Sessão: 23/06/2014 às 10:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE), com atuação perante a 113ª Zona Eleitoral - Porto Alegre -, ofereceu, em 20.12.2011, denúncia contra GLADIMIR OURIQUE DA ROCHA, nos seguintes termos (fls. 31-33):

No dia 09 (nove) de dezembro de 2008, na 113ª Zona Eleitoral, localizada na Avenida Padre Cacique, nº 96, nesta capital, Gladimir Ourique da Rocha, inscreveu-se fraudulentamente como eleitor.

Para tanto, Gladimir Ourique da Rocha compareceu ao cartório da 113ª Zona Eleitoral de Porto Alegre e utilizando-se dos documentos de Pedro José da Silva, portador do RG nº 5015500613, CPF nº 547.738.140-04, inscrito na 46ª Zona Eleitoral de Santo Antônio da Patrulha, para obter o título eleitoral, requereu fraudulentamente a transferência do domicilio eleitoral de Santo Antônio da Patrulha para esta Capital, passando-se por Pedro José da Silva que havia extraviado sua carteira de identidade.

Em razão da transferência fraudulenta, Pedro José da Silva, com título eleitoral nº 055152260400, ficou impedido de votar no primeiro turno das eleições ocorridas no ano de 2010.

Assim agindo, o denunciado incorreu nas sanções do artigo 289 da Lei nº 4737/1965, Código Eleitoral, pelo que o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, seja o denunciado citado para depoimento pessoal e defesa que tiver, ouvida da testemunha a seguir arrolada e processamento até final condenação nas sanções do artigo 289 do Código Eleitoral.

Anexados documentos (fls. 02-23), a denúncia foi recebida em 13.01.2012 (fl. 34).

Notificado o réu, o prazo para defesa transcorreu em branco (fls. 36-37), razão pela qual os autos foram encaminhados à Defensoria Pública da União, que veio a apresentar defesa com negativa geral da imputação feita na inicial (fl. 40).

Em audiência, foi ouvida 01 (uma) testemunha arrolada pela acusação (fls. 78-79) e colhido o depoimento pessoal do réu, o qual se fez acompanhar pelo seu defensor (fls. 90-91).

Apresentadas alegações finais pelo MPE e pelo réu (fls. 100-102 e 104-105), sobreveio sentença julgando procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 289 do CE e aplicar a pena de 02 (dois) anos de reclusão, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato (fls. 107-111).

Inconformado, o condenado protocolizou petição, pela qual manifestou o seu interesse em interpor recurso (fl. 116), cujas razões foram apresentadas às fls. 121-124. Arguiu a ausência de fundamentação da sentença e a insuficiência probatória. Sustentou, caso mantida a condenação, seja revista a pena aplicada, dadas as circunstâncias do fato, a sua primariedade e o seu histórico de bons antecedentes. Requereu o provimento do recurso, para ser declarado nulo o decisum ou absolvido o réu, ou seja fixado o regime aberto para o cumprimento da pena, deferindo-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Apresentadas contrarrazões (fls. 128-131), nesta instância os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso (fls. 144-146).

Acompanham estes autos os documentos que integraram o inquérito policial correlato, instaurado pela Polícia Federal de Porto Alegre (“APENSO”).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

Considerando as datas de intimação da sentença do defensor do réu (em 15.01.2013) e do próprio réu (em 14.02.2013), o recurso interposto em 30.01.2013 é manifestamente tempestivo (fls. 115v, 121-127 e 135).

Preenchidos, de resto, os demais pressupostos legais, conheço do recurso.

Preliminar de nulidade da sentença

O recorrente aduziu preliminar de “nulidade da sentença por ausência de fundamentação quanto à prova da autoria delitiva”, com esteio na norma do art. 93, IX, da Magna Carta (fls. 121-124).

No entanto, não merece guarida, porquanto da sentença se retiram claramente os fundamentos que conduziram ao decreto condenatório. Lastraram-se, com efeito, em documentos que integram o inquérito policial correlato e na prova oral colhida em juízo.

De qualquer sorte, a matéria está estreitamente ligada ao mérito, devendo ser apreciada oportunamente, ao passo que, já adianto, na questão de fundo estou dando provimento ao recurso.

Logo, afasto a preliminar.

Destaco.

Mérito

Inicialmente, registro que não há ocorrência de prescrição do fato com a capitulação delitiva descrita na inicial, tocante ao ora recorrente (art. 289 do Código Eleitoral - CE c/c art. 109 do Código Penal - CP).

Nesse passo, merece acolhimento a irresignação do recorrente.

O réu Gladimir Ourique da Rocha foi denunciado como incurso nas sanções do art. 289 do CE, por supostamente ter transferido o seu domicílio eleitoral de forma fraudulenta, em 09.12.2008, perante e para a 113ª Zona Eleitoral - Porto Alegre, mediante a utilização de documentos pessoais de José Pedro da Silva, eleitor da 046ª ZE - Santo Antônio da Patrulha, fazendo-se passar por este, consoante a pormenorizada descrição fática da denúncia, acima reproduzida.

Reza a norma de regência:

Art. 289 do CE:

Inscrever-se fraudulentamente eleitor.

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

Sobre o enquadramento do dolo específico na conduta descrita no art. 289 do CE, leciona a doutrina de Suzana de Camargo Gomes (em Crimes Eleitorais, 4ª ed., editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 87):

A ação típica pressupõe, portanto, a utilização de ardil, artifício ou outro meio malicioso tendente a causar o engodo, a mascarar a realidade, e assim permitir a realização da inscrição do eleitor, quando, na verdade, pelos meios regulares, não estava o agente a preencher todos os requisitos legais ensejadores do registro no cadastro de eleitores. A fraude que se há de considerar nesses casos, ressalta Flávia Ribeiro, é aquela que consiste no emprego de meios astuciosos, de artimanhas, atos escritos ou orais, aptos a levarem outrem a erro. Assim acontece em fazer instruir o pedido de inscrição com documento material ou intelectualmente falso, adulterando nome, idade ou local de residência, enfim todo dado relevante à efetivação do alistamento.

De ver, ainda, que para efeitos penais o ato de “inscrição eleitoral” engloba o da “transferência” de domicílio eleitoral, como ora se verifica:

Pratica o crime do artigo 289, do Código Eleitoral não só aquele que se inscreve, fraudulentamente, eleitor, como aquele que utilizando ardil de igual natureza transfere o seu título para outra localidade. A transferência, ao exigir o cumprimento de determinados requisitos (Código Eleitoral, artigo 55), dentre eles o de declaração de residência mínima de três meses no novo domicílio eleitoral, implica, em verdade, na formulação de nova inscrição. Tanto isso é verdade que o próprio § 2º do artigo 58, ao cuidar da expedição do novo título eleitoral diz que na folha individual de votação ficará consignado, na coluna destinada a anotações, que a inscrição foi obtida por transferência, fato que também constará do respectivo título eleitoral

(TRE/SP – RC – 117.797 – Rel. Juiz Sebastião Oscar Feltrin.)

A sentença concluiu pela comprovação da autoria delitiva, destacando, ao aludir ao trâmite do inquérito policial subjacente, que “realizados exames pericial papiloscópico, de confronto de impressões papilares e foi concluído que a assinatura constante no pedido de transferência e a ficha do detento Gladimir foram produzidas pela mesma pessoa (fls. 74-81), o que é confirmado pela informação técnica nº 222/2011 – SETEC/SR/DPF/RS (fls. 91-93)” (fls. 107-111). Para tanto, o juiz a quo levou em conta os documentos integrantes do inquérito policial em apenso, bem como a prova oral colhida em juízo.

Sem razão o nobre magistrado de primeira instância.

De fato, a controvérsia reside na valoração da conclusão da perícia relativamente à assinatura inserta no Requerimento de Alistamento Eleitoral de fl. 18 do expediente policial – circunstância elementar esta pela qual teria ocorrido a aludida operação de transferência de domicílio eleitoral.

Na informação técnica final de fls. 91-93 do apenso, o perito criminal federal, em suas conclusões, conquanto reconheça semelhança, atestou não ter certeza que a assinatura em questão é do réu Gladimir Ourique da Rocha:

[…]

Em razão das considerações acima expostas, e ainda, considerando a quesitação específica proposta, o Signatário informa que há semelhanças entre as assinaturas lançadas na folha 18 e 62, e que a assinatura lançada no arquivo digital “2008434010508228_A.jpg” [em folha em branco] constante no cd encaminhado para exame é idêntica a assinatura lançada na folha 62. Entretanto, não foi possível apresentar conclusão categórica acerca da unicidade de punho ou autoria das assinaturas, conforme explicado no capítulo anterior.

A assinatura lançada no Sistema Consulta Integradas em nome de Gladimir Ourique da Rocha não se mostrou adequada para comparação. Para maiores detalhes vide capítulo anterior.

Tendo por bem esclarecido o assunto, os Peritos devolvem, com a Informação Técnica, os materiais descritos na seção I – Objeto.

Nada mais havendo a lavrar, o Perito encerra a presente Informação Técnica, elaboradas em três (03) páginas, impressas somente no anverso, que segue devidamente assinada. Era o que tinha a informar.

Gizo que analisei os demais documentos e mídias do inquérito policial, os quais ou são irrelevantes à apreciação da conduta ou se referem a indícios de delitos outros imputados ao ora réu, estranhos a esta especializada. Assim, beira à ilação raciocínio tendente a confirmar a sentença com apoio em fotos, assinaturas e documentos que, ainda que respeitantes a réu e vítima, não guardam relação com o objeto da persecução criminal eleitoral ora em apreciação.

A seu turno, a prova oral não autoriza conclusão em contrário. Adstrita ao depoimento da vítima, Pedro José da Silva, este foi expresso em afirmar que não conhecia o réu, e que não sabia quem teria praticado o alegado ilícito (fls. 78-79). Ao passo que, tanto na fase policial quanto na judicial, ao prestar depoimento, o réu preferiu fazer uso do seu direito ao silêncio (fl. 66 do apenso e fls. 90-91 deste).

Ora, é consabido que, em matéria penal, os fatos devem ser demonstrados de maneira inequívoca, sobretudo quando versarem sobre a autoria ou a materialidade de determinada infração.

Torna-se necessário, então, reconhecer que o fato narrado não foi suficientemente comprovado nos autos, pois, para que houvesse a consumação do delito seria imprescindível demonstração de que o réu efetivamente subscreveu o documento por meio do qual operou-se a transferência de domicílio em nome de José Pedro da Silva.

Vale dizer que as provas trazidas não confortam um juízo de certeza, pois são apenas indícios que não se revestem de força suficientemente capaz de conduzir a um juízo de condenação.

É da jurisprudência desta Corte:

Recurso criminal. Inscrição fraudulenta de eleitor. Art. 289 do Código Eleitoral. Participação. Art. 29 do Código Penal. Procedência. Eleições 2008. Preliminar afastada. Inocorrência da prescrição intercorrente, haja vista o prazo de quatro anos para a espécie, nos termos do art. 109, inc. V, do Código Penal. Declaração falsa de que eleitor residiria no endereço da recorrente.

Ausência de prova segura a confirmar a intenção de fraude ao cadastro eleitoral. Demonstrada a atipicidade material do comportamento diante da evidência de que o eleitor efetivamente reside no município, não estando impedido de inscrever-se naquela Zona Eleitoral.

Não restando tipificado o delito, não há que se falar em participação. Provimento.

(TRE/RS – RC 1000021-34 – Rel. DR. HAMILTON LANGARO DIPP – J. Sessão de 24/03/2014.)

 

Recursos criminais. Improcedência da denúncia com relação ao delito tipificado no artigo 353 do Código Eleitoral e condenação do recorrente como incurso nas sanções do artigo 289 do mesmo diploma legal.

Comprovados a autoria e materialidade na conduta consistente em inscrever-se fraudulentamente como eleitor. Dolo demonstrado pela própria confissão do réu. Descabida a alegada prescrição da pretensão punitiva.

Condenação à pena mínima cominada para o crime. Inexistência de razão para eventual nulidade do ato sentencial. Manutenção da suspensão condicional da pena.

Ausência, na espécie, do elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 353 do Código Eleitoral. Não demonstrado, pelo conjunto probatório, a utilização de documentos falsos com finalidade eleitoral.

Provimento negado.

(TRE/RS – RC 27-23 – Rel. DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA – J. Sessão de 19/02/2013.)

Logo, inexistindo prova inconteste de que o réu inscreveu-se eleitor de forma fraudulenta, a reforma da decisão combatida, com o provimento do recurso e a consequente absolvição do réu, é medida que se impõe.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a preliminar de mérito, VOTO pelo conhecimento e pelo provimento do recurso, para, reformando a sentença, absolver GLADIMIR OURIQUE DA ROCHA da imputação delitiva descrita na denúncia, fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal.